Crônica "Conversa de Buteco", de Chico Villela, publicada na revista eletrônica NovaE.
Conversa de buteco
Chico Villela
A dupla Chenynho & ZeBusha fez um país rico de 300 milhões de habitantes levar direto no rabo. Um cronista político de respeito diria algo como:
“Ao que tudo indica, o atual governo dos Estados Unidos da América enfrenta situações de aguda adversidade enquanto tenta entreter duas guerras que vai perdendo, no Iraque e no Afeganistão, manter 737 bases com mais de 500 mil militares e civis a serviço em 130 países e um orçamento militar de mais de US$ 1 trilhão, maior que todos os outros somados de todo o mundo, e, além disso, perde-se em inúteis tentativas de segurar uma moeda em franca queda irreversível e uma economia que, ao ser transformada de produtiva e industrial em financeira e de especulação, fez ruir as bases do país. A soma das dívidas dos EUA chega hoje a mais de US$ 50 trilhões, mais de quatro vezes seu produto interno bruto. É o fim do mais novo império da história. Em resumo, um país-falido.
Maior conjunção de condições negativas, impossível: com o barril de petróleo a 150 dólares, o país, suburbanizado e baseado nos veículos familiares e nos combustíveis fósseis, que compra mais que produz, vai parando. Acresce a isso a preponderância do agribusiness e a extinção da sábia agricultura familiar, que mantinha as mesas fartas com produtos que contribuíam para a saúde. Emprego em queda, moeda em queda, economia em queda, crédito em queda, bancos e financeiras em bancarrota, a maior taxa de crianças gordas do mundo, derrotas em guerras, etc. Em resumo: um país sem futuro.
Mas que ainda guarda um (duvidoso) trunfo: a maior, mais especializada, mais letal, mais ilegal, mais assassina e mais genocida arma de guerra da história da humanidade. País nenhum tem hoje, contrariando as leis e códigos aceitos em todo o mundo, tantas armas convencionais, nucleares, bacteriológicas, químicas, psicológicas, eletromagnéticas, de manipulação do clima e dos elementos naturais, etc. Não bastasse o horror, estabeleceu centros de tortura fixos em seu território e países afiliados, e móveis, em navios pelo mundo afora, e consagrou a tortura e a repressão às idéias e ações com uma lei draconiana que nem sequer na antiga URSS ou na Alemanha de Hitler foi tão drástica, a Patriot Act.”
A dupla Chenynho & ZéBusha (o nome do presidente real vem primeiro) fodeu o país de forma final e a democracia. Em resumo: um país-bandido.
Mas eu não sou cronista político de respeito, apenas um cidadão de respeito, e nem sequer escrevo em jornais importantes, daqueles que trazem quatro páginas com anúncio de vans e suvs de sonho ou condomínios de luxo onde se abrigam os beneficiados pela globalização, iniciativa de sucessivos governos euanos e ocidentais, e que até agora só fez concentrar a riqueza e expandir a pobreza e a fome, empobrecer a classe média, aumentar os preços da comida, aviltar ainda mais os preços de matérias-primas, e transformar o ar, a água e a terra em fontes particulares de lucros, além de uma coorte de mazelas e infelicitações.
De vez em quando é salutar dispensar as linguagens acadêmicas, diplomáticas e protocolares, e escrever como há pouco estava conversando com amigos num boteco. Estados Unidos? Tá fodido. Agora mesmo estava dizendo:
Vejam vocês a burrice implícita nas guerras. Invadiram um país, o Iraque, que já havia passado por uma guerra de oito anos com o Irã, estimulada, financiada e armada pelos gringos e ingleses, com mais de 1 milhão de mortos; depois sofrido uma invasão do pai do ZéBusha; depois padecido com doze anos de bloqueio econômico e bombardeios seletivos de gringos e ingleses sobre instalações hidráulicas, industriais, pontes, escolas, hospitais, culturas agrícolas, etc.; perdido mais de 80% da capacidade de combate; perdido mais de 500 mil crianças por falta de remédios e doenças como diarréia. Foi este país que a valente dupla Chenynho & ZéBusha invadiu em 2003 como um ato glorioso. Três meses depois, o infeliz do ZéBusha desceu de helicóptero, com uniforminho militar, num porta-aviões ancorado no Golfo Pérsico, e com graça juvenil proclamou o fim da guerra do Iraque. Os malandros espertos riram: Idiota, a guerra vai começar agora. Começou e não parou mais.
As guerras do Iraque e do Afeganistão, que começou em 2001, são descrita pelos analistas como atoleiro, pesadelo, pântano e outros termos amenos. O país é um mosaico de tribos, clãs e etnias, com costumes ancestrais, absolutamente diferentes dos costumes ocidentais, que lutaram, por exemplo, contra Alexandre, o Grande, alguns séculos antes de Cristo. Também expulsaram conquistadores ingleses e, no fim dos anos 80, russos. Mal saíram os russos, entrou a tropa da dupla Chenynho & ZéBusha.
Cara, aquelas palavras que você falou, como é mesmo? Atoleiro, pântano, pesadelo... Isso! Mas isso não é a definição do Afeganistão para as tropas invasoras? É, cara! Olha só: a concepção do Pentágono da dupla Chenynho & ZéBusha é a mesma adotada no Vietnã, guerra perdida com 50 mil mortos e 500 mil soldadinhos loiros fugindo feito criança. Foi assim: vamos manter o fogo com bombas jogadas de aviões. Apoio da população, nem pensar, já que jogavam bombas o tempo todo sobre civis, mulheres, crianças, etc. Jogavam até bombas com agente laranja, que desfolhava as florestas. Sabe pra quê? É que, sem as folhas, o Vietcong inimigo perderia o abrigo-esconderijo. Olha que loucura! Mataram mais milhares e envenenaram por séculos terras e imensas áreas hoje vedadas ao cultivo. Uma cagada, cara!
Diria um analista categorizado:
“A questão central da guerra no Afeganistão é a incompreensão das forças aliadas da Otan e do Pentágono a respeito da história e dos costumes do país. A estratégia é a mesma do Vietnã, só que com menos soldados: em situações de perigo, chama-se apoio aéreo. Os aviões, de uma altura de milhares de metros, jogam bombas. As baixas são poucas, as bombas espalham destruição, mas os resultados são preocupantes: civis mortos em quantidade, destruição de residências e equipamentos sociais, e o governo do títere Karzai não consegue dominar nem a área da capital. Trata-se de uma estratégia equivocada, que só poderá levar à retirada em breve.
Além do mais, as divisões étnicas e clânicas entre os pashto estão em suspenso: há no momento uma aliança tácita contra o inimigo invasor. Se levarmos em conta que o Talibã havia zerado a produção de heroína pela repressão ao plantio de papoula, e que hoje o Afeganistão voltou a ser o maior produtor mundial de heroína, principal produto da economia do país, então é forçoso reconhecer que as forças aliadas ganharam episodicamente em 2001, mas desde então vêm perdendo a guerra contra o terrorismo e o tráfico.”
Ô, Zé, dá mais uma gelada! Cara, veja só isto: o Taliban é formado no meio da etnia pashto, a mais numerosa do país. Já foram bombardeados cinco cortejos nupciais pashto. No último, esta semana, morreram 47 mulheres e crianças, inclusive a noiva, que ia junto com amigos e parentes de sua aldeia até a aldeia do noivo. Os pilotos, chamados a socorrer tropas que cagam de medo a cada sombra que vêem, avistam lá do alto uma aglomeração de pessoas e soltam as bombas; todo dia tem civis mortos de bando. Cada bomba dessas garante algumas dezenas de novos combatentes. A força aérea da dupla de desastrados Chenynho & ZéBusha é o maior agente de recrutamento dos adversários. Não é de lascar? E olha que é a mais sofisticada máquina de guerra da história. Sofisticada, tudo bem, mas inteligente? Sei não...
Quer ver o tamanho da besteira dos gringos? O grande inimigo do Ocidente sempre foi o Irã, desde 1979, quando os aiatolás botaram o xá amigo dos gringos pra correr. A embaixada dos EUA foi invadida e tomada em Teheran e os reféns euanos ficaram mais de ano em poder dos rebelados. Uma crise interminável. Os EUA nunca mantiveram mais nem sequer escritórios comerciais no Irã. Rompimento total.
Mas, ô Chico, peraí, faz uma pausa nessa história , veja só: esta semana os gingos mandaram um desses funcionários importantes para a conferência com os iranianos e mais russos, alemães, chineses etc. sobre a produção de urânio (para o Irã, combustível de usinas nucleares; para os aliados ocidentais, de bombas), não é um gesto de boa vontade?
É nada, cara!É só uma deixa para dizer mais à frente, perto do fim do ano: Pessoal, não foi possível o diálogo, os caras não vão parar de produzir urânio para suas bombas, e, assim, só mesmo a opção militar está em cena agora.
Mas, voltando o filme: o Saddam era sunita, inimigo do Irã, e arrebentava com os xiitas, que governam o Irã. Sem o Saddam, subiu um governo sem-vergonha, de bonecos, mas que manda, bem ou mal. Quem são? O presidente é curdo, e foi apoiado pelo Irã na sua luta contra Saddam, que matava curdos sem dó com armas químicas inglesas e gringas. O primeiro-ministro é xiita, fundou um partidinho, e se refugiou no Irã durante a tirania de Saddam. O exército foi reorganizado com base na milícia Badr, liderada por um xiita, e que foi abrigada, treinada e armada no Irã.
Quer ver um fato engraçado? Um desses pica-grossas do Departamento de Estado esteve recentemente no Iraque. Desceu em aeroporto militar, só andou de helicóptero escoltado por muitos outros com armamento pesado, e só se reuniu na Zona Verde, gueto-fortaleza dos gringos em Baghdad. O Ahmadinejad, primeiro-ministro iraniano, esteve no Iraque. Desceu no aeroporto de Baghdad, foi de carro até a sede do governo e outros lugares, abraçou o presidente amigo, o primeiro-ministro amigo, o comandante do exército amigo. Porra, cara: que raio de estratégia é essa em que você afunda as suas tropas numa merda sem fim e vai fortalecendo o inimigo? Que cagada! Que puta sabedoria!
Ô, Zé! Manda mais uma gelada e traz uma de Salinas.
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Fonte: NovaE
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sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Conversa de buteco, crônica
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