sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Maria Bethânia em Dois Tempos

A menina, em 1966
Maria Bethânia ressurge em dois momentos de sua carreira, aos 20 e aos 60 anos
por Pedro Alexandre Sanches


Duas pontas distantes da trajetória de Maria Bethânia se entrelaçam em dois documentários editados em DVD duplo pela Quitanda, selo da cantora dentro da gravadora Biscoito Fino. Em Bethânia Bem de Perto, média-metragem dirigido por Julio Bressane e Eduardo Escorel em 1966, ela aparece aos 20 anos de idade, recém-revelada por Nara Leão. Ainda acorrentada ao sucesso instantâneo de Carcará, a certa altura ela observa, com desconsolo, que o público não a aplaude quando canta outra música qualquer que não aquela.

Em Pedrinha de Aruanda, filmado por Andrucha Waddington em 2006 e recém-exibido nos cinemas, faz o caminho de volta e se deixa filmar na cidade natal, Santo Amaro da Purificação (BA), em cenas triangularmente protagonizadas pela mãe hoje centenária, dona Canô, e o irmão, Caetano Veloso, que dirige o automóvel rumo a Santo Amaro.

A curvatura do tempo se faz notável entre a menina de 1966 e a senhora de 2006, como se percebe em especial nas cenas nada polidas de Bethânia Bem de Perto. Ali, a artista aparece como garota sapeca de trejeitos ainda perplexos diante da fama que chega. Essencialmente desbocada, desanca Roberto Carlos (“Eu acho de uma pobreza total”, descreve o iê-iê-iê Quero Que Vá Tudo pro Inferno, pouco antes de se converter em fã entusiasmada do colega) e a bossa nova (“O Barquinho eu odeio, não gosto nem de saber que existe, eu não agüento esse tipo de música”). A MPB ainda não existia como sigla, nem era a família comportada de hoje em dia.

Bem mais discreta e compenetrada é a mulher madura radiografada por Pedrinha de Aruanda, em cenas de devoção fervorosa ora à Igreja Católica, ora ao candomblé, ora à música cantada em um sarau interiorano na varanda da casa antiga. Sedutora e impiedosa, dona Canô rouba parte da cena ao cantar em voz aguda e afinada, ao dizer que não sente orgulho da fama dos filhos e ao lembrar que a pequena Bethânia interpretava “até” o Saci Pererê, mas não queria cantar, porque “tinha voz grossa” e “ninguém gostava”.

O giro no túnel do tempo termina com o retorno da Bethânia de 60 anos de idade à arena vazia de um circo em Santo Amaro. Ali, lembra que sonhava fugir com a trupe quando menina, volta a cantar os versos tristonhos do sambista baiano Batatinha (todo mundo vai ao circo/ menos eu, menos eu/ como pagar ingresso, se eu não tenho nada?/ fico de fora escutando a gargalhada) e conclui que até hoje “meu ofício de algum modo é isso”. E o périplo delicado termina no meio do picadeiro, de volta ao começo.

Fonte: CartaCapital

Pedrinha de Aruanda - Trailer

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