quarta-feira, 26 de março de 2008

Frases de Nelson Rodrigues

Nelson Rodrigues, ademais de ser dramaturgo, jornalista e escritor, foi um tremendo frasista. Confira algumas de suas célebres frases.

Frases
por Nelson Rodrigues

- O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: — o da imaturidade.

- Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhores que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.

- Nós, da imprensa, somos uns criminosos do adjetivo. Com a mais eufórica das irresponsabilidades, chamamos de "ilustre", de "insigne", de "formidável", qualquer borra-botas.

- A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.

- O brasileiro não está preparado para ser "o maior do mundo" em coisa nenhuma. Ser "o maior do mundo" em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.

- Há na aeromoça a nostalgia de quem vai morrer cedo. Reparem como vê as coisas com a doçura de um último olhar.

- Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.

- O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: — um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.

- Assim como há uma rua Voluntários da Pátria, podia haver uma outra que se chamasse, inversamente, rua Traidores da Pátria.

- Está se deteriorando a bondade brasileira. De quinze em quinze minutos, aumenta o desgaste da nossa delicadeza.

- O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.

- A mais tola das virtudes é a idade. Que significa ter quinze, dezessete, dezoito ou vinte anos? Há pulhas, há imbecis, há santos, há gênios de todas as idades.

- Outro dia ouvi um pai dizer, radiante: — "Eu vi pílulas anticoncepcionais na bolsa da minha filha de doze anos!". Estava satisfeito, com o olho rútilo. Veja você que paspalhão!

- Em nosso século, o "grande homem" pode ser, ao mesmo tempo, uma boa besta.

- O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.

- Toda mulher bonita leva em si, como uma lesão da alma, o ressentimento. É uma ressentida contra si mesma.

- Acho a velocidade um prazer de cretinos. Ainda conservo o deleite dos bondes que não chegam nunca.

- Chegou às redações a notícia da minha morte. E os bons colegas trataram de fazer a notícia. Se é verdade o que de mim disseram os necrológios, com a generosa abundância de todos os necrológios, sou de fato um bom sujeito.


As frases polêmicas e cheias de humor de Nelson Rodrigues são publicadas como uma homenagem à passagem de seu aniversário de nascimento (23-08-1912). Elas foram selecionadas e organizadas por Ruy Castro, extraídas do livro "Flor de Obsessão", Cia. das Letras - São Paulo, 1997, p. diversas.

Fonte: Releituras

Mais sobre Nelson Rodrigues no sítio Releituras.


Leia também Frases de Nelson Rodrigues II

segunda-feira, 17 de março de 2008

A Poesia Concreta, segundo Augusto de Campos

Publicado originalmente em Forum, órgão oficial do Centro Acadêmico 22 de Agosto, da Faculdade Paulista de Direito, ano I, número III, outubro de 1955.

poesia concreta
Augusto de Campos

Em sincronização com a terminologia adotada pelas artes visuais e, até certo ponto, pela música de vanguarda (concretismo, música concreta), diria eu que há uma poesia concreta. Concreta no sen-tido em que, postas de lado as pretensões figurativas da expressão (o que não quer dizer posto à margem o significado), as palavras nessa poesia atuam como objetos autônomos. Se, no entender de Sartre, a poesia se distingue da prosa pelo fato de que para essa as palavras são signos, enquanto para aquela são coisas, aqui essa distinção de ordem genérica se transporta a um estágio mais agudo e literal, eis que os poemas concretos caracterizar-se-iam por uma estruturação ótico-sonora irreversível e funcional e, por assim dizer, geradora da idéia, criando uma entidade todo-dinâmica, "verbivo-covisual" – é o termo de Joyce – de palavras dúcteis, moldáveis, amalgamáveis, à disposição do poema.

Como processo consciente, pode-se dizer que tudo começou com a publicação de Un Coup de Dés (1897), o "poema-planta" de Mallarmé, a organização do pensamento em "subdivisões prismáticas da idéia" e a espacialização visual do poema sobre a página. Com James Joyce, o autor dos romances Ulysses (1914-1921) e Finnegans Wake (1922-1939), e sua "técnica de palimpsesto", de narração simultânea através de associações sonoras. Com Ezra Pound e The Cantos, poema épico iniciado por volta de 1917, no qual o poeta trabalha há 40 anos, empregando seu método ideogrâmico, que permite agrupar coerentemente, como um mosaico, fragmentos de realidade díspares. Com E.E. Cummings, que desintegra as palavras para criar, com suas articulações, uma dialética de olho e fôlego, em contato direto com a experiência que inspirou o poema.

No Brasil, o primeiro a sentir esses novos problemas, pelo menos em determinados aspectos, é João Cabral de Melo Neto. Um arquiteto do verso, Cabral constrói seus poemas como que a lances de vidro e cimento. Em Psicologia da Composição, com "Fábula de Anfion" e "Antiode" (1946-1947), atinge a maturidade expressiva, já prenunciada em O Engenheiro.

Flor é a palavra
flor, verso inscrito
no verso, como
manhãs no tempo

diz ele em "Antiode", e nada mais faz do que teoria da poesia concreta.
"O Jogral e a Prostituta Negra" (1949) é outro salto construtivo de vanguarda, dessa vez logrado por um novíssimo, Décio Pignatari. Nesse poema, Pignatari lança mão de uma série de recursos "concretos" de composição: cortes, tmeses, "palavras-cabide" (isto é, montagens de palavras, possibilitando a simultaneidade de sentidos: al(gema negra)cova = alcova, algema, gema negra, negra cova), todos eles convergindo para a temática que é a do poeta torturado pela angústia da expressão. É a dúvida hamletiana aplicada ao poeta e à palavra poética: até que ponto ela exprime ou deixa de exprimir, "vela ou revela"? E eis o poeta, clown-sacerdote a compor de carti-lagens e moluscos a poesia-prostituta negra-hasard que aqui – como o "mudaria o Natal ou mudei eu?" do soneto de Machado de Assis – explode em um único verso: "Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas".

Haroldo de Campos é, por assim dizer, um "concreto" barroco, o que o faz trabalhar de preferência com imagens e metáforas, que dispõe em verdadeiros blocos sonoros. Nos fragmentos de "Ciropédia ou a Educação do Príncipe" (1952), aqui apresentados, merece menção o especial uso das palavras compostas, buscando converter a idéia em ideogramas verbais de som.

o jogral e a prostituta negra
farsa trágica
Décio Pignatari

Onde eras a mulher deitada, depois
dos ofícios da penumbra, agora
és um poema:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

É à hora carbôni-
ca e o sol em mormaço
entre sonhando e insone.

A legião dos ofendidos demanda
tuas pernas em M,
silenciosa moenda do crepúsculo.

É a hora do rio, o grosso rio que lento flui
flui pelas navalhas das persianas,
rio escuro. Espelhos e ataúdes
em mudo desterro navegam:
Miraste no esquife e morres no espelho.
Morres. Intermorres.
Inter (ataúde e espelho) morres.

Teu lustre em volutas (polvo
barroco sopesando sete
laranjas podres) e teu leito de chumbo
têm as galas do cortejo:

Tudo passa neste rio, menos o rio.

Minérios, flora e cartilagem
acodem com dois moluscos
murchos e cansados,
para que eu te componha, recompondo:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

(Modelo em repouso. Correm-se as mortalhas das
persianas. Guilhotinas de luz lapidam o teu dorso em
rosa: tens um punho decepado e um seio bebendo
na sombra. Inicias o ciclo dos cristais e já cintilas.)

Tua al(gema negra)cova assim soletrada em câma-
ra lenta, levantas a fronte e propalas:
"Há uma estátua afogada..." (Em câmara lenta! – disse).
"Existe uma está-
tua afogada e um poeta feliz(ardo -o
em louros!). Como os lamento e
como os desconheço!
Choremos por ambos."

Choremos por todos – soluço, e entoandum
litúrgico impropério a duas vozes
compomos um simbólico epicédio AAquela
que deitada era um poema e o não é mais.

Suspenso o fôlego, inicias o grande ciclo
subterrâneo de retorno
às grandes amizades sem memória
e já apodreces:

Cansada cornucópia entre festões de rosas murchas.

(1949, em O Carrossel, 1950)


ciropédia ou a educação do príncipe (fragmentos)
Haroldo de Campos

You find my words dark. Darkness is in our souls, do you not think?
James Joyce

1
A educação do príncipe em Agedor começa por um cálculo ao coração. Jogam-se os dados, puericultura do acaso, e se procura aquela vértebra cervical de formato de estrela ou as filacteras enroladas no antebraço direito: sinal certo do amor.

Em Agedor, o príncipe é um operário do azul: de suas mãos edifica
– infância – as galas do cristal e doura o andaime das colméias: paz
de câmaras ardentes.

O preceptor – Meisterludi – dá o tema: rigor! As matemáticas: cáries de uma série gelada. Linguamortas: oblivion sagrando a raiz dos árias: ars. Lingua-vivas: amor.

O príncipe, desde criança, é um aluno do instinto. Saúda as antenas dos insetos. Ave! às papilas papoulas e à clorofila – salve! tornassol das espécies sensíveis.

Helianto, doutor solar, sol honorário, o tropismo te ensina a graça das elipses? Ó inferno-afélio do langue heliotropo! Térmitas: dii inferi!

Ele orienta as abelhas. Ele irisa as libélulas. Ele entra o palácio dos corais e suspende os candelabros.

À hora dos deméritos o mestre diz: rigor!

Infância do príncipe: água de que se fartam infinitas crianças.

2
O príncipe aprende a equitação do verbo. As palavras ócio e amor
nada significam em Agedor – pois significam tudo.

Impúbere, ele pensa: a pluma o pajem
As aias – coro de vozes – baixelas de seu banquete

Em Agedor, o tempo – diz-se – camaleão melancólico/distende a
língua e colhe um inseto de bronze.

3
Núpcias paranúpcias pronúpcias.

A educação do príncipe atinge a sua crise noturna.

Congregação de rubis, a puberdade instaura a missa rubra.

Ele admira as grutas, apalpa as volutas cornucópias, contorna o
maralmíscar das sereias.

A geometria plana? – Júpiter tetraedro de quadradas espáduas?

– Drósera rotundifólia, amálgama de sílabas cardeais.

Labilíngüe, ele diz: amor – larva do beijo, ninfa nibelung dum ciclo de legendas.

Meisterludi: rigor!

Cobiça as galáxias-estrelas, doutora-se em lânguidas palavras: licornes libidinosos e glúteas obsidianas. Luz púrpura.

Em Agedor chega-se à idade por uma súbita coloração roxa sob as unhas.
.

(1952, em Noigandres, 2, 1955)


--------------------------------------------------------------------------------

Publicado originalmente em Forum, órgão oficial do Centro Acadêmico 22 de Agosto, da Faculdade Paulista de Direito, ano I, número III, outubro de 1955. Na publicação, ao lado dos poemas citados, o autor acrescentou (diante da impossibilidade de incluir uma das composições da série "poetamenos", devido ao alto custo da impressão em cores) seção x (final) de seu poema "Ad Augustum per Angusta", preferindo não comentar o próprio trabalho. Não muito depois, três poemas daquela série foram apresentados no espetáculo organizado pelo grupo musical Ars Nova, a quatro vozes e com projeção simultânea dos respectivos slides, no Teatro de Arena de São Paulo, em 21 de novembro e 5 de dezembro de 1955. Na ocasião, e sob o mesmo título, Poesia Concreta, o poeta leu um texto sobre suas criações (cf. revista Código, número 11, Salvador, 1986, onde foi divulgado).


Fonte: PoesiaConcreta

Que será de ti, Amazônia?

Que será de ti, Amazônia?
por Jorge Tufic


( II )

Que será de ti, Amazônia,
enquanto o homem que te desfruta
considerar-te perene, imortal
como se imagina um duende?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto se pensa no teu destino
sem nunca separar-te dos interesses
daquele que te golpeia,
te reduz e te maltrata?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto se teima em desconhecer
que teu reino se acaba
onde a tua imensa vegetação termina?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto os cegos herdeiros
do Lêmure implacável,
buscam fórmulas vazias
para explorar-te racionalmente,
quando se sabe que os fins econômicos
já são, por si mesmos,
irracionais?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto não forem avaliadas tuas perdas
e teu desgaste
em quatrocentos anos de falsa
prosperidade para o homem;
e de lenta,
lentíssima agonia
para os sonhos e as riquezas
que te habitam?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto o índio que te protege
e guarda os teus mistérios,
continuar sendo reduzido
e transformado em caboclo?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto o revolvimento de teu solo,
à cata de minérios,
envenenar os teus rios;
e as toras de madeira submersas
desabarem sobre ti
numa queda insalubre e frenética
de chuvas ácidas?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto o desmatamento e as queimadas
transferem para os teus ares o sezão
dos pântanos
e a temperatura dos infernos?

Que será de ti, Amazônia,
quando tuas lendas não tiverem mais
onde pousar; e a doce flauta
do uirapuru
quebrar-se numa profunda elegia
sobre os rios que minguam
e os areais que avançam?

Que será de ti, Amazônia,
última página do Gênesis,
quando os seres que fazem a tua escrita
enigmática,
mergulharem na usura
que te rebaixa
aos olhos do mundo?


Que será de ti, Amazônia,
se continuas espoliada e sujeita
ao voto
que elege os teus algozes?

Que será de ti, Amazônia,
cujo tamanho incomoda pela ausência
de amor,
e cuja perda nem mesmo um rio
de lágrimas
há-de chorar-te com justiça ?

Que será de ti, Amazônia,
navegável piscosa hidra mesopotâmica
resistência dos fracos
buzina dos ermos
igaçaba de fogos-fátuos
agora que teus peixes,
de há muito impedidos de crescer
e desovar corretamente
já não saciam a fome dos que
nada fizeram
para ver o futuro?

Que será de ti, Amazônia,
grandeza física que,
no entanto,
pode caber dentro de um ninho qualquer,
desde que ele tenha a leveza
de tuas palhas
e a úmida ternura
dos ventos que te embalam?

Que será de ti, Amazônia,
enquanto as crianças do globo
não souberem te amar em plenitude,
ou seja,
do bicho mais rasteiro
às frondes mais altas de teus bosques
e teus igapós?

Que será de ti, Amazônia,
se as fronteiras que te abraçam
numa ciranda geográfica de isolamento
e fraternidade,
não aprenderem também a sentir
o pulsar de teus mares sepultos
e a beber, em tuas águas,
a música das sombras?

Que será de ti, Amazônia,
paraíso da natividade cósmica
porto de lenha
sertão de especiarias
inferno verde
berço do progresso
refúgio de degredados
sorvedouro de talentos
remate dos vencedores,
quando és, praticamente,
a última baliza do verde
com as terras-do-sem-fim?

Que será de ti, Amazônia,
esfinge dos néscios
apetite dos glutões
motivo de inspiração e de escárnio
natureza morta
peixe colorido de estrelas importadas
autofagia mítica
cipoal de batalhas demiúrgicas
aleijão vegetativo
sementeira de astronaves,
agora que meia dúzia de sábios
te colocam no banco dos réus
e te julgam
em nome da ecologia?


Jorge Tufic (1930) é poeta e jornalista. Nasceu no município de Sena Madureira, Acre, onde ao som das violas sertanejas dos Soldados da Borracha, captou os primeiros rebentos de sua vocação para a Poesia. Reside em Fortaleza, CE desde 1991. Possui mais de 40 títulos publicados entre prosa e poesia. E-mail: jorgetufic@hotmail.com

Fonte: Cronópios

quarta-feira, 12 de março de 2008

Cultura Indígena será incluída no Currículo Escolar

Lei inclui ensino sobre a cultura indígena no currículo escolar

por Mariana Jungmann para a Agência Brasil


Brasília - Uma lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem (10) vai incluir no currículo das escolas públicas e particulares de nível fundamental e médio o ensino de história e cultura indígena brasileira.

Para a diretora executiva do Instituto Indígena Brasileiro de Propriedade Intelectual, Lucia Fernanda Jófej, a lei pode ajudar a corrigir os erros históricos de omissão ou equívoco das escolas sobre a cultura indígena.

“Existindo uma obrigação, vai haver uma demanda. Existindo uma demanda, então vão haver mais produtos, mais serviços, informações mais claras nesse sentido”, diz Lucia que critica a forma como a história do Brasil é ensinada. “A maior parte das escolas conta a história de um ponto de vista eurocêntrico”, defende.

“Dizer que o Brasil foi descoberto é, no mínimo, um eufemismo. Dizem que a estimativa era de 1 a 5 milhões de índios no país. Hoje temos 700 mil. Onde essas pessoas foram parar? O que houve foi um massacre sem precedentes”, afirma.

Em 2003, uma lei incluiu nos currículos escolares a obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira. Entretanto, ativistas afirmam que ainda há problemas para implementação.

“A lei é fundamental, mas não fala de capacitação e a eficácia dela depende do processo de qualificação das pessoas que vão estar em sala de aula falando sobre África e cultura afro-brasileira”, explica Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo Inocêncio, o problema não está na falta de ensino da cultura afro, e sim na má qualidade do ensino. “De alguma forma se leciona sobre isso sim, mas a maioria das abordagens sobre a presença negra no Brasil, incide em erros graves”, explica.

Ele acredita que, depois da criação da lei, houve um pequeno aumento no número de publicações e oficinas sobre o assunto. Entretanto, segundo Inocêncio, as universidades ainda se eximem da responsabilidade de formar professores nesse tema.

Fonte: AgênciaBrasil


O conteúdo da Agência Brasil é publicado sob uma Licença Creative Commons Atribuição 2.5. Brasil.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Revista Filme Cultura volta à circulação

Edição especial da publicação do CTAv já está disponível na Internet
por André Andries


O Centro Técnico Audiovisual (CTAv) relança a Revista Filme Cultura em uma edição especial dedicada aos 70 anos de criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE).

A versão eletrônica da publicação está disponível no site http://www.ctav.gov.br/. A edição impressa, com tiragem de mil exemplares, está sendo distribuída gratuitamente a instituições ligadas à área do audiovisual.

Criada em 1965, a Filme Cultura circulou até 1988 e alcançou 48 edições. Além do artigo dedicado ao INCE, essa edição de nº 49 traz depoimentos de Affonso Beato, Walter Carvalho, Marcos Magalhães e Carlos Augusto Calil contando episódios que envolveram a fundação do CTAv, em 1985, por meio de um acordo com o National Film Board, do Canadá.

Atualmente vinculado à Secretaria do Audiovisual, do Ministério da Cultura, o CTAv desenvolve atividades de fomento, formação de profissionais, pesquisa técnica, memória e difusão da produção audiovisual brasileira, com foco em suporte à animação.

O relançamento da publicação se insere no âmbito de um projeto de preservação da memória do audiovisual brasileiro, que prevê a digitalização de todos os números anteriores da revista e sua disponibilização eletrônica para consultas de pesquisadores, estudantes e profissionais do cinema.

Uma revista fundamental para a história do Cinema Novo

A Revista Filme Cultura surgiu a partir de sugestão do Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica (Geicine), 1961-1965, destinada a “contribuir para o debate e a informação sobre os diversos problemas do cinema e outros setores da cultura”.

Durante duas décadas, entre 1965 a 1988, a publicação foi fórum aberto ao debate sobre ações e projetos de Estado para o cinema brasileiro. Foram editados 48 números - cerca de 4.500 páginas - com artigos sobre estética e técnica cinematográfica, ensaios, reportagens, depoimentos, entrevistas, legislação, material iconográfico (fotos, cartazes), uma massa compacta de informações que não encontra similar em nenhum outro periódico de cinema brasileiro.

A Filme Cultura caracterizava-se por ser um periódico moderno, ágil, refletindo a criatividade e a abrangência do novo cinema brasileiro, analisando diretores, atores, técnicos e suas criações, sem omitir outros, também essenciais, ligados à história e à memória cinematográfica brasileira.

O cineasta Flávio Tambelini foi seu primeiro editor, posteriormente sucedido, nas várias fases da publicação, por Paulo Perdigão, David Neves, Leandro Tocantins, Carlos Augusto Calil, Cláudio Bojunga, Roberto Moura, entre outros. A reflexão sobre o cinema brasileiro nas páginas da Filme Cultura teve a originalidade de contribuir para o seu desenvolvimento artístico e industrial. Com o fim da revista, gradualmente, essa reflexão crítica foi perdendo espaço.

Vinte anos depois, no entanto, a Revista Filme Cultura ainda permanece como uma referência daquele debate. No momento atual, em que é indispensável uma avaliação do conjunto das políticas públicas para o audiovisual brasileiro, sua volta à circulação serve ao mesmo tempo como referência e proposta.

Fonte:
CTAv

sábado, 8 de março de 2008

Tô Só, Crônica de Hilda Hilst

Tô Só
Hilda Hilst

Crônica de Hilda Hilst para o "Correio Popular" de Campinas-SP

Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá

de teta

de azul

de berimbau

de doutora em letras?

E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...

Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?

Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?

nave

ave

moinho

e tudo mais serei

para que seja leve

meu passo

em vosso caminho.*

Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.


* Trovas de muito amor para um amado senhor - SP: Anhambi, 1959.


(Segunda-feira, 16 de agosto de 1993)

Fonte: Hilda Hilst

sexta-feira, 7 de março de 2008

O Livro da Solidão - Crônica de Cecília Meireles

O Livro da Solidão
Cecília Meireles

Os senhores todos conhecem a pergunta famosa universalmente repetida: "Que livro escolheria para levar consigo, se tivesse de partir para uma ilha deserta...?"

Vêm os que acreditam em exemplos célebres e dizem naturalmente: "Uma história de Napoleão." Mas uma ilha deserta nem sempre é um exílio... Pode ser um passatempo...

Os que nunca tiveram tempo para fazer leituras grandes, pensam em obras de muitos volumes. É certo que numa ilha deserta é preciso encher o tempo... E lembram-se das Vidas de Plutarco, dos Ensaios de Montaigne, ou, se são mais cientistas que filósofos, da obra completa de Pasteur. Se são uma boa mescla de vida e sonho, pensam em toda a produção de Goethe, de Dostoievski, de Ibsen. Ou na Bíblia. Ou nas Mil e uma noites.

Pois eu creio que todos esses livros, embora esplêndidos, acabariam fatigando; e, se Deus me concedesse a mercê de morar numa ilha deserta (deserta, mas com relativo conforto, está claro — poltronas, chá, luz elétrica, ar condicionado) o que levava comigo era um Dicionário. Dicionário de qualquer língua, até com algumas folhas soltas; mas um Dicionário.

Não sei se muita gente haverá reparado nisso — mas o Dicionário é um dos livros mais poéticos, se não mesmo o mais poético dos livros. O Dicionário tem dentro de si o Universo completo.

Logo que uma noção humana toma forma de palavra — que é o que dá existência ás noções — vai habitar o Dicionário. As noções velhas vão ficando, com seus sestros de gente antiga, suas rugas, seus vestidos fora de moda; as noções novas vão chegando, com suas petulâncias, seus arrebiques, às vezes, sua rusticidade, sua grosseria. E tudo se vai arrumando direitinho, não pela ordem de chegada, como os candidatos a lugares nos ônibus, mas pela ordem alfabética, como nas listas de pessoas importantes, quando não se quer magoar ninguém...

O Dicionário é o mais democrático dos livros. Muito recomendável, portanto, na atualidade. Ali, o que governa é a disciplina das letras. Barão vem antes de conde, conde antes de duque, duque antes de rei. Sem falar que antes do rei também está o presidente.

O Dicionário responde a todas as curiosidades, e tem caminhos para todas as filosofias. Vemos as famílias de palavras, longas, acomodadas na sua semelhança, — e de repente os vizinhos tão diversos! Nem sempre elegantes, nem sempre decentes, — mas obedecendo á lei das letras, cabalística como a dos números...

O Dicionário explica a alma dos vocábulos: a sua hereditariedade e as suas mutações.

E as surpresas de palavras que nunca se tinham visto nem ouvido! Raridades, horrores, maravilhas...

Tudo isto num dicionário barato — porque os outros têm exemplos, frases que se podem decorar, para empregar nos artigos ou nas conversas eruditas, e assombrar os ouvintes e os leitores...

A minha pena é que não ensinem as crianças a amar o Dicionário. Ele contém todos os gêneros literários, pois cada palavra tem seu halo e seu destino — umas vão para aventuras, outras para viagens, outras para novelas, outras para poesia, umas para a história, outras para o teatro.

E como o bom uso das palavras e o bom uso do pensamento são uma coisa só e a mesma coisa, conhecer o sentido de cada uma é conduzir-se entre claridades, é construir mundos tendo como laboratório o Dicionário, onde jazem, catalogados, todos os necessários elementos.

Eu levaria o Dicionário para a ilha deserta. O tempo passaria docemente, enquanto eu passeasse por entre nomes conhecidos e desconhecidos, nomes, sementes e pensamentos e sementes das flores de retórica.

Poderia louvar melhor os amigos, e melhor perdoar os inimigos, porque o mecanismo da minha linguagem estaria mais ajustado nas suas molas complicadíssimas. E sobretudo, sabendo que germes pode conter uma palavra, cultivaria o silêncio, privilégio dos deuses, e ventura suprema dos homens.

(SÃO PAULO, FOLHA DA MANHÃ, 11 DE JULHO DE 1948.)

Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 270.

Fonte: Releituras

segunda-feira, 3 de março de 2008

KL Jay solta o Verbo

FITA MIXADA “ROTAÇÃO 33”

Em entrevista sobre lançamento do novo trabalho e de outros projetos, KL Jay, DJ dos Racionais MC's, expressa sua opinião: “nenhuma geração foi tão empreendedora quanto a geração do hip hop”

por Liliane Braga para a CarosAmigos

A primeira vez em que estive em contato com KL Jay foi no show em homenagem ao rapper Sabotage após três meses de seu falecimento, em março de 2003. Algum tempo depois, nos sentamos em um restaurante para a nossa primeira entrevista. O que me impulsionou a falar com ele ao fim daquele show foi um depoimento seu: “DJs têm que ouvir música brasileira, não apenas rap”.

Eu ainda não havia ido a Cuba, lugar que visitei algumas vezes daquele ano para cá, e com o qual foi estabelecida uma proposta de intercâmbio. Por duas vezes, KL Jay esteve envolvido no projeto que tinha por intenção ajudar raperos e raperas da ilha caribenha a desenvolverem elementos do hip hop ainda tímidos por lá – caso do DJ.

Contatos realizados nesse período aguçaram o desejo de realização desta matéria. A filipeta de divulgação anunciando o lançamento da mix mape de KL Jay me foi trazida por uma amiga. O folheto-miniatura ficou pregado à geladeira por meses... Fita mixada “Rotação 33”. Participantes: Gaspar (Z´África Brasil), Max B.O., Parteum, Kamau, a dupla Andrômeda (MCs Phantone e Indião), Aori, Lívia Cruz e De Leve (os últimos três, do Rio de Janeiro).

Em uma das festas em que discotecava, anunciei a ele a minha intenção. Alguns dias depois, uma cópia do CD da mix tape chegava até mim. O DVD, já tinha visto na Mostra de Cinema Hip Hop de São Paulo, organizada pelo Sesc, em agosto de 2007.

“Mix tape” é uma seleção musical em que o DJ escolhe partes das músicas que quer usar e em que momento quer interrompê-las para que sejam mixadas com outra música. Para que essa ação fique harmônica, o/a DJ utiliza-se das diversas técnicas desse elemento do hip hop, como os scratches e o back-to-back (movimento em que o vinil parece ser arranhado e que possui diferentes modalidades e momentos em que o DJ volta uma ou mais vezes a um trecho já tocado da música utilizando-se de dois discos iguais).

“Hoje eu faria mais dinâmico, mais rápido. Com mais cortes, mais idéias, com mais dificuldade, na hora das trocas de discos, da passagem de som”, ele se auto-avalia, durante a conversa que realizamos no dia 21 de dezembro, uma sexta-feira, na Galeria 24 de Maio (centro de São Paulo). Para quem ouve a gravação, há que fazer um esforço para ficar parado. Para quem assiste à performance, difícil é despregar os olhos da troca de vinis nos toca-discos, da precisão da agulha tocando o pedaço escolhido da faixa, dos feltros de proteção dos discos que se grudam às bolachas na hora errada... Nos momentos de mais fôlego entre uma troca e outra de vinil, é possível curtir a empolgação do DJ, soltando o corpo para acompanhar a batida, cantando junto a letra que sai das caixas de som.

Algumas das batidas selecionadas e mixadas por KL Jay foram completadas por versos de nove MCs diferentes (as já citadas “participações”). Na performance ao vivo, as performances dos MCs têm que acontecer de forma cronometrada, sincronizada com a atuação do DJ. Acompanhando o CD, a imagem que me vem é a de um compositor que faz a harmonia utilizando-se de dois toca-discos e um mixer e convida letristas-cantores para parcerias quanto à parte melódica. Nos trechos de “trabalho solo”, KL Jay imprimiu a marca de seus “desenhos” musicais a raps cheios de balanço de nomes como Xis, MV Bill, RZO, Sabotage, SP Funk, SNJ, Rota de Colisão, GOG, Slimrimografia, 509-E... A opção foi usar apenas rap nacional em um trabalho que, nas palavras do próprio, envolveu muita pesquisa. Tanto para a escolha das músicas como dos trechos usados – por exemplo, um trecho instrumental que sobra de uma música pra outra.

Foram cerca de 17 anos de estrada como DJ para que Kleber Geraldo Lellis Simões, 38 anos, encarasse o desafio de fazer uma mix tape (diferente das fitas artesanais gravadas no período em que dava som na boate Soweto). Antes dela, ele lançou um único trabalho solo, o CD duplo “KL Jay na batida – volume III”, em 2004.

Em suas palavras, foi quando começou a treinar para a gravação que se deu conta de que era capaz de fazê-la. As três apresentações ao vivo da fita mixada demonstram a empolgação do público em acompanhar detalhes na apresentação do DJ, ovacionado nos momentos de mais dificuldade ou de improvisos (há clipes da mix tape no site Youtube). Foram uma apresentação no Rio, duas em São Paulo. A última delas dois dias depois dessa entrevista, durante a final do Hip Hop DJ 2007, campeonato organizado há 11 anos por KL Jay e Xis. Na última edição do evento, Erick Jay e RM, ambos do Clã Leste, conquistaram o primeiro e o segundo lugares respectivamente, pelo segundo ano consecutivo. Foi com eles que conversei para saber um pouco mais do papel da competição na cena hip hop brasileira.

Desempregado, começou a treinar
Nas finais do Hip Hop DJ, é perceptível a presença de familiares dos competidores. Nos diferentes espaços onde já foram realizadas etapas da competição, a proibição de venda de bebida alcoólica é uma prerrogativa. Naquele dia, depois de competir com outros dez finalistas, Erick Jay levou para casa um par de pick-ups (toca-discos) avaliados em cerca de R$ 2000,00. Antes da vitória atual, o rapaz de 27 anos treinava na casa do “professor” Zulu, da Nação Zulu e fundador do Clã Leste. Às vezes, iam para a casa do outro parceiro, RM. Montavam as performances e mostravam uns aos outros. Por muitos meses, Zulu abriu o portão de sua casa ao aluno às 7h da manhã, que só ia embora 12 horas depois. Boa parte dos discos usados para o treino eram emprestados. E é preciso muito treino... A arte dos scratches – que podem chegar a 100 tipos diferentes, segundo o DJ filipino-estadunidense Qbert – nunca se esgota.

Atualmente com um salário de menos de R$ 500 mensais, Erick demoraria muito para poder adquirir toca-discos iguais aos do 1º lugar da premiação - a sobra do salário também precisa ser guardada para a compra das agulhas extras, usadas para treinar e discotecar em festas, e que custam R$ 90 cada.

Duas semanas após o fim do campeonato, Erick me recebeu em sua casa, acompanhado de Zulu e RM, os companheiros do que é o primeiro time de DJs do Brasil, cuja proposta é treinar conjuntamente para aperfeiçoar as performances individuais, além de atuar em apresentações coletivas no palco. Pergunto a ele o que significa o Hip Hop DJ em sua vida: “por causa do Hip Hop DJ, eu quis me tornar DJ. Ia ao campeonato e dizia a mim mesmo: quero treinar para ser DJ e um dia chegar à final desse campeonato”. Entre a meta auto-proposta e o fato, passaram-se cerca de seis anos. Erick estava desempregado quando começou a treinar. Mesmo com 2º grau completo e vários cursos complementares (informática, matemática financeira, sonoplastia...), ele ficou cerca de cinco anos sem conseguir emprego. De 2003 a 2005, acordava às 4h da manhã para entregar folhetos promocionais do comércio da região onde mora, no Sapopemba. Aos fins-de-semana, pegava latinhas vazias para vender. Pergunto a Erick se acha que o mercado de trabalho é mais difícil para ele pelo fato de ser negro. “Com certeza! Depois que eu fiquei todo esse tempo desempregado e, das pessoas que conhecia, só eu que não arrumava emprego!”. Atualmente ele trabalha numa copiadora, operando máquina de xerox.



"Música é coisa séria. Tira o cara da depressão, muda o seu ânimo"

Para participar do Hip Hop DJ, cada candidato(a) deve enviar uma performance gravada com duração de três minutos. Os que são classificados para as semifinais e para a final precisam montar novas performances e treiná-las para as etapas seguintes da premiação. Em 2002, quando Erick se inscreveu pela primeira vez para o campeonato, a notícia de que havia passado na pré-seleção quase o fez chorar. A sensação era a de que havia passado na faculdade. Quatro anos depois, ele chegaria ao primeiro lugar da competição. “O Hip Hop DJ, é que me fez mudar a visão do DJ e musicalmente. Cê aprende a ouvir mais coisas, igual o KL Jay fala, meu. Ele fala ‘cê tem que ouvir música, vê como o cara canta, vê como o instrumento é tocado. Até pela performance. Pra você achar uma coisa lá no meio (de uma música), você tem que ouvir a música toda’”. Hoje, ele avalia que música é coisa séria. “Tira o cara da depressão, muda o seu ânimo”.

A mentalidade branca morre de medo
Além de organizar o mais importante campeonato da sua categoria, o DJ KL Jay tem se firmado como produtor de diferentes grupos e artistas de rap. As produções lançadas pelo selo pessoal do artista, o Equilíbrio, têm revelado nomes como Relatos da Invasão e Ca-Ge-Be, grupos de rap da Zona Norte de São Paulo, a mesma região do DJ.

Como fonte de inspiração para tantos empreendimentos – que incluem ainda a 4P, selo, loja de roupas e salão de cabeleireiros dele e de Xis, e por onde está sendo lançada a mix tape –, KL Jaycontou com os exemplos de artistas afro-estadunidenses, como o cantor Curtis Mayfield, que entre as décadas de 60 e 70 abriu seus selos próprios, entre eles,“Windy C”, e o rapper Jay-Z, dono da Roc-A-Fella – gravadora, produtora de filmes e marca de roupa. No Brasil, o exemplo seguido foi o do rapper brasiliense GOG, dono da gravadora “Só Balanço”, criada em 1993.

Quem está envolvido com hip hop tem um lado empreendedor mais presente do que normalmente se vê em outras expressões e estilos artísticos. Mesmo em Cuba, há um movimento por parte da juventude em ser autora de seus próprios eventos, em coordenar suas próprias atividades, e o governo demonstra tentar colaborar com os eventos. KL Jay revela sua opinião. “Eu acredito que nenhuma outra geração fez tanto isso quanto a geração do hip hop. O (Steven) Spielberg é diretor de cinema e tem restaurante, né? O Robert de Niro também tem o restaurante dele, e ele é ator. Mas isso nunca aconteceu tanto como com a geração do hip hop. Eu acho que isso tem a ver com uma emancipação negra também, né? Sermos donos das nossas coisas, gerar emprego, fazer o dinheiro girar...”.

KL Jay não busca apoio para nenhuma de suas iniciativas, por questão de princípios. O importante, para ele, é ter liberdade para criar, é não estar vinculado a exigências alheias às suas próprias. “Passo dívida? Passo. Tô devendo? Tô. Mas o dinheiro vem de outras maneiras, meu. Vai ficar pedindo pros outros fazer? Aí fica de rabo preso, por tudo que você vai ter que cumprir, exigência de quem tá te ajudando”. A importância que ele dá a empreendimentos encampados por negros e negras na sociedade brasileira me leva a questioná-lo se achava que os Estados Unidos possuíam mais exemplos nesse campo do que o Brasil. Ele contesta. “A gente tem! Na Bahia, tem uma comunidade de mulheres que juntam dinheiro e compram a liberdade do outro escravo...”, referindo-se à Irmandade da Nossa Senhora da Boa Morte, da cidade de Cachoeira, atuante desde o século 19. “A Irmandade dos Homens Pretos tem vários terrenos aqui no centro (de São Paulo), mas não é divulgado”. Por quê? “E o medo? E o medo que o sistema tem? Cê acha que os caras não têm medo de nóis? Eu vejo os olhares, os olhares aqui na galeria... ‘Pô, mano, o cara além de ser DJ, além de fazer sucesso, o cara é dono e a loja do cara ainda tem um monte de gente que compra?’. O sistema, a mentalidade branca, morre de medo de nóis, meu’ ”.

Duvido que vai ser publicado!
“Eu acho que a grande revolução no Brasil vai acontecer quando a educação for democrática. Para todos. Uma educação de alto nível para todos! Educação grátis. A criança que mora no Morumbi, de 10 anos, estudar a mesma coisa que a criança que mora na favela do Buraco Quente, na Zona Sul. Aí a concorrência vai ser justa. A disputa pelos empregos, pelo mercado de trabalho, vai ser justa, honesta! Aí os valores vão começar a mudar. Inclusive os valores raciais. Mas os anglo-saxões não querem isso, os judeus não querem isso, os espanhóis, os portuguêis, os italianos, que são os donos da terra, não querem isso. Porque eles vão perder! Pode pôr! Duuuvido que vai ser publicado!”.

Pai de cinco filhos, neste ano de 2008 KL Jay optou por transferir Lincoln, Jamila, Hanifah e Kaofani para escolas particulares. William, o mais velho, não está mais na escola e dedica-se à carreira de DJ. “Tenho condições que meus filhos estudem em escolas privadas, porque o ensino é melhor. Que eles vá pra escola privada! Porque amanhã eles podem mudar essa porra! Eles podem fazer o sistema virar gratuito! Eu não quero o melhor para os meus filhos, eu quero o melhor para a nação. Porque eles podem mudar a nação, entendeu?”.

Rap é música de preto? Apesar de achar que a música não tem fronteiras e o talento é algo inquestionável, “(rap) é um bagulho que os preto faiz com uma força do caralho”. Por essa razão, quem está na linha de frente, é preto: Jay-Z, Tupac Shakur, Notorius BIG, Doctor Dre, NAS... “Por que a maioria dos pilotos de fórmula 1 são brancos? Porque o meio deles é esse, eles são ricos, gostam de carros, fazem os carros muito bem, sabem dirigir muito bem, é natural do meio”.

Mas rap é música. O rap “não tem que construir escola, hospital...”, diz ele. O papel do rap é contribuir para a boa música do planeta.

É possível ouvir uma mostra do trabalho dos grupos citados nos links www.myspace.com/relatosdainvasao e www.myspace.com/cagebe

Liliane Braga é jornalista, autora da dissertação de mestrado “De Oyó-Ilé a ‘Ilé-Yo’: Xangô e o patrimônio civilizatório nagô na identidade de um rapper afrodescendente” (Psicologia Social - PUC-SP) e diretora do curta-metragem “Zona Caliente – Santiago de Cuba Hip Hop”. bragaliliane@hotmail.com


Fonte: CarosAmigos


Rotação 33 Fita Mixada - Dj Kl Jay - Intro.

Introdução da "Rotação 33 - Fita Mixada", performance do Dj KL Jay, dos Racionais MC´s, ao vivo em estúdio, composta de faixas de rap nacional, muitas produzidas por ele mesmo, extraídas de discos de vinil.

Clipe Rotação 33 Fita Mixada - Dj Kl Jay

Videoclipe da "Rotação 33 - Fita Mixada", com KL Jay. Conta ainda com a participação de um time de MC´s da nova escola como: Gaspar, Max B.O., Parteum, Kamau, Aori, Lívia e Andrômeda.

domingo, 2 de março de 2008

Bethânia e Diva do Buena Vista Social Club juntas

Mais vale tarde, que nunca... Maria Bethânia e Omara em novo CD/DVD

Como tradicionalmente dizem, mais vale tarde, que nunca. E como prova desse antigo ditado universal, vem o anúncio recente do próximo lançamento do disco da brasileira Maria Bethânia e a cubana Omara Portuondo. Uma é a Abelha Rainha, a outra a Diva do Buena Vista Social Club. As duas, grandes intérpretes das mais ricas musicas populares do universo.

O álbum chamado laconicamente “Omara Portuondo e Maria Bethânia”, contém 11 faixas em sua versão CD e apenas 9 na versão DVD. O conteúdo está composto por clássicos cubanos e brasileiros, interpretados por ambas as cantoras tanto em espanhol, quanto em português.

No repertório desde Dolores Duran até o cubano Juan Formell de Los Van Van, passando por Gonzaguinha e outros muitos compositores da era pré-bossa nova, bem ao estilo convencional de ambas as figuras.

Pela parte cubana “Poema LXIV”, versão musicada da obra da sem-par poetisa Dulce María Loynaz, o clássico “Mil Congojas” de Juan Pablo Miranda, “Lacho” de Facundo Rivero, “Para cantarle a mi amor”, de Orlando de la Rosa, “El amor de mi bohío” de Julio Brito, “Tal vez” de Juan Formell e “Nana para un suspiro” do inspirado Pedro Luis Ferrer.

As “Palabras” de Marta Valdés se casam à perfeição com as “Palavras” (com ‘v’) de Gonzaguinha, que vêm acompanhadas, pela parte brasileira por “Menino Grande” de Antonio Maria, “Você” de Hekel Tavares e Nair Mesquita, “Arrependimento” de Fernando César e Dolores Duran, “Só Vendo que Beleza” de Rubens Campos e Henricão e “Caipira de Fato” de Adauto Santos.

O CD e DVD, será lançado no Brasil no próximo 28 de fevereiro pela gravadora Biscoito Fino e para promover o álbum, as cantoras farão uma série de apresentações pelo país sul-americano, a começar no dia 07 de março, pelo Canecão, no Rio de Janeiro.

Daí, seguem para São Paulo, onde se apresentarão nos dias 28 e 29 de março, Belo Horizonte, 4 e 5 de abril, Maceió, 9 de abril, Olinda, 12 e 13 de abril, Brasília, 17e 18 de abril, Aracajú, 23 de abril, Salvador, 25 e 26 de abril, Teresina, 1º de maio, Curitiba, 8 de maio. A turnê será encerrado em Porto Alegre no dia 10 de maio. Ainda não se têm notícias sobre possíveis apresentações em Cuba.

Segundo informa o blog de Mauro Ferreira este ‘saboroso cardápio’ de peças musicais, que contou com a produção de Jaime e do violonista Swami Jr. foi selecionado graças à pesquisa feita sob encomenda pelos musicólogos Mozá Menezes e Rodrigo Faour.

Nos depoimentos gravados no making da obra a Bethânia expressa: “Quando Omara esteve no Rio, fomos almoçar juntas e ela pensou em fazer um disco comigo... E aquilo ficou em nossas cabeças”. E mais adiante acrescentou “Omara é uma das maiores cantoras que conheci, que conheço... Ela tem uma musicalidade, uma inteligência, uma compreensão musical que não é muito comum...”.

“A voz de Maria Bethânia tem uma cor, uma densidade... Ela preenche... É uma coisa maravilhosa. Ela tem uma segurança, uma sutileza... Esse encontro é muito interessante”, disse por sua vez a superlativa Omara que antes de se tornar mundialmente conhecida pela participação no projeto conjunto Buena Vista Social Club já tinha um sólido nome da cena musical cubana, particularmente por fazer parte do mítico quarteto Las D’Aida e por interpretar grandes sucessos na década de 70 e 80, particularmente “Veinte años” de Maria Teresa Vera, peça imortalizada em sua voz.


Fonte: Agência Cubana de Notícias


Omara Portuondo e Maria Bethânia