A revista Caros Amigos, número 135, de junho de 2008, traz na capa Ney Matogrosso. A versão online da publicação tem um pedaço do bate-papo com o intérprete. Confira abaixo alguns trechos dessa entrevista.
Trecho 1
Thiago Domenici Você tem ascendência indígena?
Tenho. Conheci meu bisavô índio de 104 anos, pai da minha avó, ele morava na fazenda do meu avô. Minha bisavó não conheci, soube que foi laçada pelo meu bisavô.
Thiago Domenici E o período da infância em Mato Grosso?
Não foi lá, não. Teve uma fase de dois ou três anos na Bahia, depois Recife, numa casa da rua do Jenipapeiro, que tinha um cheiro que nunca mais esqueci, e depois Rio de Janeiro. Saí do Rio com 13 anos e fui pro Mato Grosso.
Thiago Domenici A história de viver muito no mato foi lá?
Foi. É uma coisa minha, me embrenhava com meus 11 cachorros. Chegava do colégio e entrava no mato. Nunca tive medo. Até hoje, as pessoas acham que a natureza é uma ameaça. Sair aqui, no Leblon, acho que é mais ameaçador do que andar no meio do mato sozinho. Comecei a observar que existia um fluxo, uma coisa que não se repetia, ia acontecendo, via entrar a primavera, as flores abrir, os passarinhos procriar, aí comecei a entender.
Thiago Domenici Sempre gostou de animais?
Sempre. Criei lagarto, coruja, cobra, esses animais que não são gato e cachorro.
Trecho 2
Sérgio Kalili E você acha que chegou a lutar para que outras pessoas pudessem ter mais liberdade no amor?
Quem é a pessoa mais escancarada que você conhece no Brasil em termos de sexualidade? O movimento gay quer o seguinte: eles me cobram porque não me resigno a ser um estandarte gay, e não vou me aceitar jamais ser estandarte de qualquer coisa. Muitas coisas me interessam. Quero ter liberdade de me expressar a respeito de todas as coisas que me incomodarem ou interessarem. Durante um tempo o movimento gay me cobrou isso. Houve um acontecimento aqui no Rio, queriam que eu presidisse, falei “não vou presidir nada, vocês é que estão nessa”. Entendi que era uma coisa organizada e não estou contra, mas houve uma aceitação dessas manifestações e isso só representava um público com certo poder econômico, aí deixou de me interessar. Revistas gay, cruzeiros gay, Deus me livre, o que vou fazer com isso, cruzeiro gay? Gosto da mistura, de todo o mundo junto, vou em boate gay, mas boate que não é restrita, em boate restrita não entro, vou em boate que tem todo o mundo, homem, mulher, lésbica, gay, gosto de todas as possibilidades.
Roberto Manera Mas no caso brasileiro, os movimentos também despertam a consciência para verdadeiras atrocidades, não?
São assassinados. Entendo que as pessoas precisam se unir para se sentirem fortes. Agora, não podem querer determinar que eu seja o que leve a bandeira. Sérgio Kalili Existem vários tipos de movimentos. Por exemplo, a parada gay. Nunca fui à parada gay. Não me interessair numa parada para ser aquilo. Eu sou. Vou falar uma coisa que vai parecer uma enorme incoerência. Sou mais sério, embora minha vida artística seja uma... Sou uma pessoa muito séria nos meus princípios e os coloco diante da vida, tenho princípios éticos. Então, aquilo ali não me interessa. Acho interessante juntar três milhões de pessoas, é significativo. Agora, eu assisto.
Ué, gente, não dá para ter ilusões.”
Cinthia Pascueto E como você definiria sua relação com o palco?
É a mais satisfatória possível. A coisa mais estimulante é meu relacionamento com o público. Vivo para isso. E é tão satisfatório que não preciso disso fora de lá.
Raquel Junia Você quis criar esse imaginário nas pessoas, de ser extravagante?
Não! Eu sou extravagante! Quando subo no palco, não tenho controle sobre aquela manifestação. Por mais contido que esteja, sou extravagante para o médio brasileiro, o médio humano. Não tem como, é uma coisa que vem. Também não fico preocupado em conter nada. O engraçado é que quanto mais manifesto minha loucura, mais o público quer loucura, isso é que é maluco: quanto mais eu extravaso, mais loucura esperam de mim.
Thiago Domenici Por quê?
Talvez porque não tenham coragem de se manifestar, mas não se contentem comigo, sempre falo: “Não se satisfaçam com a minha manifestação, sejam, existam, sejam como vocês são, não se escondam.”
Fonte: CarosAmigos
Disritmia - Ney Matogrosso e Pedro Luís e a Parede
Disritmia - Ney e Pedro Luís |
Do disco Vagabundo (2004), de Ney Matogrosso e Pedro Luís e a Parede. Disritmia é uma composição de Martinho Da Vila.
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