segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Nova e Apaixonante Musa da Música Brasileira

Ah, como é bela a nova geração de cantoras da Música Brasileira! A cada dia que descubro uma nova interprete, cuja minha ignorância me fez desconhecer, fico apaixonado. A voz, a maneira de interpretar, a delicadeza, a doçura, a inteligência, a multiplicidade de influências - contemporâneas ou não - tudo isso me encanta nesta nova geração de musas que surge em nossa música. Ontem descobri Ana Cañas no excelente blogue Expressão MPB, do camarada Daniel Barbosa. Só posso dizer uma coisa, a moça é apaixonante!

Leia abaixo reprodução do texto do Expressão MPB

A Ana Canta
por Daniel Barbosa

Ela tem nome de cantora cubana, admira nomes como Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Machado de Assis, e, é claro, a deusa das jovens cantoras, Marisa Monte.

Ana Cañas é formada em artes cênicas, mas foi no Baretto, piano-bar freqüentado por várias deidades da MPB, que essa jovem de 27 anos mostrou que veio para encorpar, ainda mais, a nossa música.

‘A Ana’, sua música de trabalho, traz afirmações quase confessionais, que, com certeza, algumas não passam de uma brincadeirinha musical (... a Ana nada sabe/a Ana sempre canta/a Ana me enrola/a Ana me engana). Mas foi a faixa ‘Devolve Moço' que ficou na 15ª posição no ranking das 50 melhores músicas de 2007, na revista Rolling Stone Brasil, edição de janeiro. "Se não fosse clichê, talvez dizer que essa canção é um 'caldeirão de influências' fosse a melhor explicação. Tem um pouco de soft jazz, um toque de MPB nada tradicional e muita personalidade”.

‘A Ana’ e ‘Devolve Moço’ integram ‘Amor e Caos’, disco autoral, calcado no jazz, bossa e MPB, que rendeu à Ana elogios de nomes como Chico Buarque, Toquinho, Seu Jorge e outros, Pois, é, numa expressão à Ana Cañas, podemos exclamar: a Ana canta!


Fonte: ExpressãoMPB



Ana Cañas em foto divulgação

Pra saber mais sobre a Ana Cañas é só dar uma conferida no saite pessoal da garota: http://www.anacanas.com. Mas, quem quiser ouvir quatro das dez canções de Amor e Caos, disco de estréia de Ana, deve conferir seu MySpace. Infelizmente a releitura de Coração Vagabundo, de Caetano Veloso, melhor música do álbum, segundo minha modesta opinião, não está na página do MySpace de Ana. Então, quem tiver curiosidade em ouvir, é só clicar no linque a seguir:

Coração Vagabundo - Ana Cañas


Ana Fala

Trecho da entrevista de Ana Cañas para a rádio Cultura, onde ela participou do debate "Para onde caminha a música brasileira?". Para ela, a música brasileira está menos politicamente correta, mais divertida, ousada e com influências mais diversas. Ouça o comentário na íntegra.

áudio por Cirley Ribeiro para a RádioCultura

Crônica de Frei Betto

A raposa e os ovos
Frei Betto

Era uma vez uma raposa que jurou dar proteção às galinhas. Postou-se à porta do galinheiro e, prometendo preparar para o futuro uma omelete que alimentaria a todos, tomou para si os ovos que, por medida de segurança, estavam distribuídos por diferentes cestas. Muitas galinhas não se importaram, acreditando que também os ovos dos gaviões haviam sido seqüestrados. Deixaram-se inclusive convencer de que a raposa havia cortado as asas dos gaviões. Estes, precavidos, guardaram seus ovos em outras montanhas e, se tinham cedido algumas penas, era para que todos pensassem que haviam perdido as asas.

Galinhas que não botavam muitos ovos - e, portanto, perderam pouco nas mãos da raposa - com o tempo começaram a ter que deixar o poleiro e a receber meia ração. Mas, convencidas de que não se faz uma imensa omelete sem quebrar muitos ovos, suportavam estoicamente as longas filas para recuperar uma migalha qualquer do que haviam produzido. Aos poucos, foram descobrindo quão difícil era botar mais ovos se não havia ração suficiente e nem poleiro onde se encostar.

A raposa, entretanto, continuou assegurando que tudo corria às mil maravilhas. Claro, para ela, que se havia transformado na poderosa galinha dos ovos de ouro, estava tudo bem, sobretudo depois que ela abriu as portas do galinheiro aos abutres de outras plagas. Estes conseguiram convencê-la de que podiam modernizar o galinheiro, torná-lo mais produtivo, inclusive introduzindo galinhas mecânicas, desde que as verdadeiras galinhas fossem privadas da omelete e virassem canja para o banquete entre a raposa, os gaviões e os abutres.

Naquelas mesmas paragens, há tempos um leitão exigira o sacrifício de todos os carneiros, sob o pretexto de que se estava assando um enorme bolo que, mais tarde, seria dividido e cada um receberia sua fatia. O bolo cresceu, o leitão comeu com seus amigos e a fome grassou entre os carneiros tosquiados, que passaram a viver de esperanças.

Toda a artimanha do leitão e da raposa consistia em não permitir que carneiros e galinhas descobrissem que, unidos, podiam governar a si mesmos, livrando-se de leitões e de raposas. Pois ensina a sabedoria que sente frio aquele que entrega a lã a quem já está agasalhado e passa fome quem dá os ovos a quem sempre se fartou de omeletes.

21 de junho de 2002

Fonte: ADITAL

Clique aqui para baixar o arquivo “doc” que contém o texto acima

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Texto no Limite entre o Conto e a Crônica

Felicidade à brasileira
por Urariano Mota

Há duas semanas, precisei de um atestado de sanidade física e mental. Quem me conhece sabe que esse atestado, aplicado ao indivíduo que sou, ou é desonesto ou é impossível. Mas que fazer, a gente precisa, e necessidade não tem lógica, tem é a carência enorme, à procura de satisfação. Eu buscava, portanto, um Atestado de Sanidade Física e Mental. Assim em maiúsculas fica até mais digno, e mais crível. Por isso abro o catálogo telefônico e destaco os números de telefone dos centros médicos, Centro Médico, devo dizer, para maior idoneidade dos Centros. Ligo, e começa o nonsense.

- Roseli...
- É do Centro Médico Ulisses Eulâmpio?
- Sim, Roseli, às suas ordens.
- É do Centro Médico?
- Sim .. um momento.

E depois de 3 minutos de intervalo, por vingança, suponho, porque eu não soube logo que o Centro Médico Ulisses Eulâmpio e Roseli eram uma só e só uma pessoa.

- Sim...Fale.
- Vocês fornecem atestado de sanidade física e mental?
- Atestado de....
- Sanidade Física e Mental.
- Só o Físico.
- E o Mental?
- O senhor tem que ir a um médico de doença mental.

Antes que eu agradeça, a recepcionista que é uma instituição desliga. Ligo para outros, outros Centros Médicos, outras Centrais de Atendimento de Saúde, até para Hospitais. Sempre a mesma conversa. Só o físico atestamos, o senhor, se quiser, que vá a um psiquiatra pegar o outro. E o outro, bem sei, por mais características certas e inabaláveis de esquizofrenia, o outro sou eu. Que não vai correr esse risco. Por isto este, aqui, volta a um décimo Centro Médico de Saúde.

- Escute, vocês não têm médico clínico geral?
- Só temos especialistas.
- E não têm dois especialistas, um físico e um mental, no Centro?
- O senhor deveria ir a um Hospital Psiquiátrico.

Desligam. Mas o louco, que bem sabe estar no Brasil, terra de todas as possibilidades possíveis e imaginárias, não desiste. E lhe dizem, na vigésima primeira tentativa.

- Centro de Medicina do Trabalhador.
- Vocês fornecem atestado de sanidade física e mental?
- Sim, fornecemos.
- Atestado de Sanidade Física... e Mental?!
- Sim, fornecemos.
- Certo.... (E repito, para maior certeza)... Atestado de sanidade física e mental.
- Um momento....

E por vingança, suponho, deixa-me a esperar bons 4 minutos, porque não ouvi bem, e se ouvi deveria ter acreditado que ali se fornecia Atestado de Sanidade Física e Mental, sem dúvida, idiota.

- Centro de Medicina do Trabalhador....

Imagino, porque estou em casa ainda, imagino que o Centro de Medicina do Trabalhador é um complexo industrial-médico cheio de canos, retortas, e de portas, e laboratórios, e corredores compridíssimos, cheios de especialistas de todas as especialidades, se assim podemos dizer. Um lugar onde entramos em uma porta e saímos em outra, de exames de raios X a laboratórios de análises, de laboratórios a máquinas de eletrochoques, até atingir as perguntas cruciais de psiquiatras, que nos estudam e nos olham como se fossem a Miss Marple de Agatha Christie. Imaginação vulgar, estúpida e insípida, já vêem.

- Me diga uma coisa: demora muito pra pegar esse atestado?
- Não, é ordem de chegada.
- Tem muita gente aí?
- Centro de Saúde do Trabalhador ...um momento. Agora, só uns quinze.
- Vocês atendem por algum plano de saúde?
- Centro de Saúde do Trabalhador..... O pagamento é na hora.
- E quanto é?
- Quinze reais.

Desta vez sou eu que desligo. Quinze reais! Isto ou é uma absoluta anarquia, uma grande zona, ou deve ter algum subsídio para, depois do check-up, diagnósticos, especialistas e consultas, atingir um preço tão barato. E me mando, necessitado e incrédulo que sou, para o centro do Recife.

Ó homem de pouca fé, ainda que vivas em um país cafeeiro, creias, o Centro de Medicina do Trabalhador existe, e não é uma absoluta zona. É um lugar com aparência decente (“como deve ter todo prostíbulo que preste”, um satanás me diz). Mas não. Ali entro em uma sala, com duas atendentes. Que me parecem moças da maior seriedade. E por isso pergunto, com um pé atrás, em um intervalo de suas respostas ao telefone, “Centro de Medicina do Trabalhador”:

- Atestado de Sanidade Física e Mental ... é aqui?
- Aguarde a sua vez - ela me responde, enquanto me entrega um papelzinho numerado, que leio, “ficha 27”.

Olho ao redor. À minha frente, jovens recém-saídos da adolescência, e um deles sem dúvida é um rapaz típico de Pernambuco. Veste uma camisa negra, com as palavras, digo, com o anúncio, “Quick Silver”. Palavras em inglês, nas camisas, para muitos jovens do Recife têm um valor estético, porque as vêem com o mesmo significado de um ideograma chinês. Ao lado, um cidadão gordo, um quase velho, diria, se eu não estivesse em idade próxima à dele. Um inválido, eu acrescentaria, se nos últimos tempos eu não estivesse bem solidário para com os inválidos. Um homem, enfim, completo, que não passará com a sua imensa barriga em qualquer check-up. Ele sequer passa na abertura da cadeira, e por isto se põe um pouco de lado, a subtrair uma parte do largo traseiro no assento. Veste uma camisa bege, e percebo que outros também se vestem como ele, é uma farda, e todos eles possuem uma fita azul ao pescoço, que desce para um crachá, que deixam no bolso, onde está escrito “Tribunal de Justiça de Pernambuco”. Ah, bom, então isto aqui é sério, jamais será um prostíbulo, creio. Seis funcionários da justiça, chego a contar. Da Justiça, corrijo. Seis honrados servidores da Justiça de Pernambuco à espera do seu Atestado de Sanidade Física e Mental. Ó homem de pouca fé. O negócio, digo, o atendimento médico é garantido pelo órgão máximo das leis do Estado. Por isso, em paz e silêncio espero, para não descansar em paz.

Abre-se uma porta. Sai uma senhora, jovem, com uma bata branca. É médica, me digo. Porque os médicos usam bata branca. Mas não só: a jovem moça que sai tem um certo ar de confiança, da mais certa e certeira impunidade. Esse ar dos maus médicos, devo acrescentar, para viver sem a sua ameaça. E me calo, sob a proteção dos funcionários do estado. A jovem passa, volta e se fecha em uma sala, misteriosa. A senhorita da recepção me chama. Enquanto preenche uma ficha, que deve ser a minha, pergunta:

- Altura?
- Um metro e setenta. (Quis dizer um e oitenta, mas por modéstia reduzi dez centímetros)
- Peso?
- Setenta quilos.
- Aguarde.

Depois que me sento, descubro que por simetria informei meu peso em concordância com a minha altura. Um excesso de estética me fez descer o peso em quinze quilos. Mas é como se eu os tivesse, me digo. Mentalmente, sou um homem esbelto. No ideal em que me vejo, tenho um e oitenta de altura e peso setenta quilos. Guapo melhor não há.

Eis então que chega a minha vez, e uma porta se abre para meu primeiro exame do Atestado de Sanidade Física e Mental. O médico que me atende, devo dizer, o médico na frente do qual eu me assento, tem os olhos fitos na minha ficha estética. Ele não me olha, coitado, compreendo. A seu lado, possui uma pasta grande, aberta, cheia de fichas, e um papel com quadrinhos, que imagino ser um mapa estatístico, dos seus atendimentos na manhã. Quantos? Sessenta, noventa, cento e vinte? Sem me olhar, sem me ver, pergunta o pobre homem:

- Alguma doença?
- Não.
- Já fez alguma cirurgia?
- Sim....

O seu rosto ganha um ar de enfado, de aborrecida contrariedade. E sem me perguntar qual cirurgia e por quê:

- Mas tudo bem, não é?
- Sim, tudo bem.
- Fuma, bebe, drogas, tóxicos, algum vício? O braço.

Estendo-lhe o direito, a pensar que ele vai procurar, com percuciência, algum sinal de picada, marca ou tatuagem. Engano. Ata-me um tecido, ágil, pelo que sinto, na altura do antebraço, e com dois apertos em uma bola escura olha rápido o ponteiro em um medidor.

- Pode ir.

Confesso que lhe estendi a mão, para um cumprimento, que o pobre homem não pôde corresponder.

– O próximo.

Na recepção, a gentil e decente moça entrega-me um papel já assinado por um médico, que deve ser o mesmo na frente do qual eu transitei. Saio à rua, rápido, antes que ela se arrependa e me chame de volta. Leio e releio o documento. “Declaro, para os devidos fins, que o portador se encontra em perfeito gozo de saúde física e mental”. Que belo, que bela é a nossa organização física, mental e declaratória. Que belo. Jamais poderia imaginar que por quinze reais eu seria um homem esbelto, saudável e feliz. No mais estrito cumprimento da lei.


Urariano Mota é autor do blogue Sapoti da Japaranduba


Fonte: RevistaFórum

A Revista Fórum esta licenciada sob uma licença CreativeCommons

sábado, 19 de janeiro de 2008

Tudo Liberado: Obra Completa de Noel Rosa caiu em Domínio Público

Apesar da notícia ser do dia dois de janeiro ela não é nada velha. Ao contrário! É atualíssima e é de extrema utilidade pública. Afinal, não é todo dia que a obra de um dos grandes compositores da música brasileira se torna domínio público. Leia abaixo, na matéria do saite CulturaLivre, quais músicas de Noel Rosa que, desde o início do mês, são de domínio público.

Noel Rosa

Hoje, dia 2 de janeiro de 2008 é um grande dia para celebrar. E o motivo não é somente o início de um novo ano, mas principalmente porque as músicas de autoria de Noel Rosa caíram em domínio público. Em 1937, o Brasil perdia o compositor que se revelaria um dos mais influentes e representativos da música popular brasileira: Noel Rosa. Apesar de ter falecido jovem – aos 26 anos de idade – Noel Rosa deixou um acervo de mais de 200 obras, incluindo clássicos como: Com que Roupa?, de 1929; Gago Apaixonado, de 1930; Fita Amarela, de 1932; Três Apitos, de 1933; Dama do Cabaré, de 1934; e O X do Problema, de 1936; dentre várias outras canções.

Passados setenta anos da morte do compositor, a cultura brasileira recebe um enorme presente: as obras de Noel Rosa cairão em domínio público. Essa é a regra do direito autoral: proteger as criações por um período determinado de tempo (no Brasil, por toda a vida do criador e mais 70 anos após a sua morte). Transcorrido esse prazo, a obra passa a fazer parte do chamado “domínio público”. A partir de então ela se torna parte do patrimônio coletivo e qualquer pessoa pode utilizá-la. Assim, a partir de 2008, a obra de Noel Rosa será de todos os brasileiros, que poderão resgatá-la, regravá-la, executá-la, bem como fazer outros usos sintonizados com os tempos atuais, como a remixagem e o sampling.

As criações intelectuais, como a música, são elementos centrais da cultura de um povo. E esta é a finalidade do domínio público: permitir o estímulo à criatividade, aos novos artistas, para que a formação da cultura seja não um discurso, mas uma conversa que transcenda o tempo e o espaço e não acabe nunca. Assim, qualquer país precisa proteger e zelar por seu domínio público. Basta conversar com qualquer artista para constatar que a criação de uma obra é um processo que depende do acesso a outras obras. Ninguém criada a partir do nada. Quanto maior o contato com nossa cultura, maior nossa fonte de inspiração e maior nossa capacidade de produzir mais cultura. Com as obras de um artista como Noel Rosa tornando-se patrimônio coletivo, sua música tem a oportunidade singular de semear inspiração por toda uma nova geração de brasileiros.



Lucas Santtana e Seleção Natural interpretando "Palpite Infeliz" de Noel Rosa.

Para que o diálogo entre a obra de Noel Rosa e as novas gerações se faça o mais rico possível, é preciso estimular o uso criativo das obras em sintonia com os tempos da Internet e da tecnologia digital. Fenômenos como a “cultura remix” estão na ordem do dia. As barreiras entre "consumo" e a "produção" de cultura estão sendo abaladas a cada dia. O acesso a recursos criativos, que permitem a qualquer pessoa participar ativamente da esfera de formação da cultura, faz-se cada vez mais presente. O resultado disso são fenômenos que se expressam em práticas como os remixes, mash-ups, syncs, samples, colagens, que nada mais são do que a aceleração de uma prática que é tão corriqueira e antiga quanto a própria cultura: a mistura de pontos de vista e influências, que está na base de toda nova criação.

Essa verdadeira “cultura da mistura” tem mostrado como a disponibilidade de obras no domínio público aliadas à facilidade de criação e recriação trazida pelas novas tecnologias se traduz não só em maior produção, mas também reinvenção. As relações entre o maracatu tradicional e o rock no Recife estão aí para mostrar como ambos se beneficiaram da mistura. Com as obras de Noel Rosa em domínio público, abre-se o caminho não só para a permanente revitalização de sua música, mas também para uma explosão de usos criativos das suas canções.

Quem chegou, quem chegou

Mas uma questão importante faz-se então. Quais seriam as obras que estariam em domínio público, já que o gênio inquieto de Noel Rosa compôs vários de seus clássicos em parcerias?.

Este mapeamento é necessário porque nem todo o acervo do autor caiu em domínio público: a lei de direitos autorais estabelece que, para as obras produzidas em co-autoria, o prazo de proteção é contado a partir do falecimento do último dos co-autores. Assim, somente as obras de autoria exclusiva de Noel Rosa, ou aquelas produzidas com compositores que faleceram antes ou no mesmo ano em que ele, caíram em domínio público no ano de 2008. Para isso, o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV realizou um mapeamento das canções que caem em 2008 em domínio público. Você encontra a lista logo abaixo.

Este é somente o primeiro passo de um projeto maior que será desenvolvido pelo CTS/FGV visando estimular o uso e reuso criativo das obras de Noel Rosa. Fique atento aos sites www.culturalivre.org.br e www.overmixter.com.br para mais novidades.

Musicografia/Discografia de Noel Rosa
(composições exclusivas que entraram em domínio público em 2 de janeiro de 2008)

1) Agora
2) Alô Beleza
3) Amor de Parceria
4) Arranjei um fraseado
5) Ate amanha
6) Baianinha
7) Brincadeira de roda
8) Canção do galo capão
9) Cansei de implorar
10) Cansei de pedir
11) Capricho de rapaz solteiro
12) Choro
13) Chuva de vento
14) Cidade mulher
15) Coisas do sertão
16) Condeno o teu nervoso
17) Com que roupa?
18) Contraste
19) Cor de cinza
20) Coração
21) Cordiais saudações
22) Cumprindo a promessa
23) Dama do cabaré
24) Disse-me-disse
25) Dona Aracy
26) Dono do meu nariz
27) É difícil saber fingir
28) É preciso discutir
29) Envio essas mal traçadas
30) Espera mais um ano*
31) Estamos esperando
32) Eu não preciso mais do seu amor
33) Eu sei sofrer
34) Eu vou pra vila
35) Faz três semanas
36) Festa no céu
37) Fita amarela
38) Fita de cinema
39) Foi ele
40) Gago apaixonado
41) A Genoveva não sabe o que diz
42) João-ninguém
43) Juju
44) Lira abandonada
45) Madame honesta
46) O maior castigo que eu te dou
47) Malandro medroso
48) Marcha da primavera
49) Mardade de cabocla
50) Maria-fumaça
51) Mentir
52) Mentiras de mulher
53) Meu barracão
54) Meu bem
55) Minha viola
56) Muito riso, pouco siso
57) Mulata fuzarqueira
58) Mulato bamba
59) Mulher indigesta
60) Não brinca não
61) Não me deixam comer
62) Não morre tão cedo
63) Não tem tradução
64) Negocio de turco
65) No baile da flor-de-lis
66) Nos três dias de folia
67) Numa noite à beira-mar
68) Nunca... jamais
69) Nuvem que passou
70) Onde está a honestidade
71) Paga-me esta noite
72) Palpite infeliz
73) Para atender a pedido
74) Pela décima vez
75) Pesado 13
76) Picilone
77) Por causa da hora
78) Por esta vez passa
79) Por você sou capaz
80) Pra esquecer
81) Pra lá da cidade
82) Precaução inutil
83) Proezas de seu fulano
84) O pulo da hora
85) Quando o samba acabou
86) Quando pelas aulas ando
87) Que a terra se abra
88) Quem dá mais?
89) Quem não dança
90) Quem parte não parte sorrindo
91) Quem ri melhor
92) Rapaz folgado
93) Remorso
94) Riso de criança
95) Roubou, mas não leva
96) Saí da tua alcova
97) Saí do presídio
98) São coisas nossas
99) Século do progresso
100) Seja breve
101) Seu jacinto
102) Seu José
103) Silêncio de um minuto
104) Só você
105) Tipo zero
106) Três apitos
107) Tudo que você diz
108) Ultimo desejo
109) Vagolino de cassino
110) Vaidosa
111) Verdade duvidosa
112) Vingança de malandro
113) Você é um colosso
114) Você vai se quiser
115) Voltaste (pro subúrbio)
116) Vou te ripar I
117) Vou te ripar II
118) O x do problema
119) Yolanda
120) Samba anatômico


E viva Noel sempre vivo!

Fonte: CulturaLivre

sábado, 12 de janeiro de 2008

O Rock Brasil Anos 80 e sua importância

Anos 80: o paradoxo estendido na areia

por Paulo Bap



Titãs, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso e Legião Urbana

Com Eduardo e Mônica perto de completarem bodas de prata, vale a pena recordar o que acontecia quando eles se conheceram. Aquela festa estranha, com gente esquisita, não tinha uma trilha musical tão inovadora em termos de sonoridade, mas tornou-se uma identidade, imagem da juventude da época. Uma imagem tosca, mas real, talvez a única possível, diante das circunstâncias.

Tudo começou com Evandro Mesquita que, vindo do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, trouxe a linguagem teatral à sua banda Blitz, suas apresentações em palco e suas canções, a partir de “Você não soube me amar” que, em 1982, abriu as portas para o denominado BRock. Do grupo de teatro, também fazia parte a camaleoa Regina Casé. Da banda, Lobão e a carioca Fernanda Abreu. Marina Lima, Ritchie e Lulu Santos chegaram sozinhos, os dois últimos vindos de um grupo não muito conhecido, de nome Vímana, junto com Lobão. Num cantinho, meio deslocada, uma turma fazia uma festinha paralela: 14 Bis, Boca Livre e Roupa Nova.

Sem microcomputador, internet, telefone celular, CD e MP3, a informação era menos acessível. A televisão acabava de entrar na era dos vídeo-clips e as bandas de sucesso tocavam na rádio Fluminense e no Circo Voador, ambos no Rio de Janeiro, e apresentavam-se em programas de auditório como o Cassino do Chacrinha, da Rede Globo. Rolava de tudo: Miquinhos Amestrados, Abóboras Selvagens, Kid Abelha, Kid Vinil, Absyntho, Herva Doce, Sempre Livre, Camisa de Vênus. Difícil descrever, por exemplo, a loucura que era a apresentação dos Titãs, com seus oito integrantes se espalhando pelo pequeno palco em performances alucinantes, em meio à gritaria do auditório, estripulias de Chacrinha, toques de sirene e requebros das chacretes.

O Rock in Rio I, ocorrido em janeiro de 1985, ajudou a consolidar o BRock como algo rentável para as gravadoras e, por conseqüência, a disseminar o surgimento de bandas que apareciam por todas as bandas, de qualidade ou não. Mesmo não fazendo parte de suas atrações, os grupos Titãs, Legião Urbana, Ultraje a Rigor e RPM alcançaram um maior destaque após o festival, o qual ajudou, também, a alavancar a carreira de grupos que já se destacavam, como Kid Abelha, Blitz, Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho, este último protagonista de um de seus melhores momentos, quando Cazuza cantou, abraçado à bandeira brasileira, “Pro dia nascer feliz”. Era o dia da votação que elegeria Tancredo Neves presidente da república.

Nas escolas, na década anterior, os filhos da “revolução” cresciam tendo aulas de “moral e cívica”, que reverenciavam “nossos” presidentes. O movimento estudantil não tinha mais força, as manifestações culturais eram censuradas, a televisão deixava-nos burros, muito burros demais. Todo esse cerceamento de liberdade teve conseqüências na formação intelectual dessa geração perdida, que parecia de outro mundo, uns aliens alienados, que não tinham outra cara pra mostrar. Eram o fruto de todo esse lixo, “toda essa droga que já vem malhada antes de eu nascer”. Não havia outra saída: “vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês”.

Na década de 80, enfim, o sinal fechado do período de repressão tornou a abrir. Em 1979, veio a Lei da Anistia e em 1982, eleições diretas para governador, embora ainda não para presidente (Diretas já já). “Eu vejo a vida melhor no futuro”. Porém, o que fazer com essa senhora liberdade, que abria suas asas sobre nós? Que caminho seguir? Não sabíamos lidar com isso.

Por outro lado, se a política caminhava em direção a uma maior abertura, a liberdade sexual trilhava o caminho inverso: “meu prazer agora é risco de vida”. Frutos da revolução sexual dos anos 60, os jovens de então depararam-se com um vírus desconhecido, o qual, por ter sido, a princípio, entendido de maneira equivocada como exclusividade de homossexuais e africanos, alastrou-se rapidamente, resultado da filosofia egoísta dos “sem-risco”: “se não seremos atingidos, por que nos preocuparmos?”. Hoje, paga-se o preço por esse descaso.

Alienados, desiludidos, sem posições políticas definidas, “cansados de correr na direção contrária”, a seu jeito, os jovens protestavam: “indecente é você ter que ficar despido de cultura”, “as ilusões estão todas perdidas”, “os meus sonhos foram todos vendidos tão barato que eu nem acredito”, “meu partido é um coração partido”, “minha metralhadora cheia de mágoas”, “meu cartão de crédito é uma navalha”, “ideologia, eu quero uma pra viver”, “a gente não sabemos escolher presidente”, “ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”. Que país é esse?

Outros, em crise de identidade, apenas experimentavam o inédito prazer de comprar um disco e gostar de uma banda da qual seus pais não gostavam, que tivesse suas caras. Como rebeldes sem causa (“como é que eu vou crescer, sem ter com quem me rebelar?”), querendo negar os preceitos de Belchior de que “nossos ídolos ainda são os mesmos” e que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Como eles, queríamos nos sentir capazes de produzir algo de valor e não mais ter que repetir: “a gente somos inútil”.

Até que não nos saímos tão mal e, em meio ao lixo que cuspimos, pudemos garimpar e encontrar belas poesias expelidas por Cazuza, Renato Russo e Júlio Barroso, que poderiam ter feito muito mais, não fosse o destino tão cruel ao dizimar algumas das principais cabeças dessa geração. Herbert Vianna escapou por pouco e outros talentos também sobreviveram: Arnaldo Antunes, Nando Reis e Paulinho Moska, que à época rondava o lixo com música barata, junto com os Inimigos do Rei, entre outros.

O alívio definitivo e a certeza de que a década não fora perdida veio, então, quando escutamos Gal Costa, Caetano Veloso, Ney Matogrosso e Luiz Melodia cantando Cazuza, Chico Buarque cantando com Paula Toller, Tom Jobim com Marina Lima e Gilberto Gil cantando e compondo com os Paralamas do Sucesso, assim como exaltando o que acontecia, em seu “Roque santeiro – o rock”. O paradoxo estendido nas areias escaldantes, então, desfez-se, junto com um mar de dúvidas. Descobrimos, enfim, que poderíamos gostar desses expoentes da nossa geração sem romper com nossos grandes e insubstituíveis ídolos, os mesmos de nossos pais. Roqueiro brasileiro deixou de ter cara de bandido.

Fonte: Overmundo

O Overmundo é um site colaborativo. Um coletivo virtual. Seu objetivo é servir de canal de expressão para a produção cultural do Brasil e de comunidades de brasileiros espalhadas pelo mundo afora tornar-se visível em toda sua diversidade. O Overmundo adota como política geral de publicação uma licença Creative Commons.

sábado, 5 de janeiro de 2008

Há dez anos os Racionais lançavam Sobrevivendo no Inferno

2007: a profecia se fez como previsto

Há uma década, os Racionais lançavam Sobrevivendo no Inferno, seu CD-Manifesto. O rap vale mais que uma metralhadora. Os quatro pretos periféricos demarcaram um território, mostrando que as quebradas são capazes de inverter o jogo, e o ácido da poesia pode corroer o sistema

por Eleilson Leite

Uma década se passou e a profecia anunciada pelos Racionais MC’s vem se confirmando a cada ano. Em 1997, Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay trouxeram ao mundo uma obra que marcou o rap nacional em definitivo e lançou as bases do que, hoje, chamamos de Cultura de Periferia. Estou falando do CD Sobrevivendo no Inferno. Esse disco alçou o grupo à condição de maior representante, no Brasil, de um gênero musical que renovou a música no planeta. Pode observar. Quando algum artista quer dar uma roupagem moderna às suas canções, o produtor bota lá uns scratches, faz uma colagem com letras de rap ou tenta copiar os manos que dominam a composição rimada e ritmada do rythman and poetry.

Mas a qualidade artística de Sobrevivendo no Inferno é apenas um lado desse marco. O CD é um manifesto. Do começo ao fim, canção por canção, os Racionais vão compondo a carta de intenções do gueto. Uma declaração de revolta — revide de quatro sobreviventes. Suas armas? O rap que vale mais do que uma rajada de metralhadora. Com seu “verso violentamente pacífico” os quatro pretos periféricos demarcaram um território, até então, definido apenas pela concentração da pobreza, violência e descaso das autoridades.


Nesse disco, os Racionais mostraram uma periferia poderosa, capaz de reverter o jogo. Uma periferia altiva, consciente de sua condição social e do quanto lhe foi negado. Um povo que, durante décadas, foi amontoado nos arrabaldes, volta-se agora contra os que a empurraram pro gueto. “A fúria negra ressuscita outra vez…”, anuncia Mano Brown. E vestidos com “as roupas e armas de Jorge”, esses quatro jovens, na faixa dos 27 anos, convocavam, na época, todo povo pobre do Brasil. “Periferia é periferia em qualquer lugar”, dizia Edy Rock em inspirada canção. Estava decretado o orgulho e a exaltação do ser periférico.

Com mais de 1 milhão de discos vendidos oficialmente (e, pelo menos, a mesma quantidade reproduzida, digamos, extra-oficialmente...), esse poderoso manifesto, até hoje, cala profundamente e ainda vai influenciar multidões. Os Racionais mostraram que a poesia pode corroer o sistema, constranger as elites. Um ano depois de lançar o Sobrevivendo no Inferno, o grupo ganhou o Vídeo Music Award da MTV com o clipe da canção mais famosa do disco — Diário de um Detento. Surpreendendo a todos, ao aparecer para receber o troféu Mano Brown disparou: “dedico este prêmio a minha mãe que me criou lavando muita roupa suja de playboys como vocês…”.
Não, Mano, o sistema não está sob teus pés. Mas a periferia tornou-se altiva, admirada, consicente de sua condição e do quanto lhe foi negado

Em uma das faixas do CD, a que mais gosto, Estou ouvindo alguém me chamar, a letra fala de um jovem que se inicia no mundo do crime. Seu batismo foi num assalto a uma butique do Itaim. “Todo mundo pro chão, pro chão, o cofre já estava aberto, o vigia tentou ser mais esperto…”, e por aí vai. Em tom reflexivo, vem conclusão dessa parte da história: “Pela primeira vez eu vi o sistema aos meus pés, apavorei, desempenho nota 10”. Imagino que o Mano Brown e seus amigos, diante daquela platéia de brancos bem-nascidos no evento da MTV, tenham pensado o mesmo. De repente, diante dele, centenas rapazes e moças de bochecha rosada aplaudindo-o por ter feito um clipe falando do massacre de 111 presos, quase todos pretos, todos pobres, gente encarada pelo Estado como entulho. Não, Mano Brown, o sistema ainda não está sob seus pés. Como você próprio diz, és um “efeito colateral que seu sistema fez…”. Mas os Racionais abriram um caminho. Como é dito no CD/Manifesto: “eu sou apenas um rapaz latino-americano apoiado por mais de 50 mil mano…”.

Penso que a “base social” dos Racionais tenha multiplicado- se pelo menos dez vezes. Depois de Sobrevivendo no Inferno, veio o Ferrés, mostrando que na Favela tem escritor de qualidade. Surgiram o Samba da Vela, o Sarau da Cooperifa e outros tantos movimentos que engrandecem a periferia. A última canção do disco chama-se Salve. Nela, os músicos dos Racionais citam mais de 60 quebradas: Jardim Ângela, Jardim Ebrom, Vaz de Lima, Vila Calu, Grajaú, Cidade Tiradentes, São Mateus, Brasilândia etc. São regiões da metrópole paulistana que só apareciam nas páginas policiais e nos registros dos detentos nas delegacias e no extinto Carandiru. Mas hoje, caros racionais, graças ao talento e à firmeza ideológica, para usar uma expressão cara ao MST, de artistas como vocês, esses bairros periféricos aparecem, cada vez mais, como redutos de uma arte original, bela e comovente.


Não por acaso surgiu a Agenda Cultural da Periferia. O movimento cultural já justifica um Guia próprio. Uma novidade surgida em 2007 que nos enche de orgulho. De São Mateus, vem o melhor disco de samba do ano com o registro fonográfico do Berço do Samba de São Mateus. Um dos projetos literários mais interessantes do ano é a Coleção Literatura Periférica, da Global Editora, que trouxe, nos três primeiros volumes lançados neste ano, Sergio Vaz, Sacolinha e Alessandro Buzo. O Sacolinha já foi escolhido para a Jornada Literária de Passo Fundo do ano que vem. O Vaz recebeu proposta para traduzir sua obra na França. O Buzo logo será assediado por cineastas em busca de uma história original, veloz e instigante. E para 2008 teremos mais.

Dez anos depois, a profecia se cumpre outra vez. Neste grande ano, o exemplo maior, entre tantos outros, da força da cultura suburbana, foi a realização da Semana de Arte Moderna da Periferia, realizada em novembro, liderada pelo Sarau da Cooperifa. Nesse evento, o povo do gueto mostrou bem o que diz o belo samba interpretado por Beth Carvalho: “da fruta que eles gostam, eu como até o caroço…”. Salve Racionais MC’s. Salve Periferia. Que 2008 tenha muito mais arte. Não tenho dúvida. Por meio da cultura, pode-se virar o jogo.

Fonte: LeMondeDiplomatique

A edição eletrônica de Le Monde Diplomatique é regida pelos princípios do conhecimento compartilhado (copyleft), que visam estimular a ampla circulação de idéias e produtos culturais. A leitura e reprodução dos textos é livre, no caso de publicações não-comerciais. A única exceção são os artigos da edição mensal mais recente, acessíveis no menu lateral esquerdo do site. A citação da fonte é bem-vinda. Mais informações sobre as licenças de conhecimento compartilhado podem ser obtidas na página brasileira da Creative Commons

Mensagem de Leonardo Boff para o início de Ano

Ainda em clima de festas de final de ano, o Música&Poesia reproduz um belo texto otimista de Leonardo Boff, publicado no saite da agência de notícias Adital. E não é que dois mil e oito já tá aí!


Aforismos

Leonardo Boff *

Não parece descabido, no início do ano, oferecer alguns aforismos, fruto de reflexão e da sabedoria cotidiana presente no ambiente cultural. Elencaremos uns quantos, compreensíveis por si mesmos.

Mais importante que saber é nunca perder a capacidade de aprender.

Se tudo no universo está em gênese, então o paraíso ansiado não está no começo mas no fim.

Somos inteiros, mas não prontos. Começamos a nascer e vamos nascendo lentamente até acabar de nascer. É quando então morremos.

Só pode morrer o que é. O possível que ainda não é, permanece para se realizar no além morte.

Não vivemos para morrer. Morremos para ressuscitar.

Se você se sente gente comum, console-se. Deus deve ter amado muito a gente comum para criar um número tão grande, entre eles, eu e você.

Não vá por caminhos já andados. Caso contrário nunca deixará marcas suas no chão.

Se quiser ir longe, vá devagar. Nunca pare nem ande para trás.

Agradeça a Deus por ter tropeçado. Assim evitou uma queda.

Onde não há nenhum medo, não haverá também nenhuma coragem, necessária para viver.

Se quiser esquecer as muitas pedras que impedem o seu caminho, pense nos fundamentos da casa que pode construir com elas.

Na luta entre a pedra e a gota, ganhará sempre a gota não por sua força, mas por sua persistência.

Se mantiver firme a perspectiva do fim, não haverá obstáculo que lhe seja insuperável.

O novo somente surge à condição de que algo tenha sido deixado para trás.

Para quem busca, haverá sempre uma Estrela como a de Belém para iluminar o seu caminho.

Um navio está seguro no porto, mas não é para isso que foi construído.

De uma única vela podem se acender milhares de outras sem que sua luz diminua.

Se quiser subir uma longa escada não olhe para ela, apenas para cada degrau.

Para aqueles que querem cantar, haverá sempre uma melodia à disposição no ar.

Só entenderá bem o outro quem se colocar no lugar dele.

Até o relógio parado, duas vezes ao dia está certo.

Seja como a cigarra que para se renovar tem que perder toda sua aparência exterior.

Só se alegrarão com o nascer do sol aqueles que souberam esperar dentro da noite escura.

Ninguém entrará no céu se primeiro não começou a construí-lo aqui na terra.

Todo menino quer ser homem. Todo homem quer ser rei. Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino.

Porque os cristãos anunciaram um Deus sem o mundo, surgiu em conseqüência um mundo sem Deus.

Humano assim como Jesus, só Deus mesmo.

No começo de tudo não está a solidão do Uno, mas a comunhão dos Três: da Origem sem origem, da suprema Palavra e da sagrada União de tudo com tudo. Eles estão tão entrelaçados no amor que se uni-ficam, quer dizer, fica Um.


* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ


Fonte: Adital