sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Rap, Instrumento da Transformação

Grupo “A família”, que se prepara para lançar seu segundo álbum, afirma que a música pode trazer mudanças “não só dentro das periferias, mas fora também”

por Tatiana Merlino

Demis Preto Realista, Gato Preto, Crônica e Dj Bira são os integrantes de “A família”. O grupo de rap nascido há seis anos em Sumaré, interior de São Paulo, prepara seu segundo álbum, com previsão para lançamento em março de 2008. Desde 2000, quando começaram a viajar pelo país com o rapper GOG fazendo shows, palestras e debates, os quatro integrantes do grupo não pararam mais de fazer trabalhos sociais, apresentações para comunidades carentes e movimentos sociais. No final de 2004, lançaram o primeiro álbum Cantando com a Alma. Uma das faixas, a música Castelo de Madeira, que trata da importância de se ter uma moradia digna, se destacou e foi premiada no maior festival de hip hop da América Latina, o Hutúz, como melhor música de 2005. Demis Preto Realista e Crônica foram entrevistados pelo Brasil de Fato e falaram sobre sua preocupação com a qualidade da letra das músicas e contaram que o rap tem ajudado a modificar a realidade das periferias. “Com o rap, muita coisa mudou dentro das comunidades. Em prol do rap, pelo rap e por causa do rap”.

Brasil de Fato – Como que se deu a relação de vocês com o movimento hip hop?

Crônica – Eu nasci na periferia de Hortolândia (SP) num meio onde era impossível a gente não ter contato com a cultura hip hop. Eu sempre fui uma amante da escrita de denúncia. O hip hop estava entre os estilos de música que mais se assemelhavam com a denúncia, o cotidiano que eu vivia e as pessoas que estavam à minha volta. Eu não digo que entrei no hip hop, digo que nasci nele, ele faz parte da minha vida.

Demis Preto Realista – Eu nasci em Campinas (SP) em 1977 e aos quatro anos de idade fui para Minas Gerais. Voltei aos oito para estudar e assim que cheguei, a primeira música com a qual eu me identifiquei foi o rap, a música black. Esse tipo de música começou a ter muita força entre o pessoal da periferia, no gueto. Naquele momento o maior grito que a gente tinha era aquela musica. O hip hop chegou com uma nova proposta, de unir a juventude, na dança, na poesia. O fato de estarmos hoje na linha de frente do rap nacional é resultado de uma caminhada de muita luta do passado, de vários caras como o GOG, os Racionais, o Thaíde, o DJ Hum, o Câmbio Negro. Esses caras fortaleceram muito a jornada.

Nas letras das músicas, em especial na premiada “Castelo de Madeira”, vocês falam dos sem-terra e dos sem-teto. Como é a relação do grupo com os movimentos sociais?

Demis – Eu penso da seguinte forma: não é uma relação que a gente tem com os movimentos sociais. Nós somos o social. A gente vem de um sonho de um cara chamado Genival Oliveira Gonçalves, o GOG. Ele tinha um sonho de tirar jovens das comunidades carentes que tinham talento para fazer música. Por felicidade do destino, teve todo um processo para resultar nesses quatro caras, nós da “A família”. Isso já foi um grande trabalho social desenvolvido por ele. A princípio não éramos um grupo de rap, e sim um grupo de estudo. Acho que nosso grupo também é o resultado do sonho de várias pessoas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), porque muitas vezes aquele cara que está lá no campo queria vir aqui para São Paulo e gritar para ver se a sociedade escuta. Quando a gente mostra a bandeira do MST no clipe, é mais ou menos esse grito.

No que vocês se inspiram para compor?

Crônica – Musicalmente falando é uma lista imensa, mas gosto de compor pensando na vida, como eu gostaria que as coisas fossem, como que eu vejo e imagino as coisas. Nas minhas letras gosto de falar bastante de mim. Se eu falar de mim nas minhas letras, da minha realidade, da minha verdade, eu sei que essa verdade vai ser contemplada por milhões de pessoas que vivem a mesma realidade. Eu me canto nas letras porque sei que as pessoas se inspiram bastante nisso.

Demis – Esse ano eu fui à Bahia e conheci um cantor de reggae. No dia seguinte, já em São Paulo, lembrando dele eu fiz um reggae chamado “Meninos são soldados”, que vai sair no CD novo. Muitas vezes a inspiração vem do choro de uma criança, um olhar triste de uma senhora que levanta cedo e sabe que o filho está preso e ela não tem dinheiro para comprar comida para levar lá.

Em quais projetos sociais vocês atuam?

Crônica – Fazemos um trabalho na área da saúde na região de Sumaré, nos bairros Matão e Jardim Glicério, sobre prevenção e DST/Aids. O objetivo era trabalhar com adolescentes que estavam fora da escola. O modo que a gente encontrou de levar essa informação sem que fosse encarado como uma palestra chata foi utilizando a palavra do grupo. A gente sabe que a gente fala e a juventude acompanha, pára para ouvir justamente porque somos próximos deles. A gente acredita que nossa colaboração foi essencial para romper com essa barreira que existe com os jovens que não querem participar de palestra porque é chato. Hoje, temos na periferia de Sumaré 70 jovens que são agentes multiplicadores e que estão distribuindo essa informação. Também temos um projeto social nosso chamado “Razão Para Viver”, que visa levar entretenimento, cultura, informação, alimento e diversão para as crianças da periferia. Fazemos shows em praça pública, em vários bairros e até levamos ele para Brasília (DF).

Demis – Fora as visitas nas quebradas, arrecadação de livros para colaborar com o enriquecimento das bibliotecas do MST. A gente está fazendo a nossa parte. Teve um episódio que foi o show das crianças, em março de 2005, lançamento do primeiro álbum do grupo. Fizemos um mutirão de limpeza na comunidade, um monte de gente falava que a gente era louco porque estávamos com vassoura na rua. Naquela época estava saindo nos jornais do país inteiro que Sumaré era a cidade mais violenta do Brasil e que exatamente onde eu moro, que é a região da Área Cura, era o local da violência. E a gente fez o lançamento do nosso disco lá, numa praça onde a própria Polícia Militar falava que era uma loucura a gente levar 10 mil pessoas, que poderia morrer um monte de gente. Ficamos numa luta de seis meses, juntamos várias lideranças e assinamos documentos de responsabilidade. Enfim, fizemos um evento com 10 mil pessoas e naquela noite não foi registrado um boletim de ocorrência na região. Era um evento aberto onde a gente pedia que as pessoas levassem um quilo de alimento. Não era obrigatório, ainda mais porque era ao ar livre, mas a gente conseguiu a proeza de arrecadar uma tonelada de alimento. Três dias depois aconteceu uma enchente que deixou 300 famílias desabrigadas na região e distribuímos os alimentos entre eles.

Vocês estão lançando o segundo álbum do grupo. O que mudou no trabalho de vocês de três anos para cá?

Crônica – Nesse intervalo a gente também conseguiu colocar na rua um disco ao vivo que é um agradecimento ao público que compareceu sempre nos shows do grupo, lotou as casas, ao público que transformou o “Castelo de Madeira” em hino nacional. Gravamos esse CD ao vivo na cidade de Limeira (SP), com casa cheia e participação de grandes nomes do hip hop nacional. Agora vamos lançar esse segundo disco, com 16 faixas. Mudou muita coisa. Estamos muito mais maduros, com conhecimento maior e a nossa musicalidade está mais forte. Estamos fazendo música da melhor qualidade possível.

Demis – Eu acho que nosso comportamento diante do nosso trabalho mudou bastante, porque antes de gravar o CD a gente sonhava em estar cantando rap nos palcos, e depois veio a fase de gravar o disco, a música ir para as rádios e aconteceu da gente subir nos palcos e cantar e as pessoas cantarem junto. E aconteceram as premiações. Ganhamos o premio Hutúz 2005 de melhor música do ano com “Castelo de Madeira”, foi importante para nós. Depois ganhamos o atuação social, pela Cooperifa. Todo esse trajeto foi trazendo coisas importantes para o crescimento. Achamos que esse disco novo é resultado de todas as observações positivas que fizemos ao longo desses últimos anos.

Crônica, em uma entrevista você disse que se preocupa muito com o conteúdo das letras do rap. Por quê?

Crônica – Pela falta de compromisso nas letras. Muitas vezes a pessoa fala “sou músico, canto rap e não preciso explicar as coisas nas minhas letras”. Tudo bem que a gente que faz música sabe que nem sempre ela vem com significado só. Mas a gente tem que entender que no caso do rap a gente está cantando para as pessoas que vão se espelhar na gente. Temos que saber que tem crianças que ouvem a música, porque tem a batida legal, tem um refrão que elas também cantam. Então, a falta de compromisso no rap é muito grande. A maioria das músicas é egoísta e não tem preocupação com a forma que vai ser interpretada nas ruas. O rap influencia muita gente e se ele não tiver seriedade naquilo que está cantando, vamos perder um espaço popular nas periferias, que possa fortalecer o povo, que pode unir essa massa. Sou sonhador mesmo e acredito que rap pode fazer uma mudança, não só dentro das periferias, mas fora também.

Vocês acham que o rap pode ajudar na transformação da realidade social das periferias?
Crônica – O rap tem atuado dentro das comunidades, mudado muito o comportamento dos nossos jovens, falando que estudo é estudo, falando “você é negro e se aceite como é, porque não é inferior a ninguém”. Muita coisa mudou dentro das comunidades com o rap. Em prol do rap, pelo rap e por causa do rap.

Qual é a opinião de vocês sobre rappers que assinam contratos com grandes gravadoras?

Demis – Bom, primeiro tem que ver o que foi oferecido para ele e o que ele quer da vida. Tem cara que acha que através da gravadora grande vai ter um bom resultado para fazer show na beira da praia, andar de jet ski, mas nem sempre isso é resultado de uma boa caminhada. Hoje a gente é de gravadora independente, mas, se amanhã um empresário das transnacionais fizer uma proposta onde a gente veja possibilidade de evoluir e conseguir trazer benefício para o nosso trabalho, para a nossa base de resistência a gente vai sentar e tentar negociar para ver até onde a gente está junto. Tudo depende do jeito que é conversado. Todos esses caras que vão para a TV e depois se lascam no cenário da música são exatamente aqueles que não estavam preparado para conversar. Depois o cara chega na quebrada e a molecada não pira com ele, taca pedra. A minha caminhada é diferente, mas eu não vou falar que não vou na TV. No momento não vejo que a gente necessite disso, a gente tem mais que aprender coisas com o nosso povo, aprender escutar pessoas que tem coisas para dizer para nós.

O que acham das críticas de que rap é musica americanizada?

Demis – pode ser importada se eu me inspirei na favela de Jundiaí (SP), nas favelas do Rio de Janeiro? Mas eu acho que o hip hop nacional está precisando olhar para a música brasileira e descobrir um espaço positivo para trabalhar. Dentro da música brasileira e não separadamente dentro de um movimento. Dentro da música brasileira o hip hop tem uma expressão forte, mas ela se desgasta a partir do momento que tem muito grupo sem qualidade. A gente está passando por uma fase difícil no hip hop.


Fonte: BrasildeFato

Castelo de Madeira - A Família



Ouça aqui Castelo de Madeira ao vivo

2 comentários:

Anônimo disse...

olá meu amigo ! andei sumida uns dias ,mas cá estou par te visitar :) estive a ler a entrevista e ovideo nao consegui ver .espero k tenhas tido um bom natal e k me venhas visitar :)
bjo grande
carla granja

Yerko Herrera disse...

Carla, a casa é tua. Chega e fica sempre que tu quiser. Pena sobre o vídeo, é um clipe bem interessante. Deve ter dado problema no YouTube a hora que tu foi assistir.

Beijos!