quinta-feira, 5 de junho de 2008

Poesias de Mario Quintana

Diversos poemas do poetinha Mario Quintana.

O morto

Eu estava dormindo e me acordaram
E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco...
E quando eu começava a compreendê-lo
Um pouco,
Já eram horas de dormir de novo!


O Mapa

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...


Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...


Das utopias

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!


Do amoroso esquecimento

Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?


A oferenda

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.


Dos mundos

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.


Evolução

O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.


Da observação

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...


A canção da vida

A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio...
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí...
como um salso chorando
na beira do rio...
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)


Os degraus

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...


Ah! Os relógios

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...


Exame de cosciência

Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?


Confessional

Eu fui um menino por trás de uma vidraça. - um menino de aquário.
Vi o mundo passar como numa tela cinematográfica, mas que repetia sempre as mesmas cenas, as mesmas personagens. Tudo tão chato que o desenrolar da rua acaba me parecendo apenas em preto e branco, como nos filmes daquele tempo. (...)


Da discrição

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...


O pior

O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.


Libertação

A morte é a libertação total:
A morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapato


Poeminha sentimental

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.


Eu escrevi um poema triste

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!


A vida

Mas se a vida é tão curta como dizes porque que é que me estás lendo até agora?



Fonte: Site Comemorativo Centenário Mario Quintana


Confira também Mario Quintana declamando Mario Quintana

4 comentários:

Cadu Oliveira disse...

Obrigado pela postagem.

O último texto é um tapa na cara? Que nada. A vida é curta mesmo, mas ler Quintana não é, de certa forma, entender melhor a vida? E entendê-la não é, de algum modo, extendê-la?

Parabéns pelo blog.
Grande abraço.

Yerko Herrera disse...

Tu tem razão, Cadu! Ler e absorver Quintana traz novas compreensões sobre as asperezas da vida, ao menos a torna mais lírica. Muito obrigado pelo belo comentário e pela visita.

Abração,
Yerko Herrera.

Edi Prado disse...

Quintana já é um Mario sem acento, para que ficasse em é a imortalidade destes poemas sábios, que consegue mostra beleza no guache das asas da borboleta e imaginae sempre a vida em oferenda:
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos...
Trago-te estas mãos vazias
Que vão tomando a forma do teu seio.

Yerko Herrera disse...

Belíssima contribuição, Edi Prado!