terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Waly Salomão no cinema

Reprodução da coluna Cinema e Invenção publicada no saite Via Política, texto de Luiz Rosemberg Filho e Sindoval Aguiar.

Waly Salomão ressucitado
por Luiz Rosemberg Filho & Sindoval Aguiar


O poeta Waly Salomão
Rio de Janeiro – Precisamos descobrir o cinema/ Escondido atrás das telas/ Farto de idéias comedidas/ As imagens estão dormindo/ Precisamos descobrir o cinema... Ora, o mundo virou uma lata de lixo vivamente espetacularizada por interesses duvidosos. Entre a violência e as muitas crises econômicas, a religião prometendo o “paraíso” depois da morte. Os políticos cafetinando os pobres e miseráveis. E os meios de comunicação reafirmando o fascismo como necessidade. O império quer o civilizado bárbaro e burro. Razão para quê? O choque-espetáculo passa pelos horrores das guerras vencidas ou perdidas. Dá-se espaço a seres sem expressão alguma. Reproduz-se o mundo burguês “vitorioso”. Mas vitorioso em relação a quê?

Como dar um novo caminho a linguagem, além da produção de medos e neuroses? Nesse nosso contexto de zona como aprofundar o processo criativo? Como valorizar o cinema-pensamento, anti-espetáculo-televisivo-roliudiano? Frente ao traumático esvaziamento do coletivo, como desenvolver idéias novas? Aí chegamos a Waly Salomão, que tinha aversão pelo que não fosse a vida como poesia. Sua lucidez permanente era o seu “vapor barato”. Na sua imperfeição bem humorada era incapaz de resignar-se ao silêncio. Como se improvisasse tudo e com todos, conservava o bom humor eterno. Em sua beleza erudita inovava sempre. Audacioso, ele não fazia música e, sim, era a própria música. Libertado de tudo, era a elegância em movimento. Seu amplo sorriso transbordava satisfação e prazeres proibidos entre a velha Síria e o sertão baiano. Pai e mãe do anti-conservadorismo.

Tempo privilegiado este nosso por ter pessoas como Waly. Uma desrazão da razão acadêmica, que fez da vida perguntas e não respostas definitivas. Como diria Renée Char: “A lucidez é a ferida mais próxima do sol.” É o poeta na aceitação da sua recusa a melancolia ou a morte. E morreu por aceitar-se mortal sem lágrimas ou frustrações. Hoje morre-se por nada. Querem nos fazer acreditar que a vida perdeu o seu valor simbólico de desobedecermos a ordem podre do poder político. Waly queria viver a vida por tudo e todos. E foi muito mais que o seu próprio entusiasmo entre cansaços e angústias. Através dessa continuidade-descontínua, o imprevisível sempre novo. Uma lealdade uterina à esperança de ser vida! Ser sempre mais poeta. Ser mais experiência como necessidade em sua voracidade de introjetar barulhos no silêncio minúsculo da nação. Sua referência verbal caminhava à deriva com a poesia-vida.

Ousou ser mais. Ousou sonhar e caminhar com os próprios pés. Seus amigos só podem falar do que já ficou para trás, quando ele se arremessava entre a vida e a paixão realizando sonhos. Sonhos preenchidos com contradições. Era bem mais que um poeta cuidando da própria imagem. Sua continuidade-descontínua era sempre entre o humano demasiadamente humano, e o delírio salutar. Como rejeitar tal grandeza? Ora, se o mundo real é um disfarce contínuo localizado no poder, o poeta é a sua negação externa, afirmando a sua poesia-vida. E seu grande dilema foi ser sempre mais num país onde se é sempre menos. Waly era um poeta dentro da própria poesia celebrando sempre a sua capacidade de ser ainda mais tudo e todos.

Ousaríamos dizer que Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader (Brasil,2008), expressa com vigor a suprema beleza do poeta baiano. E sem a menor exploração do outro, a legitimação de múltiplas essências da beleza anti-alucinatória de Waly, expert na desorganização das muitas certezas convencionais da vida burguesa. Não poderia ter sido outra a escolha da cineasta Ana Carolina, para que representasse belissimamente o poeta Gregório de Mattos no cinema. Pois ambos se serviam de metamorfoses aquém das muitas certezas do mundo. Ora, e se é verdade que a paixão anula qualquer ordem, Gregório e Waly se realizam numa espécie de escultura da própria existência, anti lugar-comum da imobilidade aliada à imoralidade. Pois sentir fundo a vida em si e no outro é uma exacerbação de singularidades transcendentais para poucos, onde o repouso passa a ser uma espécie de estética do constante deslocamento. E a poesia, longe de ser mais um refúgio dos vencidos, é o afloramento do confronto do novo contra o velho. Waly renascia único todos os dias num tempo falsamente iluminado por Hollywood e pela Coca-Cola. É o que ainda hoje nos mata à todos.

Um filme significativo de linguagem. Uma aproximação de contrários onde só importa o cinema-poesia em Waly Salomão. Os demais que falam só são vozes e suas afinidades com o personagem, a posteriori. Pois o tempo do poeta torna-o mais vivo e iluminado. Como afirmou Paul Valéry em seus Cadernos: “Tempo que fazemos, tempo que sofremos – tempo que nem fazemos nem sofremos...” São as linhas diretrizes da redenção do baiano inquieto diante da vida que jorra o frescor dos seus muitos sonhos: profano, inspirado, qualificado, ousado. A substância do seu trabalho era ele próprio projetando-se para tudo e todos. Improvisador glorioso do desejo. Não estamos diante de um filme comum, mas de um trabalho-ensaio bem sucedido como ambição e realização. Carlos Nader é a mais jovem transparência do que de melhor se faz hoje, aqui, no documentário. Num filme quase sem luz, opaco mesmo, uma tapeçaria viva da memória marcada por descontinuidades, humor e amor. Um filme de significação poética arbitrária. O mais importante filme de um ano de ficções televisivas idiotas.

Estamos falando de Pan-Cinema Permanente o belo filme sobre Waly Salomão e sua poesia-ruptura, simbolismo estrutura. Wally foi uma irrupção no tempo, na invenção de seu próprio tempo, esta conciliação possível entre o objetivo e o subjetivo, pelos sonhos. Waly viveu e sonhou acordado, como poucos, pela força pouco comum, também, da sua. O seu universo poético fez dele fragmentos e, em pedaços, sai para o mundo compondo sua totalidade. E nem ensaia. Improvisa. Sabe que o mundo é um espetáculo. Arrisca. Improvisa. Ousa. E sem máscara, atua. Estudou, fez Direito, e viu que por aí, a vida não endireitava: a Justiça tarda e falha. E só a poesia desmascara. Ruptura, invenção do eu, morada do sonho! Sonho que não foi em vão, pois Waly, aparece e desaparece compondo e decompondo imagens de tudo o que o fez viver. Com sua vida se tornando um filme com telas escuras, sombreadas ou coloridas, de imagens/fronteira que Waly vai desbravando e iluminando com sua luz, sua força e a expressividade rara de suas concepções de desejos sonhados e realizados; rupturas tornadas linguagem. Coisa muito rara no cinema, hoje! Imagens tratadas como significação e linguagem! A do homem menos objeto. Gente!

Este é um filme que revigora o cinema brasileiro. Liberto do lugar-comum das inutilidades pré e pós concebidas. O discurso de um tempo de imagens de reprodução sem linguagem, sem oralidade, sem grafia, sem analogia. Só digitagem! Filme que a arte libertou para a expressão de Waly e de sua assunção ao paraíso da poesia ruptura, para onde viajou com passagem só de ida acompanhado de Oswald de Andrade, Glauber Rocha, Pixinguinha, Tarsila – duplicando imagens em outras dimensões. Multiplicando aspectos nesta fase anacrônica e mascarada de tanta oligofrenia eletrônica. Para nada, uma desinvenção do tempo, na invasão do mundo interior das pessoas, desestabilizando idéias para o atendimento ao imediatismo da máquina e no atendimento do desejo veloz da inutilidade. Um tsunami entre a liberdade do simbólico e as contradições do estrutural que aprisionam, e cuja força não passa da repressão e da satisfação que elimina.

Nos movimentos de Waly em Pan-Cinema Permanente, não há retrocessos, um parar para conferir, a vida segue em frente e sem ensaios. Com a poesia fazendo o caminho. Se há resistência, impõe-se a ruptura, linguagem da poesia, das imagens como princípio, insubmissas ao verbo, ao discurso sem grafia. Parte para tirar os pecados do mundo, além do lado de baixo do Equador. Esta invenção de viver é o grande salto de Waly, que o filme acompanha como um salto à frente em nosso cinema. Esta força invencível do artista, respeitada pela montagem e por uma trilha sonora cujos ritmo, melodia e harmonia conferem ao solista Waly, poeta invenção de si, no filme, um membro imprescindível, na sua orquestra de sonhos e da sua invenção de existir!
Pan-Cinema Permanente é uma viagem de Waly, rompendo fronteiras para além de si mesmo! Cumpre o determinismo nietzschiano de um eterno retorno, este questionamento, o de uma relação do ser consigo mesmo! Para indagar o que é a vida? Fronteiras? Para ver, mesmo para quem não tem olhar.

13/12/2008

Fonte: ViaPolítica / Os autores

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Pan-Cinema Permanente - Trailer


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Um comentário:

Anônimo disse...

parabens pelo blog...
Na musica country VIRGINIA DE MAURO a LULLY de BETO CARRERO vem fazendo o maior sucesso com seu CD MUNDO ENCANTADO em homenagem ao Parque Temático em PENHA/SC. Asssistam no YOUTUBE sessão TRAPINHASTUBE, musicas como: CAVALEIRO DA VITÓRIA, MEU PADRINHO BETO CARRERO, ENTRE OUTRAS...
é o sonho eterno de BETO CARRERO e a mão de DEUS.