Cochichos Maranhenses
por Pedro Alexandre Sanches
Existiu ao longo do século passado o samba do Maranhão, que só se espalhou moderadamente pelo Brasil por intermédio da cantora Alcione. Hoje é outro músico maranhense, o não-sambista Zeca Baleiro, quem luta por trazer à tona um pedacinho de originalidade que o País não conheceu, e que teve expressão em nomes como Antonio Vieira e Lopes Bogéa, ícones comparáveis aos cariocas Cartola ou Nelson Cavaquinho, embora muito menos conhecidos.
Baleiro encampou o plano de resgate e lança, pelo selo próprio Saravá Discos, o álbum Balançou no Congá, com um mostruário de 15 das cerca de 300 composições de Lopes Bogéa. O autor chegou a gravar algumas faixas, mas morreu durante o processo, aos 78 anos, em 2004. O produtor completou o projeto com participações inspiradas de Beth Carvalho, Germano Mathias, Genival Lacerda e os conterrâneos Alcione, Tião Carvalho, Rita Ribeiro, César Teixeira, Josias Sobrinho, Criolina e ele mesmo. Ao mesmo tempo, relança pelo Saravá o emocionante CD O Samba É Bom, de seu Antonio Vieira (hoje, com 87 anos), que produzira em 2002.
Baleiro traz o personagem Bogéa mais para perto: “As canções dele, e mesmo seu canto, tinham um suingue incrível, algo entre a bossa amazônica de Ari Lobo e o molho nordestino de Jackson do Pandeiro. Era gaiato, irônico, abusava de malícia, mas sabia ser lírico também. Há muitas canções com sabor de ‘canções de protesto’, e isso era sincero da parte dele. Era versátil, jogava nas onze, fazia baião, carimbó, samba, marchas e serestas”.
À clave do protesto pertencem temas maranhenses pontiagudos com os quais outros brasileiros se identificariam, se os conhecessem. O arroz fica com os brancos/ pobre só come xerém, criticava em Baleiei Sim. Em Papai Noel do Rico e do Pobre constatava que o Papai Noel do rico/ traz bicicleta e lambreta/ boneca que anda, que chora/ traz jogo de bola preta e que o do pobre/ vou lhe dizer como é (...) traz um pacote de fubá/ um quilo de farinha mofada/ às vezes uma bruxa de pano/ pra dar à filhinha desamparada.
“Foi um compositor maranhense de uma geração que nunca pôde se dedicar exclusivamente à música, tampouco gravar discos. Atuou como jornalista e radialista a maior parte da vida. Era um pouco ressabiado, como quem já foi muito enganado com promessas vazias”, conta Baleiro. “É uma história da música da periferia do Brasil, de um tempo de maior isolamento que hoje.”
A poesia era simples e direta, mas repleta de simbolismos, característica que Bogéa guardava em comum com Vieira (autor de versos como oh, Deus, se eu pudesse/ abria um buraco/ metia os pés dentro/ criava raízes/ virava coqueiro/ trepava em mim mesmo, da praiana Cocada). De Bogéa ficam versos prosaicos e particulares, como os de A Gente e o Mar: gente na beira da praia/ faz despacho e mundonguices/ se banha com sal e sol/ faz também outras tolices/ se deita em colchão de areia/ se enrola com as ondas do mar/ no remanso do banzeiro/ escuta a sereia cantar. Eram a poesia e o samba maranhenses cochichando para o mundo.
Fonte: CartaCapital
Baleiro encampou o plano de resgate e lança, pelo selo próprio Saravá Discos, o álbum Balançou no Congá, com um mostruário de 15 das cerca de 300 composições de Lopes Bogéa. O autor chegou a gravar algumas faixas, mas morreu durante o processo, aos 78 anos, em 2004. O produtor completou o projeto com participações inspiradas de Beth Carvalho, Germano Mathias, Genival Lacerda e os conterrâneos Alcione, Tião Carvalho, Rita Ribeiro, César Teixeira, Josias Sobrinho, Criolina e ele mesmo. Ao mesmo tempo, relança pelo Saravá o emocionante CD O Samba É Bom, de seu Antonio Vieira (hoje, com 87 anos), que produzira em 2002.
Baleiro traz o personagem Bogéa mais para perto: “As canções dele, e mesmo seu canto, tinham um suingue incrível, algo entre a bossa amazônica de Ari Lobo e o molho nordestino de Jackson do Pandeiro. Era gaiato, irônico, abusava de malícia, mas sabia ser lírico também. Há muitas canções com sabor de ‘canções de protesto’, e isso era sincero da parte dele. Era versátil, jogava nas onze, fazia baião, carimbó, samba, marchas e serestas”.
À clave do protesto pertencem temas maranhenses pontiagudos com os quais outros brasileiros se identificariam, se os conhecessem. O arroz fica com os brancos/ pobre só come xerém, criticava em Baleiei Sim. Em Papai Noel do Rico e do Pobre constatava que o Papai Noel do rico/ traz bicicleta e lambreta/ boneca que anda, que chora/ traz jogo de bola preta e que o do pobre/ vou lhe dizer como é (...) traz um pacote de fubá/ um quilo de farinha mofada/ às vezes uma bruxa de pano/ pra dar à filhinha desamparada.
“Foi um compositor maranhense de uma geração que nunca pôde se dedicar exclusivamente à música, tampouco gravar discos. Atuou como jornalista e radialista a maior parte da vida. Era um pouco ressabiado, como quem já foi muito enganado com promessas vazias”, conta Baleiro. “É uma história da música da periferia do Brasil, de um tempo de maior isolamento que hoje.”
A poesia era simples e direta, mas repleta de simbolismos, característica que Bogéa guardava em comum com Vieira (autor de versos como oh, Deus, se eu pudesse/ abria um buraco/ metia os pés dentro/ criava raízes/ virava coqueiro/ trepava em mim mesmo, da praiana Cocada). De Bogéa ficam versos prosaicos e particulares, como os de A Gente e o Mar: gente na beira da praia/ faz despacho e mundonguices/ se banha com sal e sol/ faz também outras tolices/ se deita em colchão de areia/ se enrola com as ondas do mar/ no remanso do banzeiro/ escuta a sereia cantar. Eram a poesia e o samba maranhenses cochichando para o mundo.
Fonte: CartaCapital
Um comentário:
q chato
Postar um comentário