Leia abaixo reprodução de uma entrevista bacana feita com Jards Macalé, por Jarmeson de Lima, para a revista eletrônica Coquetel Molotov.
Jards Macalé
por Jarmeson de Lima
Se tem uma figura na música brasileira digna de respeito e que até agora não obteve um valor devido, este é Jards Macalé. Suas músicas e composições alcançaram e ainda alcançam vôos maiores do que ele. Mas diferente de ser lembrado como “o autor de Vapor Barato” ou como protagonista da polêmica canção/performance “Gotham City” no IV Festival Internacional da Canção, Jards é um sambista inquieto. Mas não só sambista, claro. Ele poderia muito bem viver à sombra de seus velhos sucessos com shows quadrados e lineares. Mas ele mesmo, fugindo ao apelido jocoso de infância, é respeitado na música brasileira justamente por quebrar e fugir dessas regras.
Basta assistir a um show dele para entender isso. Virei fã imediato dele ao ver um desses shows. Incomum, particular e criativo de sobra. E com o projeto “Samba de Breque e outras Bossas”, realizado pelo Circuito Cultural Banco do Brasil, ele veio ao Recife, quando consegui falar com ele para realizar esta entrevista. Sendo assim, com vocês, o talento de Jards Macalé traduzido nesta entrevista, onde muito bem à vontade, ele relembra suas histórias e conta sua vida com muito bom humor.
"Quando eu escolhi fazer arte, e aprendi com os grandes mestres o que pra eles é arte e criação, eu não pensei mais em mercado. Eu apresento meu trabalho é para as pessoas"
Pra começar, queria saber a sua opinião sobre uma coisa. Geralmente os artistas no Brasil são enquadrados na categoria MPB: Música Popular Brasileira. Você como sendo um músico brasileiro, se considera popular?
Eu sou brasileiro e faço música brasileira, independentemente de cantar em inglês, francês, iraniano ou japonês. Já popular... isso é mais relativo. Existe o popularesco, existe forçação de barra pra ter popularidade e existe o popular. Pra mim, popular mesmo é Dorival Caymmi ou uma música como essa aqui (começa a cantarolar): “Não há, oh gente, oh não! / Luar como esse do Sertão”. Popular é música do povo. Música que fica no inconsciente coletivo. Então se me perguntassem se sou popular, eu responderia como Zé Kéti (cantando): “Tenho muitos amigos / Eu sou popular / Tenho a madrugada / Como companheira”.
E o que você acha de ter começado sua carreira carregando um apelido jocoso de infância, como sendo o pior jogador do Botafogo?
Ah, mas ele não era o pior jogador do Botafogo. Isso é sacanagem com ele, o Macalé, do Botafogo. Ele não era um jogador genial, mas também não era um merda como resolveram espalhar por aí. É porque realmente eu nunca joguei futebol bem. Eu gosto de futebol, o Brasil inteiro gosta, mas não tenho talento pra ficar jogando. O pessoal se aproveitava disso e ficava gritando: “Passa a bola, Macalé! Passa a bola, Macalé!”. Mas acabavam sacaneando o jogador Macalé, não a mim! (risos) Ou talvez os dois.
Mas você aceitou bem esse apelido?
Eu não me importo mais, mas a minha mãe na época odiou. Ela ficava dizendo “Meu filho, você tem um nome tão bonito, Jards! E seus amigos ficam lhe chamando de Macalé...”. Aí o Guilherme Araújo, que era o responsável por ter dado os nomes artísticos de todo mundo naquela época - tipo: Gal, virou Gal Costa; Caetano, ficou sendo Caetano Veloso; Gil, ficou como Gilberto Gil – me disse “O Jards vai ser Jards Macalé!”. E ficou! Mas agora a minha mãe já aceita porque viu no jornal, aparece na televisão... Aí perguntam: “Você é a mãe do Macalé?” e ela “Sim, sou”. (risos)
É difícil enquadrar sua obra num só estilo. Você vive constantemente mudando, tua música tem nuances diferentes e a todo instante tem algo diferente na obra de Jards Macalé.
É porque a gente muda, as coisas mudam, a vida muda... As pessoas estão em constante mutação. Eu acho que arte é um processo criativo e evolutivo. Você vai colhendo coisas e informações ao longo da vida e você vai criando e fomentando seu próprio estilo. Então quem exerce a sua atividade e quem escolheu ter como ofício a arte, tem que ter em mente essa constante evolução. Isso não quer dizer que a gente abandone o passado, se fixe no presente e abandone o futuro. É tudo ao mesmo tempo. É autônomo.
Interessante dizer isso porque outros artistas eventualmente mudam seu próprio estilo por pressão das gravadoras ou do mercado. E você se mantém até intacto com relação a esse mercado...
Mas eu não falo de mercado. Eu não gosto de falar de mercado. Eu não sou mercantilista. Quando eu escolhi fazer arte, e aprendi com os grandes mestres o que pra eles é arte e criação, eu não pensei mais em mercado. Eu apresento meu trabalho é para as pessoas. E como vivo de arte, esse também é um ofício como jornalistas, produtores, sorveteiros... cada um cumpre o seu ofício. No meu caso, eu apresento meu trabalho tal qual falei antes, que tá sempre em mutação, e quem quiser que veja e que critique. Na minha vida fui colhendo um público também crescente. Os que têm 50 anos hoje, me viram quando tinham 17, 18 anos. Agora os filhos desse público é que vêm me ver. Até mesmo os netos. E alguns não deixaram nunca de ir.
Realmente, a sua música tem atravessado gerações. Ultimamente, a gente tem visto um público mais novo indo atrás e descobrindo sua obra agora.
Pois é. Agora com a Internet e a disponibilização de coisas na rede, com mp3, baixando isso e aquilo, a informação ficou mais veloz e tudo ficou mais visível pra todo mundo. Se tiver um menino de 14 ou 15 anos que não me conhece, ele pode ir lá na busca do Google, escrever “Jards Macalé”, apertar search e encontrar mais de 80 mil referências sobre mim. Nessa hora, a pessoa vai acabar descobrindo quem eu sou por ali, com várias biografias, músicas, diversos momentos... Então tá lá, a informação está no ar.
Inclusive só agora muita gente tá escutando e conseguindo ouvir aqueles teus primeiros discos que tinham saído de catálogo e nunca mais foram relançados.
Por sinal, aqueles primeiros discos da década de 70, são tão vigorosos agora quanto eram naquela época. Por exemplo, eu fui fazer na Virada Cultural, de São Paulo, um show no Theatro Municipal. Escolheram fazer nesta apresentação, o show do meu primeiro disco de 1973 - na verdade, gravado em 1972 e lançado um ano depois. Nesse disco tem eu na voz e violão, e como compositores e parceiros o Capinam, Waly Salomão, Duda, Torquato Neto, além de Lanny Gordin na guitarra e violão e Tuti Moreira na bateria. Então pediram pra eu fazer o show desse disco em São Paulo. Formei a banda e como muita gente daquela época não tava, fui chamando quem podia: convidei o Lanny e mais outros músicos e trabalhamos para fazer ao vivo os mesmos arranjos daquele disco. A banda tocou de tal forma, o som saiu de um jeito tão bom, que ficou uma banda tão forte quanto uma banda de rock barra pesada. E vendo e ouvindo aquilo ali, o público veio abaixo! Pra você ter idéia de como tava, tinha gente pendurada até no lustre! (risos) Então eu acho que de 1972 a 2007, cumpriu-se um período fantástico onde o som desse disco se revitalizou.
Vale lembrar essa renovação de músicos que tocaram e tocam hoje contigo: se naquela época tinha Bethânia, Lanny, Luís Melodia, hoje você trabalha com Kassin, Pedro Sá...
É que eu gosto de estar em boas companhias. Eu só ando em boas companhias. As más companhias, já deixei há muito tempo. E eu nem convivi muito com elas depois que percebi que eram más companhias. E quando falo de boas e más companhias, eu falo de bons e maus músicos e artistas e falo também de pessoas que estão começando como instrumentistas, mas que você já começa a sacar o valor. Neste momento eu vou gravar com a Adriana Calcanhoto com quem eu já tinha trabalhado quando a convidei para participar do disco “Real Grandeza”, que tinha composições minhas em parceria com Waly Salomão. Então esse é o tipo de coisa que faz você reconhecer um ao outro. Não é só uma troca de gentilezas. É uma admiração mútua. Você vai juntando essas pessoas e vai tendo um leque maravilhoso. E como músico eu posso caminhar em qualquer forma de música desde que essa música me atraia, essa forma me atraia e eu consiga colocar tudo do meu jeito.
Por isso que cada show de Jards Macalé é bem diferente um do outro, não é?! Noutro ano vi um show seu com as Orquídeas do Brasil em São Paulo. E dia desses, num formato quase voz e violão. Mas qual é o formato de show que você mais gosta?
Eu já toquei com orquestra, toco sozinho, toco com três ou quatro pessoas. Dependendo do que precise, eu arranjo um formato que viabilize o trabalho. Aí posso fazer um show sozinho, com um percussionista, com mais uns dois músicos ou um trio, um quarteto, ou até mesmo uma orquestra sinfônica se deixarem. No caso das Orquídeas, isso foi muito legal porque me remeteu a um trabalho muito bacana que fiz com Itamar Assumpção há muito tempo, em 1986 e 1987... Noutra vez, aqui em Recife, fiz um show no Teatro do Parque, com o Mombojó, em 2004. O pessoal lá do Projeto Seis e Meia perguntou ao Mombojó com qual artista eles gostariam de tocar e eles disseram: “Macalé!”. Me convidaram e eu vim pra tocar, mesmo sem saber quem era o Mombojó. Tinha chegado aos meus ouvidos que a banda era legal e eu vim, mesmo sem ter a menor idéia de como era a música deles. Eles tocaram primeiro, depois fui eu e no final fomos todos juntos. Aí nessa hora, aquele menino, Felipe me desafiou pra cantar com eles uma música do Mombojó. Aí pronto! Puxei um lance lá que não sabia qual era e comecei a improvisar e foi. Virou uma loucura. Mas eu gosto disso. O resultado ficou muito bom. Eu gosto dessa coisa do improviso. Eu gosto muito de jazz. E o choro também tem muita coisa de improviso. Até mesmo o samba de breque.
Com a ligação que você tem com o samba no Rio de Janeiro, você também costuma participar de algum bloco ou escola de samba por lá?
Há vinte anos atrás, nós, que moramos lá no Jardim Botânico, fundamos um bloco chamado Suvaco do Cristo. Mas por que Suvaco do Cristo? Porque o bairro fica exatamente embaixo do suvaco direito do Cristo Redentor, bem embaixo do braço direito dele. Esse bloco ganhou uma dimensão muito rápida... Começou com umas 200 pessoas, tipo bloco de rua e atualmente tá com umas 30 mil, quase maior do que uma escola de samba. E nessa proporção que o bloco tomou, ele meio que foi virando uma “instituição”. Isso alimentou a terem mais blocos de rua no Rio de Janeiro. É aquele tipo de coisa que não impede você de sair na rua e se divertir. E em todo esse tempo, nunca registramos uma confusão, um problema sequer nesses vinte anos de bloco. Eu falo isso porque eu não sou muito de carnaval. O que eu gosto mesmo é de sair no meu bloco, no Suvaco do Cristo, que vai pra rua um domingo antes do domingo de carnaval. Durante o carnaval, o que eu faço mesmo é descansar.
E dos teus discos, qual aquele que você acha que as pessoas deveriam ouvir mais?
Todos! Eu não posso apresentar um filho só pra rapaziada. Filhos são filhos. Se eu tivesse só um, recomendaria um. Como eu tenho dez, eu recomendo os dez. (risos)
* Foto de Jards Macalé ao vivo no SESC Santana - São Paulo (Set/2007) - por Capitu
** Entrevista publicada originalmente na Revista Coquetel Molotov Nº 4 (Abril / 2008).
Fonte: CoquetelMolotov
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domingo, 27 de julho de 2008
Jards Macalé em entrevista
Postado por Yerko Herrera às 03:26
Marcadores: Entrevista
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