terça-feira, 26 de agosto de 2008

História dos Saraus da Cooperifa em Livro

Notícia sobre o novo livro do poeta Sérgio Vaz, da Revista Idiossincrasia.

Cooperifa, antropofagia periférica

Livro do poeta Sérgio Vaz conta a história dos saraus que reúnem centenas de pessoas da periferia de São Paulo em torno da poesia. Confira reportagem e um trecho do livro:

Cooperifa, antropofagia periférica, de Sérgio Vaz, poeta e criador da Cooperifa, reúne histórias do movimento cultural que chega a reunir até 500 pessoas a cada edição de seu sarau, na periferia paulista, em torno da poesia. Sétimo volume da coleção Tramas Urbanas, da Aeroplano Editora, o livro é também "uma biografia poética", segundo o autor, que hoje, aos 44 anos, vive da poesia. O lançamento será nesta quarta-feira, dia 20, no bar do Zé Batidão.

Sérgio fundou a Cooperifa em 2000, com o objetivo de envolver artistas da periferia em atividades como exposições de fotografia e performances teatrais em lugares que, segundo ele, são os verdadeiros centros culturais da periferia, como praças, bares e galpões. Ao final de 2002, começaram os saraus da Cooperifa, numa fábrica abandonada em Taboão da Serra, município de São Paulo; hoje, acontecem no bar de José Cláudio Rosa (o Zé Batidão), em Piraporinha.

"A Cooperifa é um dos fenômenos culturais mais importantes desses anos 00. Achamos importante registrar como surgiram esses encontros, de onde vem esse poeta revolucionário - que em pleno século XXI refaz não apenas o caminho antropofágico da poesia modernista e sua Semana de Arte Moderna, mas sobretudo recria agora, dono de sua voz, o grande quilombo da poesia paulista", afirma Buarque de Hollanda, curadora da coleção Tramas Urbanas, que dá voz a diversas manifestações artísticas e intelectuais das periferias brasileiras.

O livro também conta a saga do poeta, que já escreveu letras de música, trabalhou como auxiliar de escritório, assessor parlamentar e vendedor de videogame. Lançou cinco livros de poesia, entre eles Subindo a ladeira mora a noite e Colecionador de pedras. Sérgio Vaz também coordenou por dois anos um projeto que levava poesia às escolas da periferia de São Paulo. Pelo trabalho inovador, ganhou o prêmio Educador Inventor, concedido pela Unesco e pelo Projeto Aprendiz.

Em quase oito anos de saraus na periferia já foram lançados mais de 40 livros de poetas e escritores da periferia, além de dezenas de discos. "A Cooperifa trabalha única e exclusivamente com o conhecimento. Por meio da poesia, muitos começaram a se interessar pela leitura, pela criação poética, e hoje, muito deles já lançaram seus próprios livros. Por conta da literatura, vários jovens e adultos voltaram a estudar e alguns já estão até formados", lembra Vaz.



Alegria no primeiro Sarau da Cooperifa; imagem faz parte do livro lançado pela Aeroplano

Abaixo, trecho do livro Cooperifa, antropofagia periférica (Aeroplano Editora):

Quando se falava nisso, era sobre uma rua que ainda não estava asfaltada, um trator para tirar o barraco de alguém, um abaixo assinado para isso ou para aquilo, enfim. A maioria das pessoas dali eram de direita, quer soubessem ou não.

A periferia, por suas necessidades básicas e ainda em formação geográfica, sempre foi reduto de velhas raposas políticas. Os poucos que eram de esquerda falavam em códigos; então, sempre passaram batidos.

O boteco é onde a gente aprende a ser psicólogo. Foi lá que eu aprendi que todas as pessoas são iguais, mesmo bebendo bebidas diferentes. Atrás do balcão eu via a vida passar sobre mim. Minha vida se resumia a trabalhar no bar e ir à escola, e eu não gostava de nenhum dos dois.

Com pouco tempo para a rua, passei a freqüentar um outro tipo de lugar: os livros. Lia de tudo um pouco, principalmente livros de adultos, coisas que mais tarde viria a entender, relendo novamente. Gostava também de jornais e revistas.

Li Eram os deuses astronautas?, Pantaleão e as visitadoras, O cortiço, A mãe, Os Miseráveis, A Insustentável Leveza do Ser, Capitães de Areia, Drummond, Ferreira Gullar, Pablo Neruda,
Agatha Christie, Dom Casmurro etc. Devorava e era devorado por tudo o que caía em minhas mãos.

(...)

Um outro tipo de personagem real que também era muito comum nos anos 1980 eram os temidos justiceiros, também conhecidos como "pés-de-pato". Eram a prova verdadeira que as ruas tinham perdido a delicadeza dos contos de fadas.

A simples menção do nome de alguns deles era o suficiente para desfazer as rodinhas em volta das fogueiras, que eram muito comuns nesse tempo. O nome do cabo Bruno, um dos assassinos mais temidos da região, era sempre citado em lugares onde havia algum tipo de aglomeração. Coisas do tipo: "Tem um opala preto [carro preferido dos assassinos], circulando na quebrada". Pronto, era a senha para que todos fossem embora de onde estavam.

Durante um bom tempo as chacinas eram as únicas notícias que saíam sobre a periferia nos jornais. Um tempo sem poesia alguma, nem sei se valia a pena lembrar, mas...

Quando terminei o ginásio fui estudar em Santo Amaro, no Colégio Radial, Processamento de dados. Foi duro admitir que existiam outros lugares além das ruas do Jardim Guarujá e Chácara Santana. A maioria dos jovens da periferia não pensavam em cursar uma universidade e sim cursos profi ssionalizantes: Ferramentaria, Tornearia, Calderaria etc. O SENAI, por exemplo, era tão disputado, senão mais, do que a USP.

(...)

A periferia, apesar da dura realidade e abandono dos governantes em geral, está dominada pela poesia. Prova disso são os saraus que não param de acontecer nas quebradas de São Paulo. E por conta dessa poesia e dessa literatura que se alastra pelas ruas, as pessoas mais simples têm se interessado um pouco mais em ter uma vida cultural. Um clássico exemplo é o Sarau da Cooperifa, que na ausência de teatros, bibliotecas, livrarias, cinemas, museus e raríssimos espaços para acesso à cultura, transformou um boteco na periferia da maior cidade do Brasil em Centro Cultural.


Fonte: RevistaIdiossincrasia


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