quarta-feira, 30 de abril de 2008

Não sou Anjo Nenhum, Conto

Não sou anjo nenhum
Samara Leonel

Foi a primeira frase que ela me disse. "Não sou anjo nenhum e jamais disse que era." Modo estranho de começar um depoimento. Depoimento, de resto, todo estranho. Por isso agora, expediente acabado, escrevo neste quarto de hotel. Para tirar de dentro e dormir. Desintoxicar

Não era um anjo, mas era verdade que demorou na vida para conhecer o pecado. Foi mais, mesmo, quando conheceu o homem. Antes, seus pecados eram a preguiça – para a qual logo não sobrou muito tempo, filha que era de uma família de pescadores. E um tiquinho de gula, quando a mãe fazia doce, que ela adorava. O resto não conhecia, não. Cresceu reta na vida de sol e trabalho, igreja aos domingos, aprender a rezar para que o pai e os irmãos sempre voltassem do mar. Mas um dia ele chegou.

Luxúria, diria eu; ela usou "desejo". E cobiça. Quando aquele homem de pele clara e cabelos louros chegou, ela só tinha quinze anos, mas o quis de imediato. Ela nem sabia bem pra quê, foi descobrir direito depois, mas queria. Queria a voz dele, aquele sotaque que raspava nos erres e que amolecia suas pernas, queria os braços fortes, e mais tarde, quando descobriu que os olhos dele eram verde-água e não escuros como o de toda gente, quis aqueles olhos para ela também. E desde o dia que o viu, só o queria mais ver. Mais e mais. Entrou numa consumição.

Até a mãe a deixou um dia sem trabalhar, porque a encontrou com febre. Mas a febre só fazia aumentar... À tarde disse que estava bem e pediu para ir à venda. Foi nesse dia que ela se fez notar – daí, para ele cair na sedução fácil da carne virgem que se oferecia, foi um pulo, questão de dias. Poucos dias.

Ela já tinha ouvido falar que ele tinha uma mulher, branca como ele. Mas não importava, nada importava. Era atrás dela que ele ia – e atrás das dunas de areia branca ela descobriu para que mais o queria. Descobriu que também queria o peso daquele homem entre suas coxas, que queria seu hálito e o roçar daquele cabelo fino no seu rosto. Tudo isso é comum na vida de todo mundo, mas o olho brilhante daquela menina dizendo "eu descobri o céu...", sem vergonha nenhuma, numa sala só de homens, é coisa que mexe com a gente.

A família, por sorte, era muito quieta, não gostavam de fofocas e a mãe não ia muito prosear na vila. Mas a mulher do gringo, não. Começou a assuntar, a querer saber, a seguir o marido. E, para desespero dela, o homem começou a se apavorar. Não aparecia a encontro marcado, propunha lugares cada vez mais ermos. "Por que não larga dela de uma vez e fica comigo? Porque tem tanto medo? O que te prende a essa mulher?" Ela perguntava, cada vez mais irada, e ele ria nervoso, dizia que eram coisas que ela não entenderia... Até que chegou o dia que ele não apareceu mais e mandou recado para ela, que eles deviam esperar a mulher se acalmar. "Até quando?" Ele nunca respondeu.

Ela chorou, chorou, chorou uma noite inteira no quintal, alegando para a mãe que estava com falta de ar e ia sair do quarto. A mãe estava tão cansada que nem perguntou. Procurava o gringo por tudo, mas ele desviava dela.

Até aquela tarde. Ela chegou em casa da venda e estava tudo parado, estranho. Ela sentiu um arrepio. Quando entrou, na sala de chão batido, a gringa olhou para ela com ar de vencedora. Levantou e saiu, nem se despediu da mãe ou lhe dirigiu a palavra. O rosto da mãe estava lavado de vergonha. Aquele dia ela apanhou da mãe, até o pai chegar. Então apanhou do pai, até ele se cansar. Eles não falavam, não xingavam, só batiam. Gente quieta. Dava para ver que ela falava sem ódio deles. Deles.

Ela disse que foi nessa noite que ela aprendeu a odiar a gringa, de quem antes só tinha raiva. Um ódio feio, grande, descomunal. Daí em diante ela perdeu a expressão e voltou a ter a cara que tinha no começo do depoimento.

A partir daquele dia ficou meio que presa na casa dos pais, sem muita chance de saída. Na cidade inteira chamavam ela de "a puta do gringo" – faziam em voz alta o que antes cochichavam. Para a família era vergonha grande, era filha de nunca mais casar. Mas ouviu um moleque comentar com um irmão que os gringos iam embora. Foi demais para ela. Passou aquela noite inteirinha pensando, olhando pro teto. Sem uma lágrima. Fugiu enquanto a mãe lavava roupa, com a faca de abrir peixe. Se esgueirando pela cidade, entrou na casa dos gringos pela janela e estripou a mulher branca como se fizesse isso de pequena.

Nos descreveu o modo como a derrubou com um golpe de licoreira e cada um dos doze golpes como se fosse ontem. Sem emoção, sem nojo, sem alegria.

Quando alguém disse, irônico, que ela não parecia se arrepender, ela não demonstrou vergonha. "Só lamento ter terminado de me separar do gringo para sempre. Mas ela tinha que morrer. Quando me trouxeram pra cá, sabia que estava perdida pra sempre. Daqui ninguém sai. Nem ninguém me visita, nem ele, nem mesmo minha mãe. Estou aqui há quanto? Três anos? Mas matava, matava ela de novo. E ainda mais devagar. Maldita."

Quando ela disse “maldita”, seu olho quase brilhou e me deu medo. Não, ela não era nem um anjo. Mas naquela determinação metálica, tinha algo nela que ia além do humano.



Samara Leonel é jornalista e mestranda em literatura japonesa. Acredita que as histórias estão aí pelo mundo, prontas para ser colhidas por aqueles que se permitem o exercício de se abrir para elas. Acredita também que as palavras podem mudar o mundo e as pessoas.

Fonte: LeMondeDiplomatique

A edição eletrônica de Le Monde Diplomatique é regida pelos princípios do conhecimento compartilhado (copyleft), que visam estimular a ampla circulação de idéias e produtos culturais. A leitura e reprodução dos textos é livre, no caso de publicações não-comerciais. A única exceção são os artigos da edição mensal mais recente, acessíveis no menu lateral esquerdo do site. A citação da fonte é bem-vinda. Mais informações sobre as licenças de conhecimento compartilhado podem ser obtidas na página brasileira da Creative Commons.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Vídeo de Porém, poema de Sérgio Vaz

Há alguns dias atrás foi postado aqui algumas poesias de Sérgio Vaz, e esta postagem teve uma repercussão bem positiva. Confessando desconhecer o poeta, a maioria dos que comentaram afirmam ter gostado muito do que leram. Nessa ânsia de conhecer mais sobre este artista que emana do povo, aqui vai um vídeo produzido para divulgar os versos de Porém, poema de Sérgio Vaz.

Porém - Sérgio Vaz

Belíssimo poemaclipe de Porém, emotiva poesia de Sérgio Vaz.


Porém
Sérgio Vaz


Queria ter vivido melhor,
Porém a mediocridade sempre me foi farta e generosa
Nos caminhos que escolhi para viver.

Queria ter sido mais alegre,
Porém a tristeza sempre foi companheira fiel
Nos dias intermináveis de abandono.

Queria ter amado mais as pessoas que conheci
Ou que fingi conhecer,
Porém na maioria das vezes, eu também não me conhecia.

Queria ter andado mais livre,
Porém, algemado à ignorância, perdi muito tempo
Tentando voar sem sequer saber andar.

Queria ter lido mais livros,
Porém, analfabeto de ousadia, passei muitos anos
Enxergando pelos olhos adormecido de outras pessoas.

Também queria ter escritos mais poemas
Do que bilhetes pedindo desculpas,
Porém, as palavras sempre me vieram como culpa
E não como estrelas.

Queria ter roubado mais beijos e abraços
Das meninas que andavam desprotegidas,
Protegidas pela magia da infância,
Porém, cresci muito cedo, e a timidez sempre me foi
Uma lei muito severa a ser cumprida.

Queria ter pensado menos no futuro,
Porém, o passado simples nunca foi o melhor presente
E a eternidade sempre me pareceu coisa de gente que tem preguiça de viver.

Queria ter sido um homem mais humilde
Porém, a vaidade e a ganância sempre me cercaram
De mimos e coisas que até hoje não sei para que serviram.

Queria ter pregado mais a paz,
Porém, como um covarde, gastei muita munição tentando atingir amigos e
desconhecidos que não usavam coletes à prova de balas nem blindados no
coração.

Queria ter sido mais forte,
Porém rir dos vencidos e bajular os mais ricos
Sempre me pareceu o caminho mais curto
Para o esconderijo secreto das minhas fraquezas.

Queria ter dito mais a verdade,
Porém a mentira sempre foi moeda de troca
Para comprar o respeito e a admiração das pessoas fúteis
De almas vazias.

Queria que o mundo fosse mais justo
Porém, avarento de nascença, fui o primeiro a esconder o sol na palma da
mão, antes que o vizinho o fizesse.

E mesquinho por vocação escondi as noites com lua
Para que os poetas não a cortejassem.

Queria ter dito mais besteiras,
Porém fui desses idiotas amantes das proparoxítonas
E sujeito oculto nos bate-papos de botecos de esquinas,
Onde a vida não acontece por decreto.

Queria ter colhido mais flores,
Porém o medo de espinhos afugentou a primavera.

E outono que sempre fui,
plantei inverno quando a terra pedia verão.

Hoje queria ter acordado mais cedo,
Porém temo que pra mim
Seja tarde demais.



* O poeta Sérgio Vaz fundou a Cooperifa em 2000, com o objetivo de envolver artistas da periferia em atividades como exposições de fotografia e performances teatrais em lugares que, segundo ele, são os verdadeiros centros culturais da periferia, como praças, bares e galpões. Ao final de 2002, começaram os saraus da Cooperifa, numa fábrica abandonada em Taboão da Serra, município de São Paulo; hoje, acontecem no bar de José Cláudio Rosa, o Zé Batidão, em Piraporinha. (Fonte: PortalLiteral)

Getz e Gilberto se estranharam em gravação de clássico da Bossa

Curiosidades que envolveram o antológico disco de Stan Getz e João Gilberto, publicado na coluna Você Sabia da revista Almanaque Brasil.

TROPEÇOS NA MELODIA

Em fins de 1962, músicos brasileiros apresentam a bossa-nova no Carnegie Hall, em Nova York. Dias depois, o produtor Creed Taylor, dono da gravadora Verve, acerta a gravação de um disco reunindo Tom Jobim, João Gilberto e o norte-americano Stan Getz, famoso saxofonista de jazz. No mesmo ano, Getz havia lançado Jazz Samba ao lado do guitarrista Charlie Byrd, que lhe apresentara o ritmo brasileiro.

A gravação de Getz/Gilberto levou dois dias: 18 e 19 de março de 1963, nos Estados Unidos. No disco com Byrd, o saxofonista gravara Samba de uma Nota Só, tropeçando feio na melodia do refrão. João e Tom tocaram a canção para mostrar-lhe como deveria ser, mas Getz continuava sem “pegá-la”. “Tom, diga a esse gringo que ele é um burro”, disse João. “Stan, o João está dizendo que o sonho dele sempre foi gravar com você”, repassou Jobim, em tradução livre. “Engraçado. Pelo tom de voz, não parece que é isto o que ele está dizendo...”, observou Getz.

Quanto mais aos sussurros João Gilberto queria cantar, mais Getz insistia em soprar como se tivesse foles gigantes no lugar de pulmões ou como se o microfone fosse surdo, descreve o escritor Ruy Castro. João Gilberto também acusou Getz de reequalizar o disco para deixar seu saxofone ainda mais evidente.

Mais um acontecimento fora dos planos: Astrud Gilberto, esposa de João, queria cantar Garota de Ipanema em inglês, dividindo a faixa com o marido, que cantaria em português. A experiência deu tão certo que Taylor pediu para repetirem a fórmula em Corcovado.
O disco ficou quase um ano na gaveta do dono da gravadora. A faixa escolhida para antecipar seu lançamento foi Garota de Ipanema. Como a gravação era um tanto longa para tocar nas rádios, Taylor simplesmente limou o vocal de João Gilberto. E foi um sucesso. A música puxou o disco, que vendeu milhões, levou prêmios Grammy e virou clássico da música mundial. (RC)


SAIBA MAIS
Chega de Saudade – A história e as histórias da Bossa Nova, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 1990).


Fonte: AlmanaqueBrasil

O Almanaque Brasil está sob licença Creative Commons. A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não-comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores.


Corcovado - João Gilberto, Astrud Gilberto e Stan Getz

Astrud e Joao Gilberto/Stan Getz


Garota de Ipanema - João Gilberto, Tom Jobim, Astrud Gilberto e Stan Getz

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Entenda o que é Copyleft

O símbolo de copyleft é um "c" invertido
Aqui vai a reprodução de um artigo bem interessante publicado na revista online Grito Magazine, de autoria de Rafael Rez Oliveira (Wally), intitulado Para entender o Copyleft. Wally faz uma breve e esclarecedora explicação sobre o que seria o tal do copyleft, que, em tese, é o oposto ao copyright e também uma das alternativas para a democratização do acesso à informação e cultura. Vale ressaltar que o Música&Poesia fomenta e é totalmente a favor do copyleft, do creative commons, do domínio público, da informação colaborativa e de todos outros meios e licenças que estimulam a Cultura Livre. Este blogue dá sempre prioridade para a informação e cultura que provenham de veículos e artistas que igualmente acreditam na liberdade e no conhecimento compartilhado. O próprio Música&Poesia está licenciado sob uma licença creative commons, que permite copiar, distribuir, exibir e executar a obra e também criar obras derivadas; sob as seguintes condições: que se dê crédito ao autor original, que o utilizador não utilize esta obra para fins comerciais e se alterar, transformar, ou criar outra obra com base nesta, só poderá distribuir a obra resultante através de uma licença idêntica a esta. Isso tudo para que o conhecimento siga e se perpetue livremente.
Yerko Herrera

Para entender o Copyleft
por Rafael Wally


A natureza do copyleft é ainda controversa para a maior parte das pessoas. O conceito não tem uma definição única, ainda carrega muita ideologia e como toda ideologia, depende um pouco da "paixão" de quem a abraçou e da adesão de novos simpatizantes.

Não é fácil querer subverter na cabeça do mundo todo o conceito de copyright, tão natural dentro do pensamento monetarista e individualista que toma conta da sociedade há décadas. Nem é simples divulgar algo que vai contra os principais interesses da maior parte das empresas do mundo todo, uma vez que os royalties - fruto direto do copyright - financiam corporações nos quatro cantos do planeta.

Mas... (e tem sempre um mas) quando o desafio vale a luta, só desiste quem realmente não acreditava.

Um dos aspectos positivos do copyleft é a capacidade de formar comunidades em torno dos mais diversos temas. O conhecimento é compartilhado dentro das comunidades, mas não é escondido por elas. Pode ser acessado por qualquer um que abrace a causa ou ainda que se interesse em ficar melhor informado. E justamente por este motivo o copyleft ganhou a simpatia e se tornou a causa de muitos pensadores, estudantes, profissionais e acadêmicos que se interessam pela informação livre, nas mais diversas áreas do conhecimento.

O problema é quando o copyleft é distorcido de seu objetivo inicial - tornar a informação livre e acessível ao maior número de pessoas - e transformado em informação restrita novamente, sendo vendida sem crédito aos seus autores e rendendo lucros a quem não mexeu uma palhaon para compartilhar idéias e conceitos.

Mas peraí... copyleft não é livre? Porque citar o autor (ou a fonte)? A chave do entendimento pode estar nesta simples dúvida, que acomete a todos no primeiro contato com a idéia do copyleft. Informação livre, conhecimento livre, divulgação livre, mas vindos de algum lugar. Alguém pensou primeiro, depois pesquisou, discutiu, reuniu dados, cruzou informações e gerou conhecimento. Portanto é autor da obra. Seja um simples texto ou até um livro, tudo que tem autor tem fonte. E no ambiente digital e hipertextual (internet, para ser mais claro), tem link.

O cerne está na fonte (e no link). Quem é autor pode abrir mão de lucro direto vendendo a obra, mas não abre mão da reputação. É ela quem garante ao autor o reconhecimento de seu trabalho e leva à contratação para aplicar seu conhecimento: uma consultoria, uma pesquisa direcionada, um artigo, um treinamento, aula, curso, palestra ou qualquer forma de trabalho que traga indiretamente o retorno pelo copyleft praticado.

Isto não significa que praticar copyleft seja procurar fama. Se for entendido assim, não foi entendido.

O copyleft é, acima de tudo, o domínio público do conhecimento.

"Os investimentos em conhecimento geram os melhores dividendos."
(Benjamim Franklin)


Leia também:

O poder transformador da informação livre

Para saber mais sobre Copyleft:

Sobre copyleft e reputação:Marketing Hacker. Vide livro homônimo do mesmo autor, Hernani Dimantas.

Lawrence Lessig e o Direito Autoral, por Michael Stanton:http://www.estadao.com.br/tecnologia/coluna/stanton/2002/fev/17/21.htm

O que é copyleft? O Projeto GNU e a Fundação para o Software Livre:http://www.gnu.org/copyleft/copyleft.pt.html

Rafael Rez Oliveira (Wally) Arquiteto de Informação, é responsável pelo marketing da Lógica Digital e consultor de usabilidade da Interactis. Editor do Grito Magazine, escreve também para os portais WebInsider, VIRAweb, EconomiaBr.net e iMasters. Mantém o Blog: Ex Vertebrum.

Fonte: Grito - Grito.com.br Informação livre. Permitida reprodução dos conteúdos exclusivos desde que citada a fonte.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Sérgio Vaz, o poeta da Periferia

Abaixo algumas poesias do poeta Sérgio Vaz, poeta da periferia e idealizador da Cooperifa.


Musa

Ai de mim
Quando tu passas
Com teus lábios
Fazendo pirraças,
Teus seios pequenos
Apontados pra lua,
Meus pêlos eretos
Te querendo nua!
Ai de mim
Que no cansaço da noite
Te imagino em meus braços,
Atada nos beijos,
Solta em desejos
De afoita emoção!
Delírio de gozo
Que esvazio na palma da mão.


Liberdade

Não quero que me tenhas,
Nem eu a ti.
Te quero livre,
A mim também.
Furta o brilho do sol.
Eu, o frescor da lua.
Leva sorriso ao vento.
Eu, pernas na rua.
Serás manhã.
Eu, entardecer.
Seremos maçãs
No pecado de viver.


De Todos os Hinos

De todos os hinos
Entoados em louvor às revoluções
Nos campos de batalhas,
Nenhum, por mais belo que seja
Tem a força das canções de ninar
Cantada no colo das mães.


Espermatozóides

Gandhi
Hitler
Zumbi
Willian Simmons
Che Guevara
ACM
Marilene Felinto
Vera Loyola
Leci Brandão
Sandy
Renato Russo
Júnior
Padre Jaime
Edir Macedo
GOG
KLB
Heloísa Helena
Tiazinha
Lula
Maluf
José Arbex Jr.
Paulo Coelho
Zilda Arns
Hebe
Racionais MC's
Harmonia do Samba
Draúzio Varella
Ivo Pitangui

Meu Deus!
Como os espermatozóides
são contraditórios.


Estrelas Cadentes

No universo,
Os deuses,
Em forma de estrelas,
Brincavam de esconde-esconde
Feito crianças mágicas.
Aqui, na terra,
Algumas pessoas
(sérias mortais),
Julgavam-no estrelas cadentes.
Faziam pedidos
De esperança, futuro melhor,
E até casamento...
Mal sabiam que era apenas brincadeira.


Anjo Torto

Ao longo do tempo
Tenho descoberto em você
A vontade de viver.
Soprando aos seus ouvidos
Todas as minhas vontades.
Devorando cada momento
Com fome de liberdade.
Troquei minhas raízes
Por duas asas invisíveis.
Tenho voado ao seu redor
Como um anjo irresponsável,
Não para velar o seu sono,
Mas para assistir ao seu despertar.


Palco

Seguem os meninos
Deslizando na avenida.
Vendem dropes na caixinha de papel,
Tentando um papel
No palco desta vida.
Em cada esquina,
Uma platéia diferente
Bate palmas e não sente
Que este ato não termina.
No asfalto,
Cenas fortes
No frágil nu do corpo.
Vestem lágrimas
Maquiadas de sorrisos
Que desbotam na luz fria da noite:
Bastidores da verdade.
Seguem os meninos
No palco da vida,
Representando o verdadeiro
Papel.


Sérgio Vaz por Eduardo Toledo
A poesia na vida de Sérgio Vaz sempre foi constante e presente. Nem por isso o acompanha desde moleque. Começou a escrever com vinte anos e hoje, aos trinta e nove, continua viciado e assume esse vício com prazer.
As poesias de Sérgio Vaz muitas vezes são duras, lembram, quase sempre, as letras do rap, ritmo tão difundido e admirado nos guetos. Outras vezes é aveluda, doce, quase melada. Quase sempre, porém, sua poesia é uma bandeira a favor do inconformismo, um soco no estômago dos indiferentes. Mas uma marca que é própria de Sérgio Vaz é que sempre sua poesia é verdadeira.
Sérgio Vaz chega a ser ingênuo porque acredita de verdade nas suas utopias (palavra tão pecaminosa nos dias de hoje). É talvez por isso que tantas pessoas se identificam com suas poesias e com o seu jeito de ver a vida.
Acreditar. Essa é uma palavra que deveríamos aplicar com mais freqüência em nossas vidas. O trabalho de Sérgio Vaz só existe porque ele acredita no que faz e escreve. É por gente como ele que ainda tenho certeza que a realidade pode não ser como queremos, mas o nosso mundo é como o fazemos.
Quem é Sérgio Vaz
Ele é autor dos livros Subindo a ladeira mora a noite, A margem do vento, Pensamentos vadios e A poesia dos deuses inferiores; todos eles publicados independentemente, com o apoio da Cooperifa e da Faculdade Taboão da Serra. Criou o projeto "Poesia contra a violência", foi curador do livro O rastilho da pólvora, antologia poética do sarau 43 poetas e participou do seminário "Arte na periferia" (literatura, música e cinema), em parceria com o Itaú Cultural. Ele escreveu na revista Literatura marginal, criada pela Caros Amigos e participou do livro Hip-Hop a lápis. Recebeu o Prêmio Heróis Invisíveis, dado pelo jornalista Gilberto Dimenstein. Muito próximo do movimento hip-hop, Sérgio também teve participação poética nos cds dos grupos Sabedoria de vida, GOG, 509-e e grupo 2ho.

Além disso tudo, Sérgio realiza, todas quartas-feiras, o sarau da Cooperifa, movimento de resistência cultural que vem aumentando cada vez mais. Cerca de 500 pessoas se reúnem no bar do Zé Batidão, para recitar textos e poemas. Por seu caráter revolucionário, o projeto repercurtiu nacionalmente e apareceu tanto nas telinhas quanto na mídia impressa (Folha de São Paulo e outros jornais).
Fonte poemas, texto de Eduardo Toledo e imagem: Sérgio Vaz saite oficial
Fonte "quem é Sérgio Vaz": LeiaLivro

sábado, 19 de abril de 2008

Documentário sobre os Índios Caiapós

Assista Índios, documentário que faz parte da série Som da Rua.

Sinopse
Em 1991, um grupo de índios caiapós da grande aldeia Gorotire formou uma dissidência e partiu para fundar uma nova aldeia, a Juarí, nos limites da reserva. Acreditavam que os hábitos de consumo dos brancos haviam tomado conta da tribo e deviam retirar-se para mais longe, com suas famílias, e então retomar seus costumes ancestrais. Este programa registra os cantos e danças com que celebraram a fundação da nova aldeia. Um ano depois, esta experiência de volta às origens fracassou, a aldeia foi abandonada e os índios de Juarí retornaram para Gorotire.

Assista o Documentário Índios - Som da Rua aqui

Gênero Documentário
Diretor Roberto Berliner
Ano 1997
Duração 2 min
Cor Colorido
Bitola 16mm
País Brasil

Ficha Técnica
Edição Piu Gomes Direção de Arte Raul Mourão Som Renato Pereira Produção Executiva Renato Pereira Direção de Fotografia Paulo Violeta

Prêmios
Menção Especial do Juri no Mostra Internacional do Filme Etnográfico/RJ 1998
Sol de Prata no Rio Cine 1997


Índios é Parte da série Som da Rua 1, 37 Eps. X 2' (Dur. Média)

Fonte: PortaCurtas



Curtas do mundo inteiro no OutroCine 
http://outrocine.blogspot.com - Mostra permanente de cinema

O Guarani, de José de Alencar - Completo pra Baixar

Em homenagem àqueles que primeiro estavam nestas terras, aqui um clássico da literatura brasileira completo pra baixar. O Guarani (1857), de José de Alencar, livro de domínio público, na íntegra pra download.

ou
Ouça o livro falado (arquivo .ra)


O Guarani
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


O Guarani é uma obra de José de Alencar, publicada em 1857, que fez o escritor romântico atingir a fama. Foi e é um livro muito vendido, antecedido pela obra A Viuvinha do mesmo ano. É leitura obrigatória em muitos vestibulares brasileiros.

O advento da brasilidade


Escrito e publicado sob a forma de folhetins para o Diário do Rio de Janeiro entre 1º de janeiro e 20 de abril de 1857, o romance O Guarani obedece a um ritmo de trabalho frenético que marcou a escrita da obra, assim registrado pelo autor:

"O meu tempo dividia-se desta forma. Acordava por assim dizer na mesa de trabalho e escrevia o resto do capítulo começado no dia antecedente para enviá-lo à tipografia. Depois do almoço entrava por novo capítulo, que deixava em meio. Saía então para fazer algum exercício antes do jantar no Hotel Europa. À tarde, até nove ou dez horas da noite, passsava no escritório da Redação, onde escrevia o artigo editorial e o mais que era preciso".

Aos 27 anos o escritor vê seu trabalho reconhecido pelo público. O seu primeiro romance de fôlego dá início ao projeto de fundação de uma literatura brasileira autônoma. A obra enuncia o advento da brasilidade, "encarnada na submissão do índio aos desígnios do colonizador europeu". Sobre a forma épica adotada no romance, o autor escreveu:

"Representa o consórcio do povo invasor com a terra americana, que dele recebia a cultura, e lhe retribuía nos eflúvios de sua natureza virgem e nas reverberações de um solo esplêndido. (...) É a gestação lenta do povo americano, que devia sair da estirpe lusa, para continuar no Novo Mundo as gloriosas tradições de seu progenitor."

No primeiro momento, o romance aborda a descrição da civilização representada pelos domínios de D. Antônio de Mariz, fidalgo português que nos fins do século XVI, fiel ao projeto colonizador da coroa portuguesa - submetida naquele período ao domínio espanhol, instala uma fazenda às margens do rio Paquequer. O segundo período, marcado pelo ataque dos Aimorés lança por terra a esperança de uma sociedade portuguesa no solo brasileiro. Por fim, o momento do renascimento, a união de Ceci e Peri. O final é aberto, sugerindo a fusão de europeus e índios cristianizados e submissos como a fundação da nacionalidade brasileira.

Classificado geralmente em romance-histórico, tem 54 capítulos divididos em 4 partes: Os Aventureiros, Peri, Os Aimorés e A Catástrofe. Tem como personagens principais D. Antônio de Mariz, sua mulher D. Lauriana, seus filhos D. Diogo e D. Cecília (Ceci) e sua sobrinha D. Isabel(que na verdade é sua filha), Loredano, Aires Gomes, Alvaro de Sá e o índio Peri.

A obra se articula a partir de alguns fatos: a devoção e fidelidade de Peri, índio goicatá, a Cecília; o amor de Isabel por Álvaro, e o amor deste por Cecília; a morte acidental de uma índia aimoré por D. Diogo e a consequente revolta e ataque dos aimorés, tudo isso ocorrendo com uma rebelião dos homens de D. Antônio, liderados pelo ex-frei Loredano, homem ambicioso e mal-caráter, que deseja saquear a casa e raptar Cecília.

Alvaro, que já conhecia o amor de Isabel por ele e também já a amava, se machuca na batalha contra os aimorés. Isabel, vendo o corpo do amado tenta se matar asfixiada junto com o corpo de Alvaro, quando o vê vivo tenta salva-lo, porém ele não permite e morrem juntos.

Durante o ataque, D. Antônio, ao perceber que não havia mais condições de resistir, incumbe Peri à salvar Cecília, após tê-lo batizado como cristão. Os dois partem, com Ceci adormecida e Peri vê, ao longe, a casa explodir. A Cecília só resta Peri.

Durante dias Peri e Cecília rumam para destino desconhecido e são surpreendidos por uma forte tempestade, que se transforma em dilúvio. Abrigados no topo de uma palmeira, Cecília espera a morte chegar, mas Peri conta uma lenda indígena segundo qual Tamandaré e sua esposa se salvaram de um dilúvio abrigando-se na copa de uma palmeira despendida da terra e alimentando-se de seus frutos. Ao término da enchente, Tamandaré e sua esposa descem e povoam a Terra.

As águas sobem, Cecília se desespera. A lenda de Tamandaré parece que irá se repetir.

Foi republicado por várias editoras desde que se lançou o original, mas todas mantiveram a mesma versão. Atualmente a obra se encontra no domínio público.

Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre

Fonte Livro: DomínioPúblico

Fonte Livro Falado: BibliotecaVirtualdoEstudantedeLínguaPortuguesa

Dia do Índio

DEPOIS DO PORTUGUESES ELES SÓ TÊM UM DIA
Índio Tapuia
Dizimados em mais de 500 anos de contatos, resta-lhes o 19 de abril, o Dia do Índio. Primeiro a chegar a estas terras, para começar são impropriamente chamados de índios, pois em 1492 Colombo acreditava ter chegado à Índia, daí a denominação equivocada.

Todo o continente estava ocupado, fazia milênios, por vasto número de nações e etnias distintas. Falavam milhares de línguas e tinham hábitos tão variados quanto os europeus. Com o movimento romântico do século 19, o tupi ou guarani, estilizado, tornou-se símbolo da nacionalidade, inspirando José de Alencar a escrever O Guarani; e Carlos Gomes, a compor a ópera de mesmo nome, inspirada em Alencar. O Brasil de hoje possui apenas os fragmentos de um vasto universo.

Fonte: AlmanaqueBrasil


O Almanaque Brasil está sob licença Creative Commons. A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não-comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Um Apólogo, conto de Machado de Assis

Um Apólogo

Machado de Assis


Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você é imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:

— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!


Publicado originalmente em Gazeta de Notícias 1885

Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.


Fonte: Releituras


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sábado, 12 de abril de 2008

Rapper Xis disponibiliza na rede último trabalho

Xistape vol.I - Xis

É Xis na fita!
por
João Xavi

Apelidado Xis, um dos nomes mais influentes e polêmicos do hip-hop brasileiro está de volta à cena. Na ativa desde o início dos anos 90, época em que integrava o grupo DMN (autores do clássico H.Aço), Xis acompanhou a ascensão e assistiu a queda da popularidade do Rap no Brasil. O fenômeno teve como marco Sobrevivendo no inferno (1998), disco do Racionais MC´s que vendeu mais de um milhão de cópias e abriu espaço para o rap na grande mídia. Neste processo Xis cometeu dois discos solo: Seja como For (2000) e Fortificando a desobediência (2001). Em 2002 colocou outros grupos em evidência com a coletânea Xis Apresenta: Hip-hop SP, distribuída em bancas de jornal por todo Brasil.

Depois de quase seis anos sem colocar um som novo na pista o preto-bomba de Itaquera ataca com sua primeira mix-tape, batizada com o trocadilho Xistape Vol. 1. Cabe aqui falar um pouco sobre o que é uma mix-tape, formato que vem se popularizando cada vez mais entre produtores e apreciadores das batidas e rimas. Como bem propõe o nome, a mix-tape surgiu quando DJ´s e MC´s começaram a gravar fitas com músicas mixadas em seqüência. A princípio o formato colocava a prova tanto a habilidade do DJ, em sua capacidade de mixar diversas batidas, como a do MC, na função de cantar mesmo em cima de batidas que não eram suas originais.

Nos últimos anos a mix-tape vem sendo usada para popularizar o trabalho dos MC´s. É um formato onde os rappers exibe versões distintas de músicas antigas e pequenas prévias dos sons que constarão em um futuro álbum. A Xistape é recheada com algumas das melhores produções da carreira do rapper, mescladas entre versões originais, remixes e trechos de músicas novas. A diferença é que, nesse caso, a Xistape se coloca como um produto concluído em si mesmo, não apenas uma ferramenta que abre os trabalhos de um novo disco, Xis explica que: “São tracks novos, lados B, remixes e alguns sucessos. Uma ou outra coisa nova. Na real a Xistape é uma homenagem a cultura dos DJs, e é dedicada a todos os DJs que eu trombei no role até hoje. Seja no palco, no estúdio, nos clubes ou nas rádios”. O mérito pela produção da mix-tape é dado ao DJ RM: “Ele é muito talentoso, e apenas uma pessoa com talento poderia executar este trampo. Sem o RM esta mix-tape não iria acontecer”.

Xis em apresentação no Instituto Ayrton Senna
A percepção das mudanças no formato de produção, distribuição e consumo da música também impulsionou Xis a realizar a mix-tape. “No caso do primeiro (disco) que lancei, eu mesmo fiz o corte da master do vinil, ele saiu em fita k7 também. Olha só quanto tempo... Hoje em dia nem se lança mais discos em vinil. O esquema é subir o mp3 para a internet”. Foi o próprio rapper que jogou a mp3 (é um arquivo só, com mais ou menos 35 minutos de músicas seqüenciadas) na rede, em poucos meses a Xistape já bateu a casa dos 14 mil downloads, “a internet é o caminho mais rápido, direto e barato, hoje em dia. Sorte de quem gosta de música”. Depois de circular por grandes gravadoras, pequenos selos, tocar ao lado de figuras como Cásia Eller Xis segue na ativa. No melhor estilo “a volta do que não foi”, o rapper provoca: “pra quem acha que o Xis parou? Escuta a Xistape, depois me fala”.

Fonte: Overmundo

O Overmundo adota como política geral de publicação uma licença Creative Commons.


Baixe aqui o arquivo completo da Xistape (mp3)

Este arquivo está sob uma licença Creative Commons - Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil. Confira cópia da lincença aqui.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Pro Santo, suspense em conto

Pro Santo
Alessandro Araújo

Enxerguei-a, riscando círculos com uma pedra vermelha, em uma das faixas de pedestre, mirando o semáforo. O sinal verde se acendia. Ela delineava círculos. Os carros passavam.

– Quer morrer?

Riu e correu. No breu foi até a outra esquina, ajoelhou-se e esboçou mais circunferências no asfalto.

Acendi um cigarro antes de engolir de uma vez a cachaça que o barbudo serviu. Voltei os olhos para a esquina e a Figura assustou-se com o sinal vermelho. Eu estava distante, mesmo assim pude ouvir sua voz de fome:

– A verdade está de olhos famintos. Franziu a testa, mas ao iluminar da luz vermelha estarreceu-se e fugiu. Os carros buzinavam.

– Sai!

A boemia comentou assim como eu, aos berros, que igualmente beberiam. Estiquei o pescoço e fracassei, não a vi. Sentia frio, aquele agasalho que conquistei no inverno passado estava aos trapos, meus sapatos velhos e cabelos gosmentos. O barbudo era plena desconfiança. Implorei a última dose como um político por voto. Ele botou menos do que uma dose, bateu o copo no balcão raspando em meu dedo indicador. Degustei vagarosamente exibindo minha boca umedecida para o barbudo. Olho por dente, quem me disse outra vez foi a Figura. No último gole fiz charme de gatuno, olhei as horas, levantei-me, penteei meus cabelos e abri a carteira. Joguei duas notas e dei as costas.

Caminhei para a esquina observando as faixas, categorizei os círculos vermelhos. Disfarcei cuspindo ao chão e pisei, foi o lembrete de meus sapatos podres, quando senti um dos meus pés umedecer. Forcei a memória, foi por esta rua que ela entrou. Instantaneamente girei meu tronco franzino. Nada. No relance avistei mais uma circunferência, pequena e fina, delicadamente toquei. Estava fresca porque dela ainda saía poeira, me enchi de alegria infantil pela possibilidade abrupta de reencontrá-la. Como se visse pinga em encruzilhada balancei-me todo, enquanto a chama do cigarro clareava meus lábios na escuridão.

Em frente havia um motel e o luminoso falhava. Lia-se MO, depois TEL e no terceiro piscar do ciclo MOTE. Havia um menino sentado atrás, em um caixote, segurava uma sacola plástica. Levava até a boca e colava-se. O rastro do risco dava no motel. Cobri-me de lucidez colocando as mãos no bolso. Estufei o peito ao ouvir ranger a porta do motel. E de lá um senhor engravatado abriu sociável sorriso. Convidava citando preços, mas em meus bolsos apenas as mãos. Tentei perguntar o paradeiro da Figura. O intratável apontou as promoções da noite. O menino iniciou meu silêncio quando gargalhou. Percebi o dano que causaria a minha imagem racional. Neguei-me. Calei-me e imitei o menino. Aos passos pigarreei em direção a esquina seguinte.

Quando foi a última vez que ela sorriu para mim. Estas lembranças. Isto sim era felicidade. Meu nome quem se lembra? A mim já basta. Sentado sentia felicidade de ganho no bicho acariciando a aguardente com a língua. Era assim que a Figura ria para mim. Em noite igual, sentado como aquele menino. Idêntico. Mas em meu estilo clássico. Ela de saía jeans e andar malicioso nas más línguas. Segurava como se fosse soltar ao chão aquela garrafa lacrada. Fitava-me insinuando a certeza.

– Dê-me um cigarro? Servi-a, calmo. Mas não disse uma frase, maldita! Estávamos no vale do Anhangabaú deitados bebendo e olhando o céu escuro. Ébrio momento de ágeis línguas. Depois de tudo, ela passeava os dedos em meu rosto gasto. Murmurava docemente:

– Meu único de graça!

A cada pisar a nostalgia ia de encontro aos círculos. Ela só podia ter se escondido lá. Clareava minhas idéias nuas. Sem pestanejar já estava com as luzes piscando sobre meu casaco. O engravatado não perdeu tempo comigo. Desisti. Não entendia os círculos, mas só podia ser ela. Não havia possibilidade de adentrar aquele motel sem notas, os seguranças me botariam pra fora às tapas. A angústia tomou-me conta. Mais três quarteirões eu chegava ao terminal Bandeira. Parado ofegava na fila do ônibus. Rapidamente se encheu. Pedi ao cobrador para passar por baixo. Autorizou-me como um ditador. Os olhos dos passageiros faziam minhas ações lentas. Envergonhado abaixei a cabeça e retirei os papéis. Falei, como um advogado pelo seu cliente: “Meussenhores e senhoras. Tenho trêsfilhos e tô desempregado. Pesso que mi ajude pelo amor de Jesus sagrado. O médico disse que minha bixiga não pode ter mijo. E tenho que toma rimédio caro. Não arrumo imprego. Me ajude pois quem divedi o pão, Jesus dá im drobo. Obrigado e desculpa o imcomodo. E o santo lhe acompanhe!”. Era exatamente o que estava escrito. Mas aqueles gestos e trajes tornavam-me cego, mudo, surdo e invisível para os passageiros. A velhinha do último banco reclamou do mau cheiro. O jovem gordo não esperou o papel chegar até ele. Levantou-se desabotoando o terno. Abriu a palma de minha mão em três notas gritando:

– Irmãos! Deus disse para não julgarmos os outros! Para não oprimir os vagabundos e parasitas da sociedade! Não Julgarás para não ser julgado! Não ouvi o resto. Timidamente agradeci e dei o sinal para descer.

Em alguns metros da avenida Nove de Julho, um adolescente caído de bêbado. Vasculhei seus bolsos. Descobri três notas. Ele não obteve sucesso em reagir, andei apressado. Vi minha felicidade no letreiro, MOTE. O engravatado interrogou-me:

– Quanto?

– Cinco notas.

– Só!

– Como só? Não era isso?

– Vai! Vai! Sobe e não me enche! No fim das escadas o néon, o balcão e mulheres nuas. Girei no centro do salão. Adentrei pelo corredor, três quartos. Gritei pela Figura. Arrombei a porta de um deles com o pé. Em um tempo curto, fui preso pelas costas e jogado escadas a baixo. O menino assoprou a sacola e gargalhou. Desesperadamente limpei-me das vergonhas resmungando. Num sopro saltei do chão. Fracassado, andando pelos becos. Um assombro me deu no caminho da Praça da República, naquela rua famosa. A Barão. Um círculo mais forte e vermelho que os outros. Eu o tocava curioso. Quando escondido atrás do banco. Foi ali, a última vez que a vi. Grande Figura. Triste e vermelha Figura. Rodeada por cinco homens, sem pudor. Surravam. Espancavam. Em uma das faixas de pedestre.

Acordei. Levantei meu rosto que estava colado. Foi sonho. O barbudo bateu o copo no balcão raspando em meu cotovelo, levantei-me bruscamente. Sem remorso, levantei o copo, joguei a metade da cachaça no chão e berrei:

– Pro Santo! A boêmia riu extasiada. Olhei as horas, levantei-me, penteei meus cabelos e abri a carteira. Joguei duas notas pro Barbudo e dei as costas.

Alessandro Araújo é escritor.


Fonte: CarosAmigos

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Cazuza, por ele mesmo

Cazuza em foto do Jornal O Globo, 1988

Ainda no clima de aniversário do Cazuza, segue um texto sobre o mesmo, que na verdade é uma compilação de diversas entrevistas concedidas pelo Cazuza entre 1983 e 1989. Ali está registrado muito de quem foi este homem e, principalmente, como surgiu a essência deste artista. Suas alegrias e angústias, influências musicais e literárias, convicções e temores, tudo neste texto praticamente autobiográfico. Vale a leitura pra quem é fã e também pra quem não é.


Cazuza, por ele mesmo
Cazuza - 1990

A minha música faz parte de uma história que começou quando o meu avô, dono de um engenho em Pernambuco, resolveu morar em cima do areal do Leblon (Rio de Janeiro), como terceiro morador da região. Ali nasceu meu pai, João Araújo, que se casou com uma moça linda, Lucinha, que cantava como um passarinho. Uma mulher que se tornou importante no cenário musical e que teve, numa das primeiras novelas da televisão, sua gravação da música "Peito vazio" (de Cartola) incluída na trilha sonora. Gostava de vê-la cantando e penso que isso influiu muito no meu futuro.

Meu pai também pesou muito. Ele sempre transou disco e, quando eu era menino, tinha a casa cheia de artistas. Eram cantores que chegavam e saíam o tempo todo. Conheci Elis Regina, os Novos Baianos, Jair Rodrigues, que gostava de brincar de me jogar para o alto, e outros cantores. Na nossa casa, se respirava música o tempo todo.

Naquele tempo, queria ser um grande arquiteto e só me interessava em ficar fazendo mapinhas da cidade, traçando ruas e desenhando edifícios. Essa mania acabou quando resolvi fazer vestibular e percebi que não dava pra matemática. Como fazia mapas, fazia poesia às escondidas de meus pais, porque era um romântico, um cara cheio de dores-de-cotovelo.

Ser filho único, por um lado, é bom; por outro, não. Meu pai e minha mãe, por força da vida profissional, tinham de frequentar a vida boêmia - o que acabei herdando deles também - e me deixavam sempre com a minha avó materna. Ela era uma mulher fantástica, muito louca, aberta e deixou um grande buraco na minha vida quando morreu. Fiquei sozinho, sem um irmão para dividir comigo as alegrias e mágoas. Não tive coragem de me abrir com os meus pais sobre minha vocação poética, porque pensava que iam dar o contra. Então, com minha avó, discutia versos, rimas. Ela foi a pessoa que mais influiu na minha infância e adolescência. Meu pai e minha mãe não eram repressores. Já aos 13 anos, tinha a chave de casa e o carro de meu pai para dirigir.

Conheci o sexo tarde, aos 15 anos. Meus amigos todos há muito já transavam mulheres e eu ficava apenas preocupado com o lado romântico da coisa. Por isso, nunca procurei prostitutas como meus amigos e só conseguia um relacionamento se a parceira era minha namorada. A primeira foi uma moça mais velha e me deu grandes lições de sexo. De cara, tirei diploma. Aí, saí dali e contei tudo ao meu pai. Já pensei em me unir a alguma mulher, porque me sinto muito solitário.

Mas não consigo encontrar alguém que me entenda e, a essa altura, já não sei dividir mais nada, muito menos apartamento. Já não tenho saco pra ser cobrado de nada e dificilmente as mulheres entendem que gosto de ficar sózinho com meus versos, escutando música ou simplesmente em silêncio. Já cheguei a viver com uma e não deu certo. Sempre fui um cara certinho, sem as rebeldias dos jovens atuais. Claro que algumas vezes dava minhas fugidinhas de casa, mas sempre voltava como um bom menino.

Aos 17 anos, comecei a descobrir que minhas poesias podiam ser letras de músicas, mas só assumi isso aos 23 anos, quando entrei no Barão Vermelho. Antes disso, procurei conhecer tudo sobre teatro, pois sabia que era um bom veículo pra me tornar cantor. Fui falar com o Perfeito Fortuna, do Circo Voador, para entrar no seu curso de teatro. Comecei, então, a ensaiar a peça do curso, "Pára-quedas do coração".

Cheguei a me empolgar no dia da estréia, quando o Léo Jaime, que também estava na peça, me falou que conhecia um grupo musical que estava se formando e procurando um vocalista. Era um tal de Barão Vermelho. Fui, no dia seguinte, ao encontro deles e minha história começou.

Dei de cara com quatro garotos fazendo um som que era um esporro: Roberto Frejat (guitarra), Maurício Barros (teclados), Dé (baixo) e Guto Goffi (bateria). O Dé tinha 16 anos e os mais velhos eram o Frejat e o Guto, que tinham 18. Eles não sabiam que eu era filho do presidente da Som Livre. Eram apenas um bando de garotos que não se tocavam para quem fosse o filho desse ou daquele pai importante. Queriam apenas fazer som, sucesso e despertar a atenção do público. Começamos em showzinhos por aí, em noitadas underground.

Quase um ano depois de termos feitos muitos shows, o Ezequiel Neves se dignou a escutar uma fita do Barão. Ele fez o maior escândalo e, como era produtor da Som Livre, foi convencer o Guto Graça Mello, diretor artístico da empresa, a gravar o nosso disco. Ele também topou, dizendo que havia ficado impressionado com a agressividade do grupo. Era pegar ou lagar, porque sentiu que poderíamos ir para outra gravadora. Meu pai não aceitou a idéia facilmente, mesmo diante dos argumentos do Zeca e do Guto. Foi todo o tempo contra. Acreditava que a crítica iria me crucificar e a coisa ficaria parecendo um lance de puxa-saquismo, de proteção ao filhinho do patrão. Mas gravamos nosso primeiro disco em 48 horas de estúdio, uma coisa completamente garagem. E, ainda por cima, o som do estúdio acentuava um defeito meu, o de ter a língua presa. Eu ciciava escandalosamente. Lógico que as rádios não tocaram, pois fugia totalmente ao padrão radiofônico.

Mas aconteceu que o Caetano Veloso estreou no Canecão o show "Uns", incluindo no repertório "Todo amor que houver nessa vida", música de Frejat com letra minha. Logo depois, estouramos "Pro dia nascer feliz", do nosso segundo disco, e, em seguida, veio "Bete Balanço", tema do filme de Lael Rodrigues. Nosso terceiro LP, "Maior abandonado", nos deu um disco de ouro. Aí, a batalha estava ganha.

Os atritos com o Barão começarão por ocasião do Rock in Rio. Era bem ciumeira de garotos instigada pela imprensa, que sempre me colocava à frente deles em entrevistas, ou mesmo pelo público, que sempre gritava meu nome nos shows. Me bateu aquele negócio de filho único que não divide nada com ninguém, que sempre tem de fazer o gol porque a bola é dele. E também no rock’n’roll não pode haver dor. E estava pintando dor. Eu queria fazer coisas, eles discordavam.

Estávamos prestes a entrar em estúdio para gravar o quarto LP quando resolvi cair fora. Foi ótimo para os dois lados. A dor acabou, continuei superamigo deles, minha parceria com o Frejat ficou melhor ainda e "it’s only rock’n’roll and we like it"!

Meus pais foram muito compreensivos quando comecei a dizer em entrevistas que era bissexual. Só achavam que eu estava exagerando, me expondo, mas esse é o papel deles. Se há alguma coisa errada, é comigo. Procuro as respostas através da vida. Quando ficar velhinho e morrer, ninguém vai mais lembrar deste meu lado. Só a música vai ficar. É só isso que o público vai levar do Cazuza.

Pra compor, não planejo absolutamente nada. Acho que sou a pessoa mais desorganizada que você pode imaginar. Tudo me acontece de supetão, porque nunca sei como a coisa vai sair. Agora, quando a inspiração vem, sou caxias mesmo, muito sistemático. Quando sento à mesinha para trabalhar, faço mesmo. Se a idéia não pinta, puxo por ela até acontecer. Só sou disciplinado para trabalhar. Pode ser até as quatros horas da manhã. Mas se começo uma letra, ela tem que sair. Depois fico semanas melhorando as imagens, as rimas.

Desde o primeiro disco com o Barão, o Zeca me chama a atenção para o meu lado transgressivo. Em minhas letras sempre me desnudei. Ele dizia:"Vá com calma, estamos em 82, a barra está heavy. Diga tudo que passar pela tua cabeça, mas quer você queira, ou não queira, vou mandar para a censura letras diferentes, bem inofensivas. Eles liberam, depois você canta e grava o que quiser cantar." Quase sempre deu certo. Isto porque, no caso de "Só as mães são felizes", eu bobeei e mandei a letra certa. Vetaram, é lógico. Não entenderam que era uma coisa moralista, pós-Nelson Rodrigues. Usei imagens fortes para falar de meu preconceito com o fato de não permitir a nenhuma mãe do mundo encarar as barras que eu encarava. Era como se eu dissesse que as mães são para serem colocadas num altar, para serem veneradas.

Mas o mais engraçado aconteceu quando mandamos a letra de "Exagerado" para o Leoni musicar. Eram trinta e tantos versos. Ele teria que ‘enxugar’ um pouco. Só que ‘enxugou’ demais. O título poderia ser "Tímido", pois ele cortou achados ótimos. Basta dizer que não havia mais os versos: "Por você eu largo tudo / Carreira, dinheiro, canudo. " Mas a música era ótima e só tivemos que colocar os versos cortados novamente. Foi o que fizemos e a música acabou se transformando em meu cartão de visita.

Minhas influências literárias são completamente loucas. Nunca tive método de ler isso ou aquilo. Lia tudo de uma vez misturando Kerouac com Nelson Rodrigues, William Blake com Augusto dos Anjos, Ginsberg com Cassandra Rios, Rimbaud com Fernando Pessoa. Adorava seguir Carlos Drummond de Andrade em seus passeios por Copacabana. Me sentia importante acompanhando os passos daquele Poeta Maior pelas ruas à tarde. Mas meu livro de cabeceira foi sempre "A descoberta do mundo", de Clarice Lispector. Adoro acordar e abri-lo em qualquer página. Para mim, sempre funciona mais que o I Ching. As minhas letras têm muito desses ‘bruxos’ todos.

Não tenho a voz aprimorada, nunca estudei canto e tenho a língua presa. Mas cantar rock não é fácil, não. Não estou desmerecendo o que cantei até hoje; é que sempre foi muito fácil, para mim, cantar rock. Não sou um grande cantor, nem tenho uma extensão de voz grande. Por isso, canto muito no berro. Há também a possibilidade de você recitar a letra, como Lou Reed e Marianne Faithfull fazem. Tem todo aquele sonzão atrás e você entra mais ou menos gritando a emoção. Isso não acontece com as músicas mais lentas, que tenham mais nuances na melodia. Cantá-las é muito difícil. Embora sempre faça questão de dizer que não sou cantor, e sim intérprete, confesso que tenho a preocupação de apurar a voz ao máximo.

A bossa nova "Faz parte do meu show" canto com a voz de criança que jamais imaginei fazer, uma coisa bonita que passou por muitos ídolos do meu passado. Passou pelo João Gilberto, pelo Chet Baker. Eu gosto de tudo, do berro da Janis Joplin e da Bessie Smith. Adoro a Dalva de Oliveira e a Elvira Rios. Acho isso saudável para um artista. Em matéria de música, não sou nada radical. Mas foi com o rock que encontrei a minha tribo. De repente, fumei um baseado, saí na rua e vi uma porção de gente igual a mim. Soltei pipa e joguei frescobol ao som do rock. Era a liberdade, da mesma forma que o jazz foi pra geração dos 40.

Eu não pirei com os Beatles, não dava muita importância, via como uma coisa meio histérica. Mas adorava também. Cantava "Help!" numa língua que inventei… Só quando pintou Caetano com "Alegria alegria" é que achei aquilo moderno. Gal cantando "a cultura, a civilização, elas que se danem…" Macalé e a ‘morbideza romântica’ de Wally Salomão. Rock eu conheci mesmo através do Caetano e da Tropicália, Os Mutantes, Rita Lee, Novos Baianos. Com 13 anos, eu estava lá no pier de Ipanema; ficava de tiete, de longe, tentava apresentar uns baseados pra eles, mas ninguém pedia.

O Roberto Carlos também é uma pessoa importantíssima para mim, porque faz parte da minha infância. Eu cresci amando a Jovem Guarda. Tinha tudo com a marca Calhambeque: roupa, merendeira, sapato. E um dos momentos mais emocionantes da minha vida foi quando, aos dez anos, meu pai me levou ao estúdio da Som Livre, onde o Roberto Carlos estava gravando. Ele me convidou para ir tomar um refrigerante numa padaria ali perto. Eu queria andar devagarinho para que as pessoas vissem que estava ali uma criança orgulhosa por estar ao lado dele. Outro dia, ele precisava do estúdio onde eu estava gravando, me ligou e disse: "Oi, meu Barão…" Eu respondi que não era mais do Barão, mas ele disse que vou ser sempre. E ele está certo. Eu vou ser sempre um Barão Vermelho. Ele é o Rei e me elegeu seu Barão.

O lance estrangeiro veio pelos Rolling Stones, mas quando a Janis Joplin morreu eu nem sabia quem era ela… Só fui saber dois anos depois, em 1972, quando fui expulso do Santo Inácio, que é um colégio de padres, e fui para o Anglo-Americano, mais liberal, onde a gente ouvia Rolling Stones no recreio. Mas então um amigo me mostrou a Janis, que eu conhecia da televisão, entre uma novela da Janete Clair e outra. Tava assim:"Jimi Hendrix e Janis Joplin mortos por drogas." Para mim, aquilo era uma coisa horrorosa. Mas quando ouvi aquela mulher descobri que ela era genial. Aí eu entendi o que era o blues, e através da Janis descobri a Billie Holiday e mesmo a Dalva de Oliveira. Tudo aquilo que eu já curtia, mas que achava cafona. Aliás, sou cafona e assumo. Gosto de palavras como ingratidão. Sou meio Augusto dos Anjos:"Escarra na boca que te beija."

O que passo para as pessoas é muito mais do meu trabalho do que das coisas que faço fora dele. É claro que existe todo um folclore em torno do meu nome. Tudo quanto é matéria relacionada a bar, por exemplo, tem que ter o meu nome, por que sou realmente um frequentador da noite. Mas o que fica mesmo pras pessoas que consomem meu trabalho é a mensagem romântica que está no que escrevo. O meu trabalho tem muito essa coisa de cutucar a dor de amor. É o lado meio dark do amor que as pessoas curtem em mim.

Acho até que, atualmente, poucos compositores falam desse tema. Antigamente, tinha aos montes: Dolores Duran, Lupiscínio Rodrigues, Noel Rosa, Cartola, Maysa e tantos outros. Depois disso, pintou uma fase em que era cafona e antiquado falar do sofrimento. Não estou sendo pretensioso, não, mas vários estudiosos da música popular já me disseram que eu trouxe essa coisa da dor-de-cotovelo de volta. É claro que isso aconteceu com a moldura mais epidérmica do rock. Todo brasileiro, todo latino-americano, é pego um pouquinho pelo pé nisso de mexer na ferida do amor. E sempre gosta de temas relacionados a uma paixão que não deu certo. Esse é o lado diferente e talvez polêmico do meu trabalho.

Enfrentar o palco para mim é tudo. Aflora um lado sensual meio incontrolável. Às vezes, entro de pau duro, a coisa pinta até antes de subir ao palco… Outras vezes, entro morrendo de medo, mas cantando solta a tensão. Sem brincadeira, é lance sexual mesmo. Fora do palco, sou tímido, um menininho, me sinto profundamente desajeitado. Mas, no palco, sou um Super-Homem, de pôr a capa e sair voando. Sinto o sexo aflorando, olho pras pessoas e sinto que tem uma coisa também que volta em resposta. Porque estou mostrando uma coisa bonita que eu compus: não sou humilde, gosto mesmo do que faço. É muito o lance do prazer, eu e a platéia transando pra caralho.

Tem gente que se irrita, porque eu canto que todo mundo vai pegar sua pasta e ir pro trabalho de terno, enquanto vou dormir depois de uma noite de trepadas incríveis. Mas o dia-a-dia não é poético, todo mundo dando duro e a cada minuto alguém sendo assaltado ou atropelado. Então, vamos transformar esse tédio todo numa coisa maior. Li uma vez que você vive não sei quantas mil horas e pode resumir tudo de bom em apenas cinco minutos. O resto é apenas o dia-a-dia. Um olhar, uma lágrima que cai, um abraço… Isso é muito pouco na vida. Então, isso vale mais que tudo para mim. Prefiro não acreditar no Day after, no fim do mundo, no apocalipse. Um dia, ainda vou andar na nave espacial Columbus. Bêbado, lógico, mas vou andar!

Por enquanto, o que me dá maior prazer além da música é o beijo na boca. Aquele lance do beijo que é o "fósforo aceso na palha seca do amor". O beijo começa tudo; é da boca que vem a relação… a primeira vez que se entra numa pessoa. Pra mim, é essencial. Sou capaz de ficar de pau duro se beijar alguém.

Eu fico feliz quando penso que o homem difere dos bichos e das plantas porque pode amar sem reproduzir - embora o Papa não goste disso. O homem transa por prazer. Então, pode ser homem com homem, mulher com mulher, com diafragama, com pílula, com o que for… Homossexualismo é assim uma coisa normal. E o hetero, e o bissexualismo. O homem pode amar independente do sexo, porque ele não é bicho, não é planta. Se o cara não quer, não sente atração, tudo bem. Mas não tem esse negócio de regra geral quando se fala de amor. Quando pinta tesão, estou com Tim Maia e Sandra de Sá: "vale tudo", mesmo!

Sou eclético, mas acho que quem não é eclético também faz muito bem. Se o cara é roqueiro de alma, como meu irmão e parceiro fiel Roberto Frejat, como o Dé e o Guto Goffi, devotos do rock, é superbacana. O rock’n’roll é como uma trepada, muito ligado ao sexo e à droga.

Em relação à droga, por exemplo, a posição da lei é ridícula. Nunca se bebeu tanto nos Estados Unidos quanto no tempo da lei seca. Proibir interessa a quem? Pra máfia da Bolívia, da Colômbia, do Brasil. Porque é o próprio governo, da Bolívia que lucra com isso. Por isso, marginalizam… No tempo de Freud, a cocaína era vendida em farmácia. Maconha, os índios fumaram a vida inteira. Então, interessa ao poder marginalizar, porque outros tipos de drogas são vendidos em qualquer farmácia. Maior de 21 anos, com receita médica, poderia comprar… E é isso que eu acho: droga tem que ser vendida em farmácia.

Eu luto contra um sentimento de culpa cristão que tenho. Estudei num colégio de padres quase dez anos. Então, a minha vida em si é uma luta para vencer isso. É difícil falar no assunto, porque é uma coisa muito particular, de formação mesmo. Eu já venci muitas barreiras, mas a gente sempre tem outras a derrubar. Por um tempo, fiz análise para descobrir as novas barreiras que tenho. Fiz cinco meses, mas deixei, me dei alta porque resolvi o que queria naquele momento. Você vai ao médico porque está doente; depois você fica bom e não precisa mais ficar indo. Caso adoeça de novo, você volta. Minha cabeça ficou boa. Então, eu vou à praia em vez de ir à análise. Tenho esperança de que vou ser muito feliz, mais do que sou.

A minha ideologia é a da mudança. Nada de partido político. É a coisa de mudar o Brasil, em qualquer dimensão. Eu não tenho partido, sério. Mas estou com as pessoas que podem mudar alguma coisa, dou a maior força. Sou socialista por vocação, por natureza, por amor mesmo. Porque acho que o socialismo está no meio, está entre o comunismo ditatorial e o capitalismo selvagem, num ponto onde a iniciativa privada pode dar alguma coisa também.

Quando fiz "Ideologia", nem sabia o que isso queria dizer, fui ver no dicionário. Lá estava escrito que indica correntes de pensamentos iguais e tal… A música, por sua vez, é muito pessimista, porque, na verdade, é a história da minha geração, a de 30 anos, que viveu o vazio todo. É meio amarga porque a gente achava que ia mudar o mundo mesmo e o Brasil está igual; bateu uma enorme frustação. Nos conceitos sobre sexo, comportamento, virou alguma coisa, mas deixamos muito pelo caminho. A gente batalhou tanto e agora? Onde chegamos? Nossa geração ficou em que pé?

Antes de mais nada, mudou o patriotismo. Pra mim, o patriotismo não é essa coisa símbolos, como a bandeira. Mexe muito mais com o sentimento. Quando me enrolei na bandeira, no Rock in Rio, eu estava acreditando. A coisa de cuspir na bandeira, três anos depois, foi contra aquele ato teatral do espectador. Eu estava cuspindo no símbolo, na bandeira que simboliza mesmo é a família Orleans e Bragança. Acho que não é hora de teatro com bandeira. O momento é de criticar, de virar a mesa, de sair da merda. Antes eu me enrolei foi aquele clima de Tancredo Neves. Eu estava, como todo povo, inebriado por um sentimento de mudança, de esperança. A coisa do vai-pra-frente, algo lindo, um movimento sincero que se esvaziou por erro dos políticos. No Rock in Rio, cantei por dez minutos com a bandeira, sonhei, acreditei. Quando eu era adolescente, também acreditava. A gente não tinha descoberto a vaselina, o conchavo. Entrava com garra mesmo. Nem sei mais se essa garra existe hoje com os novos adolescentes.

De qualquer maneira, a Igreja e a direita estão com a faca e o queijo na mão. Já nem acho que tenha sido a CIA que botou o vírus da AIDS no mundo. Eles simplesmente usaram a doença. Botam na tevê que a AIDS mata para as pessoas ficarem horrorizadas com aquilo. É tudo um complô mesmo. Tanto que, na Europa, a coisa é tratada diferente, sem esse moralismo medieval. Mas aqui eles usam a coisa legal mesmo. Usaram, mas não conseguiram. Eu vejo as pessoas se amando muito, está todo mundo ótimo, com camisinha ou sem camisinha. Eles não venceram, não. E isso é luz. No disco que vou lançar, as músicas são assim, muito felizes, muito pra cima, cheias de luzes.

Mas os problemas do Brasil parecem ser os mesmos desde o descobrimento. A renda concentrada, a maioria da população sem acesso a nada. A classe média paga o ônus de morar num país miserável. Coisas que, parece, vão continuar sempre. Nós teríamos saída, pois nossa estrutura industrial até permitiria isso. O problema do Brasil é a classe dominante, mais nada. Os políticos são desonestos. A mentalidade do brasileiro é muito individualista: adora levar vantagem em tudo.

Educação é a única coisa que poderia mudar este quadro. Brasileiro é grosso e mal-educado, porque não pensa na comunidade, joga lixo na rua, cospe, não está nem aí. Este espírito comunitário viria com a cultura. Acho que o socialismo talvez possa trazer este acesso maior à cultura de massa. Fazer como o Mao Tsé-tung fez com a China. Educar todo mundo à força. Temos que estudar, ler, ter acessos a livros.

O inferno é aqui. A cabeça da gente é um inferno. E essa coisa de "o inferno são os outros" não sei não… Pra mim, que dependo muito de amigos, de carinho dos outros, não vejo a vida contra alguém. Posso até ser meio ingênuo. Essa visão de inferno e céu: eu não vejo o inferno como uma coisa ruim e o céu como bom. O céu pode ser uma chatice e o inferno uma coisa divertida. Aliás, as imagens que temos do inferno são sempre aquelas onde localizamos o demônio, as pessoas transando, se comendo. O inferno é um baile de carnaval no Monte Líbano.

Finalmente, eu consegui definir qual é o meu papel nesse mundão. É passar pras pessoas a minha energia. É aprender e, em cada trabalho meu e em cada disco, poder passar as minhas conquistas. Eu conquistei a vida de um ano pra cá e quero passar isso pras pessoas. Isso é uma coisa meio cristã. Sabe, você repassa aquele amor que armazenou e as pessoas adoram.

Às vezes, fico triste, mas não consigo me sentir infeliz. Acho que o tédio é o sentimento mais moderno que existe, que define o nosso tempo. Tento fugir disso, pois tenho uma certa tendência ao tédio. Mas, felizmente, eu sou animadérrimo! Sou muito animado pra sentir tédio. Sou animado à beça, qualquer coisa me anima. Se você me convida pra ir à Barra da Tijuca, eu já digo logo: Vaaaamos!!! Qualquer besteira me anima. Tudo que já passei na minha vida não conseguiu tirar essa animação.

Eu me sinto sempre ganhando presentes. Se faço uma entrevista e leio depois no jornal, acho tudo o máximo, o texto, a foto… Estou sempre ganhando brinquedos. Minha vida é muito assim: sempre morrendo de rir, nunca com tédio. E quer saber de uma coisa? O que salva a gente é a futilidade.

Compilação feita por Ezequiel Neves e recolhida em entrevista às revistas ISTO É, PLAYBOY, AMIGA e INTERVIEW, no período de 1983 a 1989.


Fonte: Cazuza saite oficial


Todo o Amor que Houver nessa Vida (Cazuza) - Caetano Veloso (ao vivo)


Cinqüenta anos de Cazuza

No dia de hoje o garoto exagerado, roqueiro-emepebista, poeta de vida louca, vida breve, estaria completando 50 anos de idade. Em quatro de abril de 1958 nascia um dos nomes mais influentes do rock nacional e igualmente da música popular brasileira: Agenor de Miranda Araújo Neto, também conhecido como Cazuza. Devido a data comemorativa de seu aniversário, o Música&Poesia presta uma singela homenagem a Cazuza.


Codinome Beija-Flor - Cazuza

Cazuza interpreta Codinome Beija-Flor, em 1986, no programa Um Toque de Classe da extinta Rede Manchete, apresentado por Cesar Camargo Mariano.


Faz parte do meu Show - Cazuza

A curiosidade deste videoclipe é que ele teve direção de Boninho, o todo poderoso do Big Brother Brasil.


Exagerado - Cazuza

Cazuza no programa Um Toque de Classe, de Cesar Camargo Mariano, na extinta TV Manchete, em 1986.