sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Esta Solidão não é Liberdade, é Lembrança, é Ausência

E Agora Você Está Só
Wagner Machado


E agora você está só. E agora você tem apenas um passado tão lindo que lhe dá medo memorá-lo, pois dói tanto sabê-lo passado, absoluto, cada vez mais distante. Passado que você não consegue nem jogar fora nem pendurar na parede. Todos aqueles planos tão singelos e tão sonhados agora pertencem ao futuro do pretérito. Pertencem a um futuro que não enxergam os olhos da esperança, mas os embaçados olhos do inalcançado. Você queria tanto fazer o tempo voltar um pouquinho. E a angústia de não poder. Se você soubesse o que estava em jogo. Mas você sabia. Se você soubesse que não valem as palavras, não valem os humores, não valem as incomodaçõezinhas ante ao fato de que aquela mulher detentora da sua felicidade pode simplesmente dizer-lhe adeus. Mas você sabia. Agora o que importa seu orgulho? O que importa seu ímpeto? Agora o que importa quem tinha razão? O que importa agora?

Agora você está só. E não se trata, você bem sabe, daquela solidão boa que você antes chegava a ensejar. Agora sua solidão é uma solidão impossível. Impossível e permanente. Uma solidão pesada que não é liberdade, mas é falta, é lembrança, é ausência. Uma solidão que no cinema vai comer pipoca ruidosamente ao seu lado. Que no bar vai estar caindo de bêbada e babujar com hálito quente e mal-cheiroso verdades na sua cara. Que nas viagens vai convidar-lhe para voltar para casa e em casa vai implorar-lhe para fugir.

Só. E você bem sabe que não adianta pensar que a morte existe e que de qualquer modo todos temos de enfrentar. Porque a morte é um imperativo, a morte nos transcende. Mas sua felicidade está logo ali, e poderia bastar um telefonema. Tudo que você queria é que ela atendesse o telefone e mesmo com uma voz amuada aceitasse passar o fim de semana em um chalezinho de um lugar quase deserto para que você pudesse propor a renúncia a tudo o que não seja amor. Aí você mostraria para ela o quanto a ama e você seria feliz apenas por vê-la sorrir, por vê-la dormir, por vê-la acordar e lhe dar bom dia. Você seria feliz apenas por vê-la feliz.

Mas agora você está só. E o arrependimento é um grito sem reverberação, que só você ouve e de nada adianta. E você sabe que não há culpados porque não há crime. E agora você descobriu que tudo foi posto fora e não precisava, e não devia, e não podia. E você não queria. Mas por algo que você não sabe ao certo – orgulho? egoísmo? intolerância? – você trocou o tudo pelo nada. Lembra daqueles programas idiotas de televisão? “Você troca uma banana estragada por um automóvel?” “Siiiiiiiiimmmmmmmm”. Você trocou. E agora você está só. Insuportavelmente só.

Fonte:
PortadordeAusências

Rap, Instrumento da Transformação

Grupo “A família”, que se prepara para lançar seu segundo álbum, afirma que a música pode trazer mudanças “não só dentro das periferias, mas fora também”

por Tatiana Merlino

Demis Preto Realista, Gato Preto, Crônica e Dj Bira são os integrantes de “A família”. O grupo de rap nascido há seis anos em Sumaré, interior de São Paulo, prepara seu segundo álbum, com previsão para lançamento em março de 2008. Desde 2000, quando começaram a viajar pelo país com o rapper GOG fazendo shows, palestras e debates, os quatro integrantes do grupo não pararam mais de fazer trabalhos sociais, apresentações para comunidades carentes e movimentos sociais. No final de 2004, lançaram o primeiro álbum Cantando com a Alma. Uma das faixas, a música Castelo de Madeira, que trata da importância de se ter uma moradia digna, se destacou e foi premiada no maior festival de hip hop da América Latina, o Hutúz, como melhor música de 2005. Demis Preto Realista e Crônica foram entrevistados pelo Brasil de Fato e falaram sobre sua preocupação com a qualidade da letra das músicas e contaram que o rap tem ajudado a modificar a realidade das periferias. “Com o rap, muita coisa mudou dentro das comunidades. Em prol do rap, pelo rap e por causa do rap”.

Brasil de Fato – Como que se deu a relação de vocês com o movimento hip hop?

Crônica – Eu nasci na periferia de Hortolândia (SP) num meio onde era impossível a gente não ter contato com a cultura hip hop. Eu sempre fui uma amante da escrita de denúncia. O hip hop estava entre os estilos de música que mais se assemelhavam com a denúncia, o cotidiano que eu vivia e as pessoas que estavam à minha volta. Eu não digo que entrei no hip hop, digo que nasci nele, ele faz parte da minha vida.

Demis Preto Realista – Eu nasci em Campinas (SP) em 1977 e aos quatro anos de idade fui para Minas Gerais. Voltei aos oito para estudar e assim que cheguei, a primeira música com a qual eu me identifiquei foi o rap, a música black. Esse tipo de música começou a ter muita força entre o pessoal da periferia, no gueto. Naquele momento o maior grito que a gente tinha era aquela musica. O hip hop chegou com uma nova proposta, de unir a juventude, na dança, na poesia. O fato de estarmos hoje na linha de frente do rap nacional é resultado de uma caminhada de muita luta do passado, de vários caras como o GOG, os Racionais, o Thaíde, o DJ Hum, o Câmbio Negro. Esses caras fortaleceram muito a jornada.

Nas letras das músicas, em especial na premiada “Castelo de Madeira”, vocês falam dos sem-terra e dos sem-teto. Como é a relação do grupo com os movimentos sociais?

Demis – Eu penso da seguinte forma: não é uma relação que a gente tem com os movimentos sociais. Nós somos o social. A gente vem de um sonho de um cara chamado Genival Oliveira Gonçalves, o GOG. Ele tinha um sonho de tirar jovens das comunidades carentes que tinham talento para fazer música. Por felicidade do destino, teve todo um processo para resultar nesses quatro caras, nós da “A família”. Isso já foi um grande trabalho social desenvolvido por ele. A princípio não éramos um grupo de rap, e sim um grupo de estudo. Acho que nosso grupo também é o resultado do sonho de várias pessoas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), porque muitas vezes aquele cara que está lá no campo queria vir aqui para São Paulo e gritar para ver se a sociedade escuta. Quando a gente mostra a bandeira do MST no clipe, é mais ou menos esse grito.

No que vocês se inspiram para compor?

Crônica – Musicalmente falando é uma lista imensa, mas gosto de compor pensando na vida, como eu gostaria que as coisas fossem, como que eu vejo e imagino as coisas. Nas minhas letras gosto de falar bastante de mim. Se eu falar de mim nas minhas letras, da minha realidade, da minha verdade, eu sei que essa verdade vai ser contemplada por milhões de pessoas que vivem a mesma realidade. Eu me canto nas letras porque sei que as pessoas se inspiram bastante nisso.

Demis – Esse ano eu fui à Bahia e conheci um cantor de reggae. No dia seguinte, já em São Paulo, lembrando dele eu fiz um reggae chamado “Meninos são soldados”, que vai sair no CD novo. Muitas vezes a inspiração vem do choro de uma criança, um olhar triste de uma senhora que levanta cedo e sabe que o filho está preso e ela não tem dinheiro para comprar comida para levar lá.

Em quais projetos sociais vocês atuam?

Crônica – Fazemos um trabalho na área da saúde na região de Sumaré, nos bairros Matão e Jardim Glicério, sobre prevenção e DST/Aids. O objetivo era trabalhar com adolescentes que estavam fora da escola. O modo que a gente encontrou de levar essa informação sem que fosse encarado como uma palestra chata foi utilizando a palavra do grupo. A gente sabe que a gente fala e a juventude acompanha, pára para ouvir justamente porque somos próximos deles. A gente acredita que nossa colaboração foi essencial para romper com essa barreira que existe com os jovens que não querem participar de palestra porque é chato. Hoje, temos na periferia de Sumaré 70 jovens que são agentes multiplicadores e que estão distribuindo essa informação. Também temos um projeto social nosso chamado “Razão Para Viver”, que visa levar entretenimento, cultura, informação, alimento e diversão para as crianças da periferia. Fazemos shows em praça pública, em vários bairros e até levamos ele para Brasília (DF).

Demis – Fora as visitas nas quebradas, arrecadação de livros para colaborar com o enriquecimento das bibliotecas do MST. A gente está fazendo a nossa parte. Teve um episódio que foi o show das crianças, em março de 2005, lançamento do primeiro álbum do grupo. Fizemos um mutirão de limpeza na comunidade, um monte de gente falava que a gente era louco porque estávamos com vassoura na rua. Naquela época estava saindo nos jornais do país inteiro que Sumaré era a cidade mais violenta do Brasil e que exatamente onde eu moro, que é a região da Área Cura, era o local da violência. E a gente fez o lançamento do nosso disco lá, numa praça onde a própria Polícia Militar falava que era uma loucura a gente levar 10 mil pessoas, que poderia morrer um monte de gente. Ficamos numa luta de seis meses, juntamos várias lideranças e assinamos documentos de responsabilidade. Enfim, fizemos um evento com 10 mil pessoas e naquela noite não foi registrado um boletim de ocorrência na região. Era um evento aberto onde a gente pedia que as pessoas levassem um quilo de alimento. Não era obrigatório, ainda mais porque era ao ar livre, mas a gente conseguiu a proeza de arrecadar uma tonelada de alimento. Três dias depois aconteceu uma enchente que deixou 300 famílias desabrigadas na região e distribuímos os alimentos entre eles.

Vocês estão lançando o segundo álbum do grupo. O que mudou no trabalho de vocês de três anos para cá?

Crônica – Nesse intervalo a gente também conseguiu colocar na rua um disco ao vivo que é um agradecimento ao público que compareceu sempre nos shows do grupo, lotou as casas, ao público que transformou o “Castelo de Madeira” em hino nacional. Gravamos esse CD ao vivo na cidade de Limeira (SP), com casa cheia e participação de grandes nomes do hip hop nacional. Agora vamos lançar esse segundo disco, com 16 faixas. Mudou muita coisa. Estamos muito mais maduros, com conhecimento maior e a nossa musicalidade está mais forte. Estamos fazendo música da melhor qualidade possível.

Demis – Eu acho que nosso comportamento diante do nosso trabalho mudou bastante, porque antes de gravar o CD a gente sonhava em estar cantando rap nos palcos, e depois veio a fase de gravar o disco, a música ir para as rádios e aconteceu da gente subir nos palcos e cantar e as pessoas cantarem junto. E aconteceram as premiações. Ganhamos o premio Hutúz 2005 de melhor música do ano com “Castelo de Madeira”, foi importante para nós. Depois ganhamos o atuação social, pela Cooperifa. Todo esse trajeto foi trazendo coisas importantes para o crescimento. Achamos que esse disco novo é resultado de todas as observações positivas que fizemos ao longo desses últimos anos.

Crônica, em uma entrevista você disse que se preocupa muito com o conteúdo das letras do rap. Por quê?

Crônica – Pela falta de compromisso nas letras. Muitas vezes a pessoa fala “sou músico, canto rap e não preciso explicar as coisas nas minhas letras”. Tudo bem que a gente que faz música sabe que nem sempre ela vem com significado só. Mas a gente tem que entender que no caso do rap a gente está cantando para as pessoas que vão se espelhar na gente. Temos que saber que tem crianças que ouvem a música, porque tem a batida legal, tem um refrão que elas também cantam. Então, a falta de compromisso no rap é muito grande. A maioria das músicas é egoísta e não tem preocupação com a forma que vai ser interpretada nas ruas. O rap influencia muita gente e se ele não tiver seriedade naquilo que está cantando, vamos perder um espaço popular nas periferias, que possa fortalecer o povo, que pode unir essa massa. Sou sonhador mesmo e acredito que rap pode fazer uma mudança, não só dentro das periferias, mas fora também.

Vocês acham que o rap pode ajudar na transformação da realidade social das periferias?
Crônica – O rap tem atuado dentro das comunidades, mudado muito o comportamento dos nossos jovens, falando que estudo é estudo, falando “você é negro e se aceite como é, porque não é inferior a ninguém”. Muita coisa mudou dentro das comunidades com o rap. Em prol do rap, pelo rap e por causa do rap.

Qual é a opinião de vocês sobre rappers que assinam contratos com grandes gravadoras?

Demis – Bom, primeiro tem que ver o que foi oferecido para ele e o que ele quer da vida. Tem cara que acha que através da gravadora grande vai ter um bom resultado para fazer show na beira da praia, andar de jet ski, mas nem sempre isso é resultado de uma boa caminhada. Hoje a gente é de gravadora independente, mas, se amanhã um empresário das transnacionais fizer uma proposta onde a gente veja possibilidade de evoluir e conseguir trazer benefício para o nosso trabalho, para a nossa base de resistência a gente vai sentar e tentar negociar para ver até onde a gente está junto. Tudo depende do jeito que é conversado. Todos esses caras que vão para a TV e depois se lascam no cenário da música são exatamente aqueles que não estavam preparado para conversar. Depois o cara chega na quebrada e a molecada não pira com ele, taca pedra. A minha caminhada é diferente, mas eu não vou falar que não vou na TV. No momento não vejo que a gente necessite disso, a gente tem mais que aprender coisas com o nosso povo, aprender escutar pessoas que tem coisas para dizer para nós.

O que acham das críticas de que rap é musica americanizada?

Demis – pode ser importada se eu me inspirei na favela de Jundiaí (SP), nas favelas do Rio de Janeiro? Mas eu acho que o hip hop nacional está precisando olhar para a música brasileira e descobrir um espaço positivo para trabalhar. Dentro da música brasileira e não separadamente dentro de um movimento. Dentro da música brasileira o hip hop tem uma expressão forte, mas ela se desgasta a partir do momento que tem muito grupo sem qualidade. A gente está passando por uma fase difícil no hip hop.


Fonte: BrasildeFato

Castelo de Madeira - A Família



Ouça aqui Castelo de Madeira ao vivo

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O Resgate do Samba Maranhense

Cochichos Maranhenses
por Pedro Alexandre Sanches


Existiu ao longo do século passado o samba do Maranhão, que só se espalhou moderadamente pelo Brasil por intermédio da cantora Alcione. Hoje é outro músico maranhense, o não-sambista Zeca Baleiro, quem luta por trazer à tona um pedacinho de originalidade que o País não conheceu, e que teve expressão em nomes como Antonio Vieira e Lopes Bogéa, ícones comparáveis aos cariocas Cartola ou Nelson Cavaquinho, embora muito menos conhecidos.

Baleiro encampou o plano de resgate e lança, pelo selo próprio Saravá Discos, o álbum Balançou no Congá, com um mostruário de 15 das cerca de 300 composições de Lopes Bogéa. O autor chegou a gravar algumas faixas, mas morreu durante o processo, aos 78 anos, em 2004. O produtor completou o projeto com participações inspiradas de Beth Carvalho, Germano Mathias, Genival Lacerda e os conterrâneos Alcione, Tião Carvalho, Rita Ribeiro, César Teixeira, Josias Sobrinho, Criolina e ele mesmo. Ao mesmo tempo, relança pelo Saravá o emocionante CD O Samba É Bom, de seu Antonio Vieira (hoje, com 87 anos), que produzira em 2002.

Baleiro traz o personagem Bogéa mais para perto: “As canções dele, e mesmo seu canto, tinham um suingue incrível, algo entre a bossa amazônica de Ari Lobo e o molho nordestino de Jackson do Pandeiro. Era gaiato, irônico, abusava de malícia, mas sabia ser lírico também. Há muitas canções com sabor de ‘canções de protesto’, e isso era sincero da parte dele. Era versátil, jogava nas onze, fazia baião, carimbó, samba, marchas e serestas”.

À clave do protesto pertencem temas maranhenses pontiagudos com os quais outros brasileiros se identificariam, se os conhecessem. O arroz fica com os brancos/ pobre só come xerém, criticava em Baleiei Sim. Em Papai Noel do Rico e do Pobre constatava que o Papai Noel do rico/ traz bicicleta e lambreta/ boneca que anda, que chora/ traz jogo de bola preta e que o do pobre/ vou lhe dizer como é (...) traz um pacote de fubá/ um quilo de farinha mofada/ às vezes uma bruxa de pano/ pra dar à filhinha desamparada.

“Foi um compositor maranhense de uma geração que nunca pôde se dedicar exclusivamente à música, tampouco gravar discos. Atuou como jornalista e radialista a maior parte da vida. Era um pouco ressabiado, como quem já foi muito enganado com promessas vazias”, conta Baleiro. “É uma história da música da periferia do Brasil, de um tempo de maior isolamento que hoje.”

A poesia era simples e direta, mas repleta de simbolismos, característica que Bogéa guardava em comum com Vieira (autor de versos como oh, Deus, se eu pudesse/ abria um buraco/ metia os pés dentro/ criava raízes/ virava coqueiro/ trepava em mim mesmo, da praiana Cocada). De Bogéa ficam versos prosaicos e particulares, como os de A Gente e o Mar: gente na beira da praia/ faz despacho e mundonguices/ se banha com sal e sol/ faz também outras tolices/ se deita em colchão de areia/ se enrola com as ondas do mar/ no remanso do banzeiro/ escuta a sereia cantar. Eram a poesia e o samba maranhenses cochichando para o mundo.

Fonte: CartaCapital


domingo, 23 de dezembro de 2007

Tim Maia por Tim Maia

O genial Tim Maia e suas sacadas bem-humoradas estão no vídeo abaixo onde ele fala dele mesmo. Fala de seus pais, sua infância e juventude, sobre Nelson Motta, Roberto Carlos, Fábio Jr., suas impressões sobre o ser humano, racismo no Brasil, entre outros assuntos.

Tim Maia por Tim Maia

Entrevista dada por Tim Maia que está no DVD Tim Maia ao vivo.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Furtados: Picasso e Portinari

Obras Furtadas
Telas de Portinari e Picasso foram subtraídas do acervo do MASP


O diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan, José do Nascimento Júnior, manifestou sua solidariedade à direção do Museu de Arte de São Paulo que teve duas obras do seu acervo furtadas. Segundo informação divulgada no site do MASP, na madrugada desta desta quinta-feira (20 de dezembro), foram subtraídas as telas O Lavrador de Café (1939), de Candido Portinari, e Retrato de Suzanne Bloch (1904), de Pablo Picasso.

Desde 2004, por meio de editais de seleção pública, o Demu/Iphan tem investido na modernização dos museus brasileiros e na implantação de medidas de segurança nas instituições. Também encaminhou, este ano, carta a todos os governadores sugerindo a criação nos estados de delegacias de patrimônio cultural para ampliar a proteção dos bens culturais.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional lançou, no mês de outubro, a Campanha pela Recuperação de Bens Procurados, em cadeia nacional de televisão. As peças roubadas do patrimônio nacional constam no banco de dados do site www.iphan.gov.br, onde os internautas podem identificar os dados de todas as obras procuradas e informar ao Iphan sobre o paradeiro das mesmas. Também serão expostos banners em todos os aeroportos do país para mobilizar a população na busca pelos bens culturais.

Veja a campanha e consulte o banco de dados.

Comunicações e denúncias: (21) 2262-1971, 2524-0482 (fax) ou bcp-gemov@iphan.gov.br.

Outras informações: (61) 3414-6234 e demu@iphan.gov.br.

Fonte: Demu/Iphan

Publicado por Sheila Sterf/Comunicação Social



Veja quais as obras furtadas
Identificação
Situação: Procurado
Número BCP: 1259
Nome do Objeto: PINTURA
Título: O RETRATO DE SUZANNE BLOCH
Autoria: PABLO PICASSO
Época/Período: 1904
Material: TINTA ÓLEO, TELA
UF: SP
Município: São Paulo

Dimensões
Altura(cm): 65,00
Largura(cm): 54,00






Identificação

Situação: Procurado
Número BCP: 1260
Nome do Objeto: PINTURA

Título: O LAVRADOR DE CAFÉ

Autoria: CÂNDIDO PORTINARI

Época/Período: 1939
Material: TINTA ÓLEO, TELA
UF: SP
Município: São Paulo

Dimensões
Altura(cm): 100,00
Largura(cm): 81,00

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Quatro Capítulos do Livro sobre Tim Maia

Falando em Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia, livro de Nelson Motta sobre a vida daquele que atendia por Síndico, vale dizer que a editora que lançou o livro botou no ar um saite muito bacana que complementa o impresso. A página traz fotos, vídeos, 121 músicas completas pra se ouvir e quatro capítulos de Vale Tudo. Pra conferir o sítio, basta clicar aqui. Abaixo os quatro capítulos iniciais de Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia completos pra baixar.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Nelson Motta fala sobre Tim Maia

Nelson Motta em entrevista ao Pânico
O Som, a Fúria e a Liberdade de Tim Maia
"Tim Maia foi o ser mais livre que eu conheci". Esta é uma das frases que Nelson Motta usou pra definir Tim Maia na bem-humorada entrevista concedida, no dia 27 de novembro, ao programa Pânico, da rádio Jovem Pan. Segundo Nelson, Tim fez o que quis do jeito que quis, era um cara extremamente livre, porém, pagou caro pelo preço dessa liberdade, com diversos processos judiciais. Nelson Motta esteve no irreverente programa falando de Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia, novo livro do jornalista e produtor musical. Vale Tudo foi pensado logo após a morte de Tim com a intenção de homenagear este que foi um dos maiores artistas brasileiros. Demorou quase dez anos pra sair, pois, Nelson Motta, necessitava de autorização dos familiares do cantor. Na ânsia da espera, Nelson escreveu Noites Tropicais, com diversas histórias sobre Tim e outros intérpretes nacionais.

Quem não ouviu está imperdível entrevista tem a chance de ouvir agora no linque abaixo.

Entrevista com Nelson Motta no programa Pânico

Fonte foto e áudio: PâniconaInternê

Autran interpretando poema de Casimiro de Abreu

Uma das maiores perdas de 2007 foi, inegavelmente, a morte de Paulo Autran. A seguir, vídeo em que Autran interpreta poesia de Casimiro de Abreu deixa claro o poder interpretativo do maior ator brasileiro. Apenas com sua expressão e com sua voz, Paulo Autran emociona.

Meus Oito Anos - Casimiro de Abreu por Paulo Autran

O grande Paulo Autran interpreta Meus oito anos, de Casimiro de Abreu, nos estúdios da TV Bandeirantes.


Meus oito anos (Casimiro de Abreu)

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Alceu Valença Prega a Originalidade Brasileira

ALCEU VALENÇA: 'Me lixo para o lixo'
por
Rodrigo Teixeira


Alceu Valença em 1978
O título acima é sugestão do próprio sujeito enfocado na entrevista. O entrevistado, aliás, é uma verdadeira usina de frases de efeito e idéias cheias de personalidade. É capaz de dizer muitas palavras em um curto espaço de tempo e misturar vários assuntos em uma mesma frase como os repentistas nordestinos. Um tópico, no entanto, que é freqüente em sua verdadeira explanação sobre qualquer tema é a necessidade do Brasil ser mais Brasil.

O nome da 'fera' é Alceu Valença, o artista que virou sinônimo de Nordeste e que consegue um feito para poucos: ser admirado por todas as classes e em todas as regiões do país. Neste domingo, o intrépido pernambucano vai constatar a sua popularidade em Campo Grande. Alceu foi a principal atração do projeto "MS Canta Brasil", que acontece sempre nos primeiros domingos de cada mês no Parque das Nações Indígenas, em Campo Grande. A entrada é gratuita. Oito mil pessoas compareceram ao show de Alceu!

O compositor de "Morena Tropicana", "Como Dois Animais" e "Coração Bobo" já veio algumas vezes ao Mato Grosso do Sul. Se apresentou no extinto "Temporada Populares", no "Festival de Inverno de Bonito" e "Festival América do Sul", em Corumbá.

Na entrevista por telefone de sua casa no Rio de Janeiro, citou os artistas sul-mato-grossenses Almir Sater e Tetê Espíndola como exemplos da originalidade que ele tanto prega e defende. "Está acontecendo uma total falta de originalidade no Brasil e as pessoas cada vez mais americanalizadas. O artista tem que ser incomparável", critica o pernambucano nascido em São Bento do Una em 1946.

Com dezenas de discos lançados, Alceu Valença iniciou a carreira em 1972, com um disco com o parceiro Geraldo Azevedo. Mas foi a apresentação ao vivo no "VII Festival Internacional da Canção" no Rio de Janeiro com a música "Papagaio do Futuro" com direito a presença no palco do emblemático Jackson do Pandeiro que definitivamente chamou a atenção de todos.

Muito antes do Greenpeace se tornar esta instituição tão (re)conhecida, Alceu já exercitava seu discurso irônico e inteligente bradando palavras como um 'papagaio do futuro' tipo 'eu fumo e tusso fumaça de gasolina, olha que eu fumo e tusso'. O sucesso, no entanto, chegou na década de 80, quando as rádios do Brasil inteiro não paravam de tocar hits de Alceu. Desde então, o compositor foi se tornando sinônimo de Nordeste até se transformar em uma unanimidade nacional.

Confira abaixo a entrevista com Alceu:

Rodrigo Teixeira - Você é pernambucano, mas se transformou em um artista brasileiro. Como você administra o regional e o universal em sua música?
Alceu Valença – O meu lado pernambucano está de forma intrínseca em toda a minha obra. Eu utilizo do rock o timbre e a distorção da guitarra, a sonoridade. Mas fazer arte é ser diferente, ser você mesmo. Por isso não tenho a menor vontade de ser Rolling Stones ou Elvis Presley. O artista não precisa ser igual a ninguém. Eu sou incomparável e faço as coisas da minha maneira. Atualmente paradigmas terríveis estão sendo criados. Todos estão pegando os trejeitos dos Estados Unidos. Acompanho este processo desde 1985 quando viajei para Portugal. E nesta onda entra o Brasil e a maioria dos países do mundo. Os cantores mudam a maneira de cantar em qualquer canto do planeta para parecer norte-americano.

Mas a sua obra tem também a influencia da música norte-americana.
Sim. Mas de forma diluída. O problema é imitar. Vejo os clipes de rap, por exemplo, e é uma imitação. Aponto o Marcelo D2 e o Gabriel Pensador como artistas que fazem um rap e funk diferentes. O resto é igual ao norte-americano, com boné, roupa, tênis e voz igualzinho ao pessoal dos Estados Unidos. É uma cópia deslavada.

E como você consegue se diferenciar e chegar a uma fórmula de música original ou mais brasileira?
Eu faço do meu jeito. Não sou contra o blues e o rock, sou até a favor. Mas gostaria de ver os artistas sendo mais originais, cada um com seu próprio jeito. Eu posso cantar uma música bem tradicional do Nordeste e colocar a influencia do blues. Mas desde que seja do seu modo.

O Nordeste parece longe demais dos países da América do Sul, apesar do Brasil ser um deles. Esta latinidade que estados como o Mato Grosso do Sul possuem por ser mais próximo das fronteiras deveria ser mais usado na música brasileira?
Com certeza e acho até que os sertanejos já utilizam isso bem e 'abrasileiram' a música latina. Mas não acho que deve ser algo obrigatório só pelo fato de ser perto da fronteira. Tem que modificar a influencia de forma natural e não política. Porque mesmo estados mais próximos da fronteira, como a Argentina, são mais influenciados pela cultura dos Estados Unidos por uma questão política, econômica e de colonização. Esta é uma responsabilidade que os órgãos competentes deveriam tratar com seriedade. Porque estão destruindo a música brasileira. Rock é bom, mas tem o apoio do governo norte-americano e de Hollywood. Não é possível só fazer cópia e imitação. Temos que combater a indústria como negócio e os empresários que lançam modas que não ajudam a verdadeira cultura brasileira.

Como assim?
Existem donos de bandas no Nordeste que estão destruindo o forró. Em Pernambuco, depois que veio a geração de Chico César e Zeca Baleiro, não apareceu mais nada. E mesmo estes dois não foram bem divulgados. Então o que acontece é que os artistas acabam indo para a Europa porque não tem mais lugar aqui no próprio Brasil. Os culpados são os donos de bandas que imprimem a marca forró em conjuntos que são contratados deles.

Mas isso acontece com outros gêneros também. O frevo, por exemplo, não é sufocado pelo axé music?
O frevo é algo mais de Pernambuco e que tem destaque mais nas semanas de Carnaval. O axé tem todo direito de sê-lo porque ainda é brasileiro, embora se possa gostar ou não. E na época que o axé estourou realmente muitas pessoas foram beneficiadas. É diferente destas bandas de forró que caem na moda. Porque fazem um forró que não é forró. São estas bandas que misturam um nome com outro, como 'alhos com bugalhos' entende?

Sim. Você acredita que estas bandas não seguem a tradição de Gonzagão, por exemplo? Com certeza não.

Quais os artistas que você citaria como bons exemplos de novos talentos do Nordeste?
O Silvério Pessoa, por exemplo, é sensacional e acaba indo tocar mais na Europa. O Mestre Ambrósio que é maravilhoso é uma banda que não aconteceu.

Qual a sua opinião sobre o manguebeat?
Um grande movimento, mas que ainda não existia quando o Chico Science morreu. Na época que eles vieram ao Rio pela primeira fui aos shows. E não foi aquele pipoco todo que tinha que ser. Hoje comparam a banda Calypso com a Nação Zumbi, que é muito melhor e uma das maiores bandas de rock do Brasil. Mas no nosso país o que é bom tem que ser imitação.

Quais os artistas que são originais na sua opinião?
Vamos ver artistas originais e com sentimento. O próprio Almir (Sater) é genial. Gosto muito da menina Tetê (Espíndola). Ela é clássica. Não posso deixar de citar o Luiz Melodia. Outros artistas de personalidade são os conterrâneos Geraldo Azevedo, Chico César e Zeca Baleiro. O que eu não suporto é lixo cultural. Aliás, pode colocar como título da entrevista 'Me Lixo para o Lixo'.

Como analisa a questão de hoje em dia as gravadoras não terem mais tanta força como no passado?
A partir dos anos 90 eu fui me tornando independente. Porque percebi que estava começando a ter que sentar com pessoas que dirigiam as gravadoras, mas não entendiam nada de música e sim de vender sabonete e carro. E eles então não tinham assunto comigo. Porque até então eu conversava com diretores do gabarito de um Mazzola e de um Guto Graça Mello, que são pessoas a favor da boa música. Então decidi começar a rodar o Brasil e desde então tive que parar de fazer o circuito da Europa que fiz muito até os anos 80. Só voltei este ano. Fui trabalhar o público do Brasil para não ter interferência e ser engolido por eles.

Você é conhecido por falar o que pensa. Estamos em um período de que no Brasil?
Eu mantenho o mesmo discurso que tinha desde os anos 70. O Brasil não cuida do Brasil. As coisas brasileiras precisam pedir licença em seu próprio país. A Lapa, no Rio de Janeiro, é tipo o último reduto do choro. Mas agora as grandes empresas estão invadindo e montando casas de espetáculos. E aí a alma vai se perdendo. Por que não existem mais festivais de música brasileira? Porque o povo não gosta do Brasil? É mentira. Em agosto de 2006, por exemplo, eu reuni no meu show 'Marco Zero' aproximadamente 140 mil pessoas em Pernambuco. Era uma homenagem aos 100 anos do frevo e pedi para todo mundo ir fantasiado. Muitos disseram para mim que ninguém iria. Acabou que até gente vestido de Che Guevara apareceu. Ou seja. Ficam querendo vender que a moda é ser 'emo', ser triste. Eu acho que deveriam aproveitar e se suicidarem todos. Porque no Brasil tem que ser o contrário. Ter alegria e cumplicidade. Isto sim é a música brasileira. Uma coisa de namoro, sensualidade e não violência. Quando o Che apareceu como o grande rebelde do mundo os Estados Unidos inventaram a rebeldia do rock, mas uma rebeldia sem causa, ao contrário do Che. Por isso eu acho ridículo quem quebra uma guitarra elétrica. Em vez disso seria melhor que o cara fosse namorar, catar uma mulher...

Em 'Papagaio do Futuro', ainda na década de 70, você dizia na letra 'eu fumo e tusso fumaça de gasolina', já fazendo uma crítica em relação ao mau trato do meio ambiente. O que você pensa disso hoje em dia?
O discurso político em torno do meio ambiente ainda é necessário. Esta música 'Papagaio do Futuro' foi criada por causa da crise no petróleo na época. Eu nasci no interior e o disco 'Espelho Cristalino', em 1977, foi inspirado nos rios que não corriam mais por causa da seca. Me preocupo muito com isto ainda. E acho que os estados do Brasil Centrais, como o MS, têm que se preocupar mais ainda. Porque na verdade esconderam por muito tempo os problemas relacionados ao meio ambiente. Os EUA não assinarem Protocolo de Kioto, por exemplo, e isso foi destinar a humanidade ao suicídio. Para nós que já estamos rodados ainda tudo, mas temos filhos que estarão lá na frente. Então é o que eu falo. Não somos nada sem conhecer o passado, viver o presente de forma honesta e projetar o futuro. E eu sou o Papagaio do Futuro.

O país avançou em termos de política cultural?
Os pontos de cultura criados pelo MinC são pontos a favor. Este projeto favorece realmente os mais carentes, mas a barreira ainda está na mídia, na imprensa. Nós temos que aprofundar a discussão e a divulgação da cultura brasileira tem que ser em escala bem maior. Eu não sou do PT e de nenhum partido, embora tenha votado no Lula, e acho que o assistencialismo é emergencial, porque estamos ficando 'americanalizados'. Nós temos que mostrar a cultura brasileira. Valorizar. Porque hoje em dia no Brasil o cara de 50 anos que perde um emprego não trabalha nunca mais. O cara vai deitar para morrer? Não dá. Ser Humano é igual a educação e sabedoria para mim. Eu digo tudo isso não por mim, porque para mim está cada vez melhor. Faço muitos shows e meu negócio anda bem. O problema é que hoje no Brasil não tem mais espaço para artistas novos. Um artista de talento se destacar hoje no país não é mais apenas difícil e sim quase impossível.

*Matéria publicada no jornal 'O Estado de MS' em 01/12/2007

Fonte: Overmundo

O Traço da Bossa

JOÃO CRIOU A BATIDA; CESAR, O VISUAL

por Rafael Capanema
Cesar Villela com as capas que fez para a Elenco
O primeiro emprego do carioca Cesar Villela foi na loja de departamentos Mesbla. Consistia em dar baixa no estoque, preenchendo fichas de papel com a quantidade de parafusos, porcas e outros materiais vendidos. Um dia, entediado, ele começou a desenhar na parte de trás das fichas. Quando descobriu o passatempo do funcionário, o chefe ficou furioso. Mas, em vez de demiti-lo, ligou para o departamento de propaganda, para onde o garoto foi transferido. Villela trabalhou depois na agência de publicidade Standard e no jornal O Globo.

Por intermédio de João Donato, amigo de escola, conheceu em 1957 André Midani, assistente de Aloysio de Oliveira, diretor artístico da gravadora Odeon. Foi contratado para criar as capas dos discos. Cesar levou com ele o fotógrafo Francisco Pereira, colega da agência Standard, formando uma dupla que criou quase mil capas. Como o processo era artesanal e longo, Villela começava a trabalhar com bastante antecedência, às vezes até antes da definição do repertório. Observando os LPs nas vitrines das lojas, Villela notava que as capas "inclusive as dele" eram muito confusas. Pensando em formas de fazer com que os discos da Odeon se destacassem, começou a torná-las mais simples.

Aloysio saiu da Odeon e fundou em 1962 a lendária gravadora Elenco. Cesar e Francisco foram junto. A Elenco lançou discos fundamentais de artistas da bossa-nova como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Nara Leão e Maysa. As capas que Villela criou para a gravadora 'simples, sofisticadas e de alto impacto visual são um capítulo fundamental da história das artes gráficas brasileiras.

Em 1959, Cesar fez uma inovadora capa "interativa" para o violonista Bola Sete. Tratava-se apenas de uma bola preta impressa, e mais seis bolinhas nas cores das de sinuca, soltas no plástico da capa.

Depois de quase 50 anos, o artista gráfico revela: a capa antológica do LP Oh! Norma (1959), de Norma Benguell, não é criação sua. Francisco Pereira fizera a foto da capa a pedido de André Midani, sem o consentimento de Cesar. Até a idéia das letras sinuosas da interjeição 'Oh!" era de Midani. Contrariado, Cesar simplesmente "executou' a capa concebida pelos colegas.

O único artista que reclamou de seu trabalho foi João Gilberto. Descontente com a ousada capa solarizada que Villela criou para O Amor, o Sorriso e a Flor, de 1960, o baiano telefonou para o designer às 11 da noite. Só desligou duas horas depois, após explicar a diferença entre "tristeza" e "tristezinha", em um monólogo surreal que, até hoje, Cesar confessa não ter compreendido.

Aos 77 anos, ele tem se dedicado à pintura de telas e à preparação de um livro sobre seu trabalho na Odeon. Em 2004, para a capa do CD que celebra os 40 anos de carreira do Quarteto em Cy, encontrou uma solução gráfica genial: um símbolo de quatro retas que representa, ao mesmo tempo, o número 4 e a sílaba "Cy". Orgulhoso, arremata: "Depois dessa, não tenho mais nada para fazer no design".
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sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Um Jornalista, um Policial e um Inferninho

Queima-de-arquivo
por Rodrigo Novaes de Almeida

Foi no aniversário de um deles que os dois personagens desta história se conheceram. Tinham, ambos, por volta dos trinta e cinco anos. Um jornalista, outro policial. Tornaram-se amigos. O jornalista, e aniversariante, precisava de alguém na polícia para resolver uma questão delicada que poderia, se saísse do seu controle, vir a causar muito barulho nos jornais. Não era oportuno sensacionalismo, e ele sabia disso. O policial entendeu o recado e percebeu que aquela nova amizade poderia render bons frutos adiante. O leitor precisa ser informado, antes de prosseguirmos, de que a tal questão delicada não será esclarecida no decorrer desta história. Não era nossa intenção colocar doce na boca de criança só para tirá-lo depois. Nem daríamos o doce, mas precisávamos de um elemento que servisse – como argamassa – para justificar a rápida aproximação dos nossos protagonistas. Em verdade, a questão não esclarecida não importará para além disso aqui. Amigos, portanto, o jornalista e o policial. A festa era em um daqueles bares que também são palcos de bandas com espaço para dançar. Muita bebida, mulheres, papo. Tudo bem comportado. Comportado demais, pelo menos para o policial. Decidiu que deveriam sair dali para algo melhor. Insistiu com o aniversariante. Cooptou mais dois entusiastas. Estes foram de moto. Para o jornalista e o amigo, tratamento especial. Um carro de patrulha da polícia é chamado para levá-los até um dos mais caros inferninhos da cidade. Desceram do carro na porta do estabelecimento. Todos os olhos voltados para eles. Portas abertas. Mesa sem reservas. Bebida por conta. E, claro, bailarinas nuas a disposição. Um dos entusiastas logo arrumou uma loira para colocar no colo. É sempre o clichê da loira, há de pensar o leitor, mas fazer o que, foi escolha dele. Nada obstante, o jornalista, a esta altura mais exigente que de costume e beirando o excêntrico, revela querer uma mulher negra, porque – diz – nunca comi uma negra, e meu avô dizia que foi com uma a melhor trepada da sua vida, a boceta mais quente que ele fodeu. Outro clichê, de fato, mas lembre-se que os caras já estavam encharcados no álcool, sendo tratados como Donos do Inferno, na maior putaria. Suas escolhas não poderiam ser outra senão clichês. Inclusive o fecho desta nossa história. Se o leitor já imagina que a noite para os nossos heróis não acabará bem, acertou. Um pé-de-chinelo do tráfico de uma favela próxima identificou o policial e escolheu aquela hora para resolver uma questão antiga, uma outra questão não esclarecida e que não importa e que servirá aqui apenas como argamassa, agora para justificar o fim desta história. Sairá amanhã nos jornais: quatro mortos em famosa casa de prostituição da cidade. Um jornalista e três policiais. Suspeita-se envolvimento das vítimas com o crime organizado.


Rodrigo Novaes de Almeida (Rio de Janeiro-RJ, 1976). Além de escritor e poeta, é artista plástico. Autor do livro-blogue Vórtice Famigerado (http://vorticefamigerado.blogspot.com). E-mail: digonovaes@yahoo.com.br

Fonte: Cronópios

Cultura Periférica

No meio de uma gente tão modesta

Milhares de pessoas reúnem-se todas as semanas nas quebradas, em torno das rodas de samba. Filho da dor, mas pai do prazer, o ritmo é o manto simbólico que anima as comunidades a valorizar o que são, multiplica pertencimentos e sugere ser livre como uma pipa nos céus da perifa

por Eleilson Leite

O Dia Nacional do Samba é comemorado em 2 de dezembro. Por ocasião da data festiva, o gênero ganha muito espaço na imprensa e nas discussões informais. Um tema bastante tratado é o da necessidade da volta à tradição, como se ela tivesse sido esquecida.

Desde a década de 1990, fala-se no “resgate” do chamado samba de raiz. Há uma percepção de que o samba autêntico teria perdido espaço para o pagode comercial, produto midiático que tomou conta da TV e do rádio já na década de 80 e que ainda mantém sua hegemonia, contando inclusive com grupos de jovens brancos de classe média como o Inimigos da HP [1]. Teria o samba se desvirtuado? Haveria razão para “voltar” às raízes?

Talvez não seja o caso de confrontar uma coisa com a outra. Esse pagode meloso que toma conta das rádios é um sub-produto do samba, feito para o consumo de massa, e tem prazo de validade reduzido. Já o samba de terreiro, surgido nas senzalas como samba de roda, jongo, batuque, umbigada e outras expressões, é perene, corre no leito caudaloso da tradição. E a tradição é amiga do tempo: quanto mais velho, mais forte. Esse samba não precisa ser “resgatado”. Ninguém o seqüestrou. Você quer conhecê-lo? Esqueça a mídia. E não precisa ir ao Recôncavo Baiano ou a um charmoso botequim da Lapa, no Rio de Janeiro. Vá a Pirapora do Bom Jesus, município da Região Metropolitana de São Paulo, a 50 quilômetros da Capital, reduto do samba de roda paulista, o samba rural pontuado pela zabumba e o ganzá. O samba da senzala. Pirapora foi imortalizada pelo saudoso Geraldo Filme:

“Eu era menino
Mamãe disse Vamo embora
Você vai ser batizado
No samba de Pirapora.”

Uma identidade muito mais poderosa que as "chamadas" do rádio e da TV

Essa tradição também é cultuada por vários grupos da periferia de São Paulo. Grupos de jovens inclusive, como o Umoja e Panelafro, na Zona Sul. Mas é nas inúmeras rodas de samba existentes no subúrbio paulista que encontramos a vitalidade do samba e seu enorme potencial de mobilização. Somente as 13 rodas de samba catalogadas na Agenda Cultura da Periferia atraem, juntas, cerca de 20 mil pessoas, em suas apresentações. O Samba da Vela, a mais conhecida delas, reúne 250 pessoas toda segunda-feira. O Pagode do Cafofo, da região do Aricanduva (Zona Leste) juntou 3 mil, na apresentação de aniversário realizada em novembro. O Samba da Laje bloqueou, também no seu aniversário, uma avenida na Vila Santa Catarina, onde 5 mil pessoas aglomeraram-se em julho. Atualmente, o Berço do Samba, de São Mateus, tem levado multidões aos shows de lançamento de seu CD, como ocorreu no último dia 15 de novembro, no Sesc Interlagos. E essas quatro rodas de samba, mais o Projeto Nosso Samba, de Osasco e o Samba de Roda, de Pirapora, reuniram-se sábado, 1º de dezembro, na Praça Roosevelt no centro de São Paulo para celebrar antecipadamente o Dia Nacional do Samba, num evento que reuniu cerca de 5 mil pessoas.

Essa gente toda, que se encontra em torno das rodas de samba, comunga entre si um apego à tradição. Sentem-se identificada nessa irmandade. Não está ali por causa de anúncios em rádio e TV. Comparece porque é da comunidade. E este é um traço fundamental para se entender a força das rodas de samba. Os grupos são formados ali, na quebrada, e por meio da música, fortalecem a comunidade da qual são oriundos. As rodas de samba, mais do que qualquer outra manifestação cultural, fortalecem um tecido social comunitário. Isso é muito importante para afirmação das populações que habitam as áreas periféricas das metrópoles. E a comunidade, diferente do movimento social de tipo reivindicatório, afirma-se pelo que tem — não pelo que não tem. Isso lhe confere um sentido de pertencimento que resulta na tradição, na continuidade. E o samba tece o manto simbólico dessas comunidades.

Por isso, meu caro leitor, vá às comunidades. Verás que o samba autêntico não precisa ser “resgatado”. Ele está livre e solto como uma pipa nos céus da periferia.

Mais

Eleilson Leite é colunista do Caderno Brasil de Le Monde Diplomatique. Edições anteriores da coluna:

A dor e a delícia de ser negro
Dia da Consciência Negra desencadeia, em São Paulo, semana completa de manifestações artísticas. Nosso roteiro destaca parte da programação, que se repete em muitas outras cidades e volta a realçar emergência, diversidade e brilho da cultura periférica

Onde mora a poesia
Invariavelmente realizados em botecos, os saraus da periferia são despojados de requintes. Mas são muito rigorosos quanto aos rituais de pertencimento e ao acolhimento. Enganam-se aqueles que vêem esses encontros como algo furtivo e desprovido de rigores

O biscoito fino das quebradas
Semana de Arte Moderna da Periferia começa dia 4/11, em São Paulo. Programa desmente estereótipos que reduzem favela a violência, e revela produção cultural refinada, não-panfletária, capaz questionar a injustiça com a arma aguda da criação

A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza
Vem aí Semana de Arte Moderna da Periferia. Iniciativa recupera radicalidade de 1922 e da Tropicália, mas afirma, além disso, Brasil que já não se espelha nas elites, nem aceita ser subalterno a elas. Diplô abre coluna quinzenal sobre cultura periférica


[1] O nome é referência a uma calculadora muito utilizada por engenheiros, fabricada pela mesma empresa (Hewlett Packard) que produz impressoras

Fonte: LeMondeDiplomatique

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150 Reais Salvariam Banda Centenária

Esquecidos no tempo
A sobrevivência de uma banda de 126 anos custa 150 reais

por Luiz Filho

O relógio na parede ao fundo do maestro Nestor Avelino Pinheiro marca sete horas da noite, ele parecia impaciente com seu andar sem direção. Já é hora dos músicos chegarem para começar o ensaio. Enquanto não chegam, seu Luiz, como é conhecido na roda de amigos, uma espécie de "faz tudo" dentro da banda, arruma as partituras, ajeita as velhas cadeiras de plástico, passa pela porta e resmunga: “É sempre assim. Já chamei a polícia, mas não adianta”. Ele se refere ao barulho do bar em frente, onde as pessoas festejam o happy hour com cerveja e músicas de karaokê. Alguns deles, fora do estabelecimento, abrem o porta-malas de um automóvel Gol para ampliar o som da banda Calcinha Preta, que vinha de estridentes alto-falantes. Apesar do ambiente de fim de noite, a polícia chega e acaba com a festa – ameaça multar o proprietário do carro.

Do lado oposto ao bar, lê-se na placa de ferro acima da janela: “Corporação Musical Operária da Lapa – Desde 07 de setembro de 1914”. Localizada há muitos anos na pequena casa doada por Nicola Festa, empresário da região, hoje nome de uma pequena praça. A banda, no entando, além de antiga tem muitas histórias.

O passado
Começou como Lira da Lapa em 1881, pelas mãos do maestro Luigi Chiafarelli, um italiano que veio ao Brasil a pedido da aristocracia paulistana para dar aulas de piano a jovens ricas.Em 1889, mudaram o nome para Banda 15 de Novembro. A banda mudava de nome na base do agrado, de acordo com a autoridade vigente na época. Já 1908 o maestro Chiafarelli deu lugar a Paulo Chianato e o nome ficou Banda dos Funcionários da SPR (São Paulo Railway). Os músicos eram funcionários da empresa que construiu a linha de trem Santos-Jundiaí.

Sem a ajuda da São Paulo Railway e passando dificuldades, os músicos ensaiam na casa de Antonio Machado, outro que dá nome à rua da Corporação. Em 1914 a mudança definitiva. Nicola Festa, o da praça, doou terreno e casa para a Corporação. O comando da banda vai para o maestro Vicente Santoro, primeiro sargento da Força Pública do Estado de São Paulo. Era o começo dos anos dourados da Corporação. Os inúmeros pedidos para apresentações fez com que Santoro nomea-se Vitor Barbieri contra-mestre. Tocaram na Record, na Tupi, e no programa do Moacir Franco.

O presente
As horas passam e são sete os músicos presentes. Omaestro resolve começar o ensaio mesmo assim. O horário um tanto ingrato para uma caótica sexta-feira paulistana. No bairro da Lapa, zona oeste da cidade de São Paulo, não podia ser diferente. O maestro Nestor e seus engomadoscabelos brancos, a saliente barriga e o rosto enorme e vermelho lembram, para os mais antigos, o falecido presidente russo Boris Yeltsin. Ele dá as ordens e a música começa – três toques com a batuta num apoio de partituras. “Pára, pára, pára, j á disse que não é pã, pã, pããã, é pãpãpã”, diz enérgico. Um músico chega atrasado e lentamente se ajeita. É Arnaldo, 73 anos que chama a atenção pelo tamanho do instrumento – a Tuba. Ajeitado na cadeira assopra algumas vezes e percebe que um dos três pistões que dão sonoridade ao instrumento está emperrado. A solução é usar a própria saliva para lubrificar o pistão emperrado.

A Corporação está corroída pelo tempo. Os quadros com fotos históricas, as roupas para apresentação guardadas num guarda-roupa improvisado, fechado apenas por uma cortina e oforro do teto quebrado em dois lugares. O pequeno banheiro e uma salinha com uma mesa e flores de plástico compõe o ambiente. Na porta de entrada a triste constatação. O quadro negro revela os gastos mensais da banda: faltam 46 reais reais para sanar as contas.

Os músicos não recebem para tocar e ensaiar. “Os gastos com a Corporação é de 150 reais por mês”, diz o maestro. Novamente três toques com a batuta e mais música, um pout pourri de sertanejas. Antigamente a Corporação tocava somente marchas e dobrados, hoje tenta alegrar os diversos ouvidos sem perder a característica de uma banda de sopros. Para arcar com as despesas, a Corporação gravou um CD em 2005 – vendido por 8 reais. Das 200 cópias, 80 ficaram com o Shopping da Lapa, que patrocinou a gravação, distribuídos entre os lojistas. É apenas o segundo disco em 126 anos de história. O primeiro é de 1976, um EP com duas músicas e regência do maestro Érico Salvadori.

Sentado com os pés apoiados no sofá, João Tamburu, 83 anos, olhos marejados, recorda-se: “Viajamos muito por aí, todo final de semana, às vezes a banda se dividia para atender tantos pedidos”. Trompetista, João tem tocado pouco ultimamente. De São José do Rio Preto, João veio moço trabalhar como barbeiro na capital, profissão que sustentou dois filhos e a mulher. Lembra, saudoso, dos tempos em que Adoniran Barbosa circulava pela Lapa e tomava cerveja com os músicos.

A Corporação está minguando, como uma morte anunciada. Desde os anos 1980, a troca de maestros tornou-se constante, e João Tamburu acredita que depois do episódio em que o maestro Benedito Mariano deixou os músicos à deriva numa apresentação na Mooca tudo mudou. “Parece que a partir dali tudo foi acabando. Cheguei a ir num ensaio com apenas seis músicos. Esses dias apareci por lá e vi quase vinte”, lembrou Tamburu. São 21 músicos no total, quatro mulheres.

Aos poucos o maestro Nestor tenta mudar a história da Corporação e trazer, quem sabe, o glamour de outros tempos. As terças-feiras ensina música a um grupo de jovens, gratuitamente, espera que algum deles integre a Corporação no futuro ou dê sequência a hitória centenária. Tentou negociar com a subprefeitura da Lapa, com os comerciantes da região, e enviou uma carta para o programa de Luciano Huck – sem respostas – para conseguir a reforma do lugar. A construção antiga precisa de reforma urgente.

Nestor abre espalmadamente à mão direita e a música para: “Isso que nós fazemos aqui é amor pela arte”. Até quando?

Luiz Filho é jornalista
Fonte: CarosAmigos

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Ex-Titã vira Vampiro

Arnaldo Antunes tenta driblar regras da indústria

O artista gravou "ao vivo" no estúdio, com platéia sentada e cenário de cinema mudo
O cenário e a filmagem em preto-e-branco fazem pensar o tempo todo no expressionismo alemão. Parece que O Vampiro de Düsseldorf passará encostado na parede ao fundo a qualquer momento. Mas, no centro do palco minúsculo, um cantor de voz grave entoa interpretações contidas, sob arranjos essencialmente delicados. O contraste entre expressionismo visual e impressionismo musical repete-se em várias frentes.

O paulista Arnaldo Antunes elege o paradoxo como protagonista do primeiro DVD e CD ao vivo que cria, o que pode ser percebido desde o título, Ao Vivo no Estúdio (Biscoito Fino). O show acontece num ambiente aparentemente sombrio, tipo porão, diante de um público de cerca de 50 pessoas, todo mundo sentado no chão do minúsculo espaço que é, ao mesmo tempo, platéia e palco. Em certas cenas, flagram-se os técnicos de gravação do lado de cá do vidro, Arnaldo lá no fundo, qual vampiro paulistano ou peixe expressionista num aquário de placidez. “É como se o estúdio fosse uma caixinha de música”, sintetiza, arredio a maiores elucubrações, o músico e poeta.

Os contrastes espalham-se por entre músicos e convidados, que vão dos roqueiros ex-colegas do grupo Titãs (Nando Reis e Branco Mello) aos parceiros hippies “tribalistas” (Marisa Monte e Carlinhos Brown). No trio que o acompanha, sobressai Marcelo Janeci, que faz da sanfona quase um co-protagonista da gravação. No Brasil, o instrumento ficou identificado com o baião de Luiz Gonzaga e foi proscrito da música dita “sofisticada” pela geração bossa nova. “João Donato e Gilberto Gil começaram tocando sanfona”, ele lembra, mas admite que os foles em primeiro plano soam como uma “novidade” no contexto da banda e do trabalho.

Arnaldo oscila no paradoxo, ora fazendo da sanfona veículo de alta sofisticação (como em Luzes, do poeta paranaense Paulo Leminski, levada como num tango de Astor Piazzolla), ora usando-a para traduzir rock denso em leve quadrilha junina (em O Silêncio).

A série de contrastes consolida-se, enfim, no balé entre redundâncias e inovações ao qual o artista demorara a se entregar, desta época de transição entre música gravada em CD, música para ver em DVD e o futuro de formato ainda indefinido. Ao Vivo no Estúdio é projeto retrospectivo feito sob medida para atender às convenções do DVD, mas sai pela tangente da redundância ao inserir a sanfona como elemento de corte, ao transformar os arranjos de modo marcante, ao adotar o paradoxo de ser gravado “ao vivo” “no estúdio” (em geral, os dois clichês são tidos como incompatíveis no jargão musical).

Pelo que diz, quase parece um trabalho inédito. Sem ser. Pelo que deixa de dizer, nem parece preocupado em ajudar na solução de impasses da indústria musical. Mas quem sabe?

Fonte: CartaCapital

Leia mais na revista CartaCapital edição 473

Ouça todas as músicas do novo disco de Arnaldo Antunes, Ao Vivo no Estúdio, aqui

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Conto: O Colecionador de Letras

O COLECIONADOR DE LETRAS
Daniela dos Santos


Alberto Góis detestava pessoas. Odiava os seus sorrisos vagos, as conversas fúteis e as palmadinhas nas costas. Não suportava sequer os cumprimentos cordiais. Bom dia, Sr. Góis. Como está?, perguntava sempre a dona Teresa da papelaria, puxando uma ponta do xaile que lhe caía do ombro. Não é da sua conta, pensava. Pedia os jornais matutinos e um maço de cigarros, enquanto a mulher lhe falava do mau tempo, do reumatismo e das proezas do neto. Pagava e saía. Até amanhã Sr. Góis, dizia a senhora antes dele bater com a porta de vidro. Que velha chata, resmungava Alberto sabendo que ela já não o poderia ouvir.

Góis morava ao fundo da rua, num edifício quase tão degradado por fora como por dentro. A porta da rua estava partida e alguns cães vadios aproveitavam o vão da escada para se abrigarem quando chovia. Mas os animais faziam demasiado barulho e Alberto não conseguia concentrar-se na leitura. Uma vez, sem ninguém ver, deixou-lhes um prato com comida e veneno.

Resultou. Os cães nunca mais o importunaram.

O apartamento de Alberto era pequeno e escuro. Embora as janelas dessem para uma rua, esta era pouco iluminada pelo sol e à noite a luz dos candeeiros era fraca. Pousou os jornais no sofá verde escuro, acendeu um cigarro e foi à cozinha preparar café. Passaram alguns minutos até se sentir o aroma a café preto pela casa.

Na sala, as paredes exibiam prateleiras atulhadas de livros.

Havia-os por todo o lado. Escondidos nas gavetas, em caixotes e aos montes no chão. Centenas de livros de todos os tamanhos, sobre todos os temas, com capas de todas as cores. Desde encadernações de luxo a folhetins de cordel. Em alguns, o pó já não deixava distinguir o título da ilustração da capa.

Alberto Góis tinha 37 anos e passara toda a sua vida a ler, sempre com mais fervor e dedicação, reduzindo ao indispensável o contacto com as pessoas. As idas à rua, as compras, os transportes públicos, eram sacrifícios que fazia para satisfazer as necessidades básicas. Quando acabou o liceu, decidiu dedicar-se a tempo inteiro à leitura. Arranjou um emprego como guarda nocturno numa fábrica e fazia as rondas de hora a hora. Isso permitiu-lhe passar quase todo o tempo a ler.

Góis raramente dormia e quando sonhava lia livros ainda por escrever. O seu ar sombrio escondia um homem culto, com conhecimentos aprofundados em todas as matérias. Sentia-se o mais sábio de todos e o desprezo pela multidão aumentou.

Bebeu o café e leu os jornais da manhã, sublinhando palavras e desenhando setas nas páginas. Quando terminou de ler o último artigo, pegou na tesoura e recortou todas as letras das palavras que havia sublinhado. Recortou-as calmamente, uma a uma, com o mesmo cuidado de um ourives que trata as suas jóias.

Pegou nas letras e subiu para cima da mesa mas, sem querer, tombou uma pilha de livros no chão. Alguns abriram-se, deixando a descoberto páginas esburacadas, em branco, com a ausência de letras. Alberto Góis só deixava intactas as capas e, no tecto da sala, colava milhões de letras, de todos os estilos e línguas. Essas letras, assim sobrepostas caoticamente, formavam uma espécie de cúpula celeste que o protegia da sua imensa solidão.


Fonte: O Caixote

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Marcelo Camelo Apresenta Nova Música

A nova música de Marcelo Camelo chama-se Téo e a Gaivota. Este tema instrumental, disponível em vídeo na página de Camelo no MySpace, é o primeiro lançado oficialmente após o anúncio de recesso por tempo indeterminado da banda Los Hermanos.

Téo e a Gaivota - Marcelo Camelo

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Documentário Acompanha Manifestações dos Quilombolas

Documentário interativo retrata a luta dos quilombolas

Agência Brasil


Brasília - O documentário interativo Nação Palmares surgiu a partir de reportagem sobre Linharinho, comunidade quilombola no extremo norte do estado do Espírito Santo. Tenta mostrar a luta dos descendentes dos negros que fugiam da escravidão e se organizaram pelo reconhecimento das terras onde vivem e de seus direitos sociais.

A titulação das terras da comunidade capixaba pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), atualmente em curso, enfrenta contestações de agricultores e da empresa Aracruz Celulose, num debate que envolve, além da população local, políticos regionais e especialistas como historiadores e antropólogos. No especial, o caso é apresentado como um exemplo dos conflitos que o debate mais amplo sobre os quilombos no país tem envolvido.

A reportagem que resultou no especial foi coordenada pelo jornalista Spensy Pimentel, ex-editor de especiais da Agência Brasil. Além de acompanhar manifestações dos quilombolas em Brasília e o debate sobre a legislação que regula as titulações das terras dessas comunidades, ele viajou ao Espírito Santo, onde, junto com o cinegrafista Robson Moura e o fotógrafo Valter Campanato, conheceu Linharinho de perto.

A coordenação-geral multimídia foi do ex-editor executivo dessa área na Agência Brasil André Deak. A realização contou com a participação de diversos profissionais de comunicação. É possível conferir os nomes dos participantes clicando no botão "equipe" do especial.

Em relação ao formato, o documentário é uma evolução do conceito de hipervídeo que já fora utilizado antes pela Agência, com a reportagem Consumo consciente. Organizamos vídeos, textos e fotos que, em conjunto, contam uma história. Ícones surgirão durante a apresentação dos vídeos. Ao clicar neles, outros vídeos e textos aparecerão. Caso queira acessar um conteúdo específico, pode-se acionar os vídeos e textos sob demanda.


Assista ao documentário Nação Palmares aqui

Pixinguinha, Santo

O santo Pixinguinha
por Fredi Vasconcelos

Silêncio... Para ouvir Rosa, Ingênuo, Carinhoso. Todas que um dia ele fez sem palavras para não dar confusão. Cada um que escrevesse sua própria letra. Tanto que os versos, “Meu Coração, Não sei por que, Bate Feliz, quando te vê”, só aconteceram pelo gênio de João de Barro (Braguinha) dezenove anos depois de composta pelo santo Alfredo da Rocha Viana, Pixinguinha.

O próprio autor deixou a música na gaveta por mais de dez anos. "Eu fiz o Carinhoso em 1917. Naquele tempo o pessoal nosso da música não admitia choro assim de duas partes (choro tinha que ter três partes). Então, eu fiz o Carinhoso e encostei. Tocar o Carinhoso naquele meio! Eu não tocava... ninguém ia aceitar". (Para saber mais
clique aqui).

Mas o Santo, forma como Vinicius de Moraes e outros amigos referiam-se a Pixinguinha, tinha essa fama merecida por dois aspectos. Pela genialidade, que criou um jeito brasileiro de fazer arranjo, e pela bondade. Segundo
história relatada em sua página eletrônica oficial (arquivo PDF), “em 1971, Hermínio Belo de Carvalho produziu um disco intitulado Som Pixinguinha, com orquestra e solos de Altamiro Carrilho na flauta. Em 1971, sua mulher, dona Beti, passou mal e foi internada num hospital. Dias depois, foi ele acometido de mais um problema cardíaco, foi também internado no mesmo hospital, mas, para que ela não percebesse que também estava doente, colocava um terno nos dias de visita e ia visitá-la como se estivesse vindo de casa.”

Outra história, contada a mim por Altamiro, foi que um dos grandes problemas de Pixinguinha era que fazia shows e não recebia. Ia viajar para o exterior com seus conjuntos e o empresário sumia com a grana. Em lugar de posar de vítima, fazer escândalo, Pixinguinha compôs uma das mais belas harmonias que já ouvi, o choro
Ingênuo, em parceria com Benedito Lacerda, que ganhou letra posterior de Paulo César Pinheiro falando de amor, nada a ver com o motivo original relatado por Altamiro.

Eu fui ingênuo quando acreditei no amor
Mas, pelo menos jamais me entreguei à dor...
Chorei o meu choro primeiro
Eu chorei por inteiro pra não mais chorar
E o meu coração permaneceu sereno
Expulsando o veneno pelo meu olhar...


Ouça aqui a versão instrumental.

Dessas excursões, duas são famosas, de 1922. Uma para Paris, a convite do milionário Arnaldo Guinle. Pixinguinha embarcou com os Oito Batutas, um da dezena de grupos formados pelo maestro. A curiosidade é que os Oito nessa excursão eram 7, porque o baterista J. Thomaz ficou doente pouco antes da viagem. Dos que faziam parte desse conjunto antológico, embarcaram para a França, além da flauta de Pixinga, o violão de Donga (dos maiores que o país já ouviu) e a voz de China (irmão de Pixinguinha que também tocava violão). Prevista para um mês, a temporada prolonga-se de fevereiro a julho de 1922.

De volta ao Brasil para as comemorações do centenário da Independência, logo arrumariam as malas novamente para uma excursão à Argentina, em que os Batutas fariam na RCA Victor local suas primeiras e únicas gravações com a formação original.

Ouça aqui duas dessas gravações Urubu e Ya te Digo, recuperadas dos discos originais pela gravadora Revivendo no CD Pixinguinha no Tempo dos Oito Batutas.

Para completar, dois destaques. Pixinguinha é gênio em qualquer língua, em qualquer raça, mas destaque-se o papel do negro no país do começo dos anos 1900, que foi o primeiro arranjador contratado por uma gravadora internacional no país, a RCA Victor. Pixinguinha faz parte também da turma que também freqüentava a cada de Tia Ciata, no Rio, onde negros migrados da Bahia inventaram o samba.

Mesmo sem toda essa história, nos seus 76 anos de sua vida, compôs uma das mais belas músicas que já se ouviram por esse planeta. Quem passou pelas canções anteriores e não se convenceu, ouça 1 a 0, composta em homenagem a Friendereich, o Pelé antes de Pelé, depois de uma vitória sobre o Uruguai, ou Rosa, sua primeira composição gravada em disco. ainda em 1919. Depois, acreditando ou não em Deus, faça uma prece para o santo, o santo Pixinguinha.

Fonte: RevistaFórum

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Permanência de Gilberto Gil é reivindicada por Artistas Negros

Artistas negros iniciam movimento "Fica, Gil"
por Vermelho
[Quinta-Feira, 29 de Novembro de 2007 às 20:24hs]

"É pena que ele está ameaçando deixar o ministério. Quer só cantar. Isso é muito bonito, mas o mais difícil é o desafio de mudar o que está aí. Fica, ministro!", pediu em seu discurso o escritor, dramaturgo e professor Abdias do Nascimento, de 90 anos. Então, a platéia toda, cerca de 150 artistas, intelectuais e militantes de movimentos negros, iniciou em coro o segundo ato do movimento ''Fica, Gil!'', pedindo em coro a permanência do ministro da Cultura em seu posto.

Gilberto Gil - que assistia na platéia à cerimônia de abertura da 4ª Mostra Internacional do Cinema Negro, na Cinemateca Brasileira, segunda-feira à noite - apenas ouvia, sorria e semicerrava os olhos. "Claro que sou sensível (ao apelo). Mas a intenção é deixar o ministério até o fim do ano que vem. A decisão pode mudar, mas minha intenção é deixar", afirmou o ministro.

Artistas como Tony Tornado, Neuza Borges, Zezé Motta, Maria Alcina, e intelectuais da USP, como o antropólogo João Batista Borges Pereira e professor doutor Celso Prudente: a nata da militância pela conscientização racial compareceu, além de autoridades, como Silvio Da-Rin, secretário do Audiovisual.

Momentaneamente, Gil deixou de ser o dono do palco para misturar-se à platéia, de onde assistiu durante quase três horas a pocket shows, discursos e até enfrentou um início de saia-justa, com o cantor Moacyr Franco. Franco apresentaria um set com algumas de suas músicas. Quando subiu ao palco, disse: "Pena que o ministro já foi embora...".

Mas Gil estava bem ali na primeira fila. "Eu não tinha visto, ministro. Eu, que Deus me perdoe, já fui deputado federal. Político vem, fala e vai embora. Você também já cometeu seus pecadinhos políticos", disse a Gil, que o contestou. Mas, sem microfone, teve de ouvir Moacyr Franco (que, nos anos 1980, foi deputado federal pelo PTB) fazer o seu número meio provocador.


Fonte: Vermelho

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Notas da CartaCapital

Sambista Perfeito

O carioca Arlindo Cruz apresenta-se renovado e revigorado no disco Sambista Perfeito (Deckdisc), o primeiro que lança depois da recente adoção de seu repertório muitas vezes leve e displicente pela cantora Maria Rita. O samba tipo fundo de quintal, que ele ajudou a celebrizar a partir dos anos 80, reaparece forrado de arranjos sofisticados e de vocais esmerados. E a tendência de ampliação dos limites do samba “de raiz” intensifica-se na eleição de um rol de convidados que parte das velhas-guardas da Portela e do Império Serrano, passa pelo samba “moderno” de Zeca Pagodinho, Xande de Pilares e Grupo Revelação e testa atalhos nas musicalidades de Maria Rita (na romântica O Que É o Amor) e de Marcelo D2 (no rap-samba O Brasil É Isso Aí).

por Pedro Alexandre Sanches


A ZONA DA MATA E O FUTURO

Desde os tempos em que conduziu o grupo Mestre Ambrósio, nos anos 90, o músico e compositor recifense Siba tem plugado um amplificador na música da Zona da Mata pernambucana. Toda Vez Que Eu Dou um Passo o Mundo Sai do Lugar (do selo Ambulante Discos, distribuído pela Brazilmúsica!) leva a proposta a níveis de excelência, entre cirandas, maracatus e frevos gravados com precisão e nitidez incomuns.

Trata-se do segundo álbum de Siba à frente do grupo A Fuloresta, formado por músicos “de raiz” do município de Nazaré da Mata, como Biu Roque, Cosmo Antônio e Galego do Trombone. As composições são do artista, mas enraizadas nos saberes populares, como demonstram faixas como Bloco da Bicharada e A Velha da Capa Preta. No mais, o trunfo do CD está na conexão que Siba promove entre células musicais originais, como a de A Folha da Bananeira, composta e cantada por Biu Roque, de um lado, e o que se possa chamar de cultura popular em 2007, de outro.

Nesse último grupo, contam-se a participação da cantora Céu, a parceria com roqueiros da Nação Zumbi, a intervenção discreta do guitarrista cearense Fernando Catatau e as ilustrações ao mesmo tempo urbanas e rurais dos grafiteiros paulistanos Osgemeos, na capa e no encarte.

por Pedro Alexandre Sanches

Fonte: CartaCapital


Ouça Siba em no saite da AmbulanteDiscos e na página Música de Pernambuco