quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Dois Videoclipes de Mariana Aydar

Aqui dois vídeos produzidos pelo saite Música de Bolso, que é um projeto bem legal que propõe unir a música e o cinema de forma espontânea. Segundo seus criadores, Música de Bolso é uma proposta audiovisual que faz música para ver e vídeos para ouvir. Que quer produzir uma apresentação "ao vivo" onde ela provavelmente não aconteceria - ou, se acontecesse, onde não haveria uma câmera para registrá-la.

Segue os clipes, produzidos pela galera do Música de Bolso, de Mariana Aydar. Primeiro, Mariana canta “1, 2, 3” (Un, Deux, Trois). No outro vídeo a interprete apresenta "Na Gangorra".


Un, Deux, Trois - Mariana Aydar


Na Gangorra - Mariana Aydar


História (Segundo o Música de Bolso)
Antes mesmo de lançar “Kavita 1” (2006), seu disco de estréia, e tornar-se sucesso de critica e público, Mariana Aydar já colaborava artisticamente em projetos dos integrantes do Música de Bolso.
Intérprete de personalidade, Mariana está sempre procurando inventar. E, para isso, abre os braços para parcerias e influências, com artistas de sua e de outras gerações, do Brasil e do exterior.
Mais do que depressa convidou o músico Duani para participar dos vídeos. E, para seu LADO A, uma bela recriação da canção “1, 2, 3”, da francesa Camille, contou também com o valiosíssimo reforço de seu pai, Mario Manga, para repetir o trio que já fora tão bem sucedido em apresentações ao vivo. E que fica aqui, pela primeira vez, devidamente registrado.
Para o LADO B, no melhor estilo da despretensão que o Música de Bolso tanto incentiva, fomos ao parque de diversões Playcenter, fazer com que Mariana e Duani cantassem brincando, ou brincassem de cantar. “Na Gangorra” (Giana Viscardi e Michael Ruzitschka) reflete essa liberdade criativa e a pura diversão para a qual, às vezes, a música existe.

Chico x Vandré

JAIR, NARA E CHICO.
FRAUDE GENEROSA
Resultado de Festival só saiu 37 Anos Depois

“Olha, negão. Não brinca muito quando você for cantar minha música porque ela é coisa séria.” Era Geraldo Vandré convidando Jair Rodrigues para defender Disparada no 2º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, em 1966. Prepare o seu coração / Para as coisas que eu vou contar...
O concurso era mesmo coisa séria. No País não se falava em outra coisa. A moda de viola moderna de Vandré e Théo de Barros dividia a preferência do público com a marchinha A Banda, de Chico Buarque, interpretada pela voz doce de Nara Leão. Estava à toa na vida / O meu amor me chamou...
No dia da decisão, 10 de outubro de 1966, surpresa. As duas canções venceram, empatadas. Mas a história não acaba aí. Trinta e sete anos depois vem a revelação do jornalista Zuza Homem de Mello, que trabalhou no festival como técnico de som: A Banda, na verdade, havia vencido por 7 votos a 5. Ao saber do resultado com antecedência, Chico negou-se a receber o prêmio sozinho. Achava Disparada muito superior. (RC)

SAIBA MAIS
A Era dos Festivais – Uma Parábola, de Zuza Homem de Mello (Editora 34, 2003).

Fonte: AlmanaqueBrasil

O Almanaque Brasil está sob licença Creative Commons. A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não-comercial, desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores.


Ouça Disparada na voz de Jair Rodrigues e A Banda pelo próprio Chico

Disparada (Geraldo Vandré) - Jair Rodrigues
Geraldo_Vandré-Dis...


A Banda - Chico Buarque
A Banda.mp3

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Mutantes + Tom Zé

Os Mutantes e Tom Zé juntos novamente
por Gustavo Abreu

As fofocas anunciando o fim definitivo da lenda paulistana Os Mutantes certamente não passam de história-boa-para-vender-jornal. A reunião após quase 30 anos fora dos palcos parece ainda render bons frutos para os irmãos Baptista, que nesta semana anunciaram ao Billboard.com que estão em estúdio e pretendem em 2008 lançar material inédito com a nova formação da banda.

Segundo o guitarrista Sérgio Dias, sete ou nove canções já estão preparadas e eles esperam poder arranhá-las pela primeira vez no próximo aniversário da cidade de São Paulo, em janeiro de 2008. Também revelou ao site que, no momento, seu parceiro de composição é o amigo de longa data Tom Zé, responsável pela autoria de inúmeros sucessos da primeira formação da banda, em meados de 1967.

Além disso, os ex-parceiros de Rita Lee se preparam para o lançamento de um álbum ao vivo, gravado no festival londrino Barbican em maio de 2006, apresentação que marcou a volta concreta da banda em sua nova formação, contando com a cantora Zélia Duncan nos vocais de hits como Don Quixote, Ave Lúcifer e Baby. O CD intitulado de Live ar the Barbican possui ao todo 15 faixas e sairá pela gravadora Luaka Bop, do Talking Head David Byrne.

Fonte: BananaMecânica

Poesia Angolana

FERNANDO COSTA ANDRADE

Luanda

Aqui reside tudo
E todos
Germinam as raízes todas

Aqui está cada um dos braços e dos rostos
Dum só corpo que anda sobre o vento
Navega os céus e toda a geografia
Desde a minha aldeia e do meu povo

Desce o campo refugia-se na cidade
Das ruínas às pontes de margens ansiosas

Tarda o abraço
Demora o dia das horas sucessivas
Sem paragem

No tempo de memórias tristes
Aqui estamos e estaremos
Porque somos
Mais do que pó e húmus
Unida essência dum jardim de vida
Morremos várias vezes no percurso
Mas seremos sempre
Capazes de chegar
à vida

Porque somos todos, somos um
Em cada um
Dos pontos cardeais
Deste país.


NJINGA

Com três palavras granito
Componho o teu poema

Força de penedo
Vontade do silex
Diplomacia rochosa

Do teu reinado
Entre o sólido magma
Defendias sem sabê-lo

Um quadrado imenso
De águas diamantinas
Areias vivas dispersas
Abismos de petróleo ensolarado
E povos
Povos verdes de futuro

Um só azul o berço
Em teu robusto colo
Veludo negro
Mulher de pedra eterna.


Memória

Memória Como se um dia injustamente
Tivesse partido á frente
Para deixar-nos somente a noite

Como se o mar sozinho
Tivesse decidido
Deixar-nos secas areias moribundas

Só porque vergaste o sol, camarada
Para levá-lo contigo
Na tipóia

Não há memória, querido amigo
De Setembro
Ter arrefecido tanto


A Estrada é um Matagal

A estrada é um matagal
Gretado
Não leva ninguém mais
Às minhas referencias

Elas restam
Onde persiste
A memória apunhalada dos meus olhos

Mesmo as pedras tumulares
Dos antigos sobados de Emanha

Não bastam para esquecer
As quarenta labaredas dos seus corpos fechados
No aramazém - forno de zinco
Tábuas de loncha e adobes rebocados

De fora disparava a noite
Aos tambores de combustível
Diante da porta e das janelas gradeadas
Armazém transformado em crematório

Os galos em silencio
Ouviam

Outros galos cantavam a metralha.


Que País

Que país
Que história
Que presente
Que futuro
Ou que passado construímos?

Este que destrói primeiro
E depois sepulta em honra
Cada um dos seus heróis
No esquecimento?


Para Quando ...

Para quando o fim desta mania
De acreditar em sonhos acordados
Impossíveis?

Para quando a manhã de sol
Para quando o nunca
Seja ontem?

Para quando o amanhã
O despertar
Do sempre?


Eis de Repente ...

..... eis de repente
do Lépi a chuva densa
alturas de Nambunagongo
Silongo de Mandume
Chanas que pisei no leste
Maiombe de lendas infindáveis

O ar livre de poeiras dos escombros
Reabre sonhos escondidos na agonia

A velha da tchimanda
Dá o nome de David
E o da Miete
Aos meninos que encontrou
Na estrada

No Tchinguluma
Ouvem-se as abelhas zumbir
Em torno das cores perto do rio

Também viram no Mufupu
Jeremias a cobrir a casa
Com capim novo da chama

Lukau vinda do norte
Trouxe abacates no pano e ofereceu-os
Olhos brilhantes húmidos felizes

Disseram-me hoje
Há folhas verdes outra vez
Nos ramos da loncha da Emanha
Nas mangueiras do salundo
Vozes falam do milho a germinar
No Huma e na Cativa

Passaram os anos em que a morte
Venceu todas as batalhas

Finalmente agora pouco a pouco
Começa a vida a vencer a guerra.


Costa Andrade
Francisco Fernando da Costa Andrade ou simplesmente Costa Andrade, também conhecido por Ndunduma wé Lépi, nome de guerra adotado nos tempos da guerrilha no Leste de Angola, durante os idos anos 60 e 70, é natural do Lépi, localidade situada na atual província Huambo, onde nasceu há 71 anos, em 1936, portanto. Fez os estudos primários e liceais na cidade do Huambo e Lubango. Por razões que se prendiam com a falta de universidades ou outras escolas superiores na Angola colonial, como acontecia na generalidade com os jovens da sua geração, Costa Andrade encontrava-se em Portugal, nas décadas de 40 e 50, com o objetivo de, em Lisboa, realizar estudos de Arquitetura.Com Carlos Ervedosa, foi editor da Coleção Autores Ultramarinos da Casa dos Estudantes do Império, que desempenhou um papel decisivo na divulgação das literaturas africanas de língua portuguesa, especialmente da literatura angolana.

Tem colaboração dispersa em várias publicações periódicas. Publicou textos sob vários pseudónimos, sendo o mais recente o heterónimo Wayovoka André. Além de Portugal, fixou residência por longos períodos de tempo do seu exílio em países como Brasil, Yugoslávia e Itália, onde, além de prosseguir os estudos, desenvolveu uma intensa atividade de conferencista. É membro fundador da União dos Escritores Angolanos. Entre os vários pseudónimos que usou, destacam-se Africano Paiva, Angolano de Andrade, Fernando Emílio, Flávio Silvestre, Nando Angola. A versatilidade de Costa Andrade, confirma-se com a sua já conhecida faceta de artista plástico. Mas tal prova acima de tudo uma personalidade, um escritor, um artista que se encontra em permanente busca de materiais e matérias para o trabalho criativo, avultando na sua história pessoal a arte do compromisso e da ruptura ao mesmo tempo. Da sua bibliografia, em que se inscrevem obras de poesia, ficção e ensaio, destacam-se, entretanto, pelo seu número as obras de poesia. Publicou: Terra de Acácias Rubras, (poesia, 1961) Tempo Angolano em Itália (poesia, 1963); Poesia com Armas (poesia, 1975); O regresso e o canto (poesia,1975); O caderno dos Heróis (poesia, 1977); No velho ninguém toca (texto dramático, 1979); Literatura Angolana ( Opiniões), (ensaio, 1980); No país de Bissalanka (poesia, 1980); Estórias de Contratados (conto, 1980); Cunene corre para sul (poesia, 1984); Ontem e Depois (poesia, 1985) Lenha Seca (versões em português do fabulário de língua Umbundu, 1986); Os sentidos da pedra ( poesia, 1989); Falo de Amor por Amar (poesia), Lwini (poesia) com o heterónimo Wayovoka André, Limos de Lume (poesia, 1989); Irritação (poesia, 1996); Luanda -Poema em Movimento Marítimo (poesia) 1997.
Fonte biografia Costa Andrade: Literatura Angolana

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Maria Bethânia em Dois Tempos

A menina, em 1966
Maria Bethânia ressurge em dois momentos de sua carreira, aos 20 e aos 60 anos
por Pedro Alexandre Sanches


Duas pontas distantes da trajetória de Maria Bethânia se entrelaçam em dois documentários editados em DVD duplo pela Quitanda, selo da cantora dentro da gravadora Biscoito Fino. Em Bethânia Bem de Perto, média-metragem dirigido por Julio Bressane e Eduardo Escorel em 1966, ela aparece aos 20 anos de idade, recém-revelada por Nara Leão. Ainda acorrentada ao sucesso instantâneo de Carcará, a certa altura ela observa, com desconsolo, que o público não a aplaude quando canta outra música qualquer que não aquela.

Em Pedrinha de Aruanda, filmado por Andrucha Waddington em 2006 e recém-exibido nos cinemas, faz o caminho de volta e se deixa filmar na cidade natal, Santo Amaro da Purificação (BA), em cenas triangularmente protagonizadas pela mãe hoje centenária, dona Canô, e o irmão, Caetano Veloso, que dirige o automóvel rumo a Santo Amaro.

A curvatura do tempo se faz notável entre a menina de 1966 e a senhora de 2006, como se percebe em especial nas cenas nada polidas de Bethânia Bem de Perto. Ali, a artista aparece como garota sapeca de trejeitos ainda perplexos diante da fama que chega. Essencialmente desbocada, desanca Roberto Carlos (“Eu acho de uma pobreza total”, descreve o iê-iê-iê Quero Que Vá Tudo pro Inferno, pouco antes de se converter em fã entusiasmada do colega) e a bossa nova (“O Barquinho eu odeio, não gosto nem de saber que existe, eu não agüento esse tipo de música”). A MPB ainda não existia como sigla, nem era a família comportada de hoje em dia.

Bem mais discreta e compenetrada é a mulher madura radiografada por Pedrinha de Aruanda, em cenas de devoção fervorosa ora à Igreja Católica, ora ao candomblé, ora à música cantada em um sarau interiorano na varanda da casa antiga. Sedutora e impiedosa, dona Canô rouba parte da cena ao cantar em voz aguda e afinada, ao dizer que não sente orgulho da fama dos filhos e ao lembrar que a pequena Bethânia interpretava “até” o Saci Pererê, mas não queria cantar, porque “tinha voz grossa” e “ninguém gostava”.

O giro no túnel do tempo termina com o retorno da Bethânia de 60 anos de idade à arena vazia de um circo em Santo Amaro. Ali, lembra que sonhava fugir com a trupe quando menina, volta a cantar os versos tristonhos do sambista baiano Batatinha (todo mundo vai ao circo/ menos eu, menos eu/ como pagar ingresso, se eu não tenho nada?/ fico de fora escutando a gargalhada) e conclui que até hoje “meu ofício de algum modo é isso”. E o périplo delicado termina no meio do picadeiro, de volta ao começo.

Fonte: CartaCapital

Pedrinha de Aruanda - Trailer

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Entrevista com Martinho da Vila


Carioca, sambista consagrado, pai de oito filhos e avô de sete netos, Martinho da Vila – o “da Vila” devido ao seu caso de amor intrínseco com a escola de samba Unidos de Vila Isabel – recebeu a Caros Amigos em São Paulo no lançamento do seu livro Vermelho17. Sim, Martinho também é escritor e tem 7 obras publicadas. Antes da carreira musical, foi auxiliar de químico industrial e serviu o exército como sargento burocrata, também cursou a Escola de Instrução Especializada, tornando-se escrevente e contador. A carreira ganhou força no III Festival da Record, em 1967. Foi o primeiro sambista a ultrapassar a marca de um milhão de cópias com o CD Tá Delícia, tá Gostoso, de 1995. Nesta entrevista solta o verbo, diz que as gravadoras massificam a produção para facilitar o sucesso das músicas, que o ministro Gilberto Gil “é mais um relações públicas que vai aos lugares e faz tipo” e que o governo Lula ficará para a história pois “qualquer trabalhador pode sonhar hoje”. Com vocês, Martinho José Ferreira.

entrevistadores: Natália Mendes, Léo Arcoverde e Vinícius Souto.
fotos: Flora Bonatto.

Vinícius Souto - Poderia começar falando de sua infância e da trajetória até a música.
Essa resposta é muito sabida, tem em todos os lugares. Nasci no Estado do Rio de Janeiro, fui criado na Serra dos Pretos Forros, na Boca do Mato, depois fui para a Vila Isabel.

Vinícius Souto – E o seu “off-rio”?
Isso é interessante. Nasci numa fazendinha e depois a comprei. Nasci na cidade de Duas Barras, mas fui criado no Rio de Janeiro. Quando voltei, fui ao cartório onde fui registrado, fizeram uma festa pra mim, levaram-me na Igreja onde fui batizado e na casa que nasci. Por acaso estava à venda e comprei. Esse lugar, que chamo de “meu off-rio”, é um instituto cultural que prioriza a alfabetização de adultos e da música regional.

Vinícius Souto – O senhor já produziu livros, músicas nos mais variados ritmos. De onde vem o gosto pela diversidade?
Tem algumas coisas que a gente não sabe explicar muito, por que faz, como fez. Os historiadores é que sabem explicar melhor esse fenômeno. A gente faz as coisas, vai criando, vai acontecendo... Só penso em fazer, não penso em explicar.

Vinícius Souto - Fale um pouquinho sobre o livro Vermelho 17, da associação ao socialismo, da filosofia das barbearias.
Ao ver a capa uns pensam logo no Manifesto Comunista de 17, outros pensam em um cassino com uma roleta e alguém jogando vermelho 17. Não é uma coisa nem outra. Falo de um jovem de 17 anos que resolveu contar sua história. Acredito que os adolescentes têm pouca literatura dirigida, há muita literatura para adulto, muita para criança. Há poucos escritores dispostos a escrever para esse público. Quem sabe não incentivo outros escritores a escrever para adolescentes?

Vinícius Souto – O livro é baseado na vida de algum adolescente?
Natália Mendes – Ou algo que o senhor mesmo tenha vivido.
Não tem nada a ver comigo. Imaginei um rapaz classe média, que mora num bairro, que são áreas que conheço. Não poderia escrever sobre a periferia de São Paulo. A história gira em torno de uma barbearia, o pai dele era barbeiro, e nas barbearias, agora não muito, mas na periferia ainda tem muito daquelas barbearias que ficavam abertas, que as pessoas iam lá para ler jornal, conversar, falar de política. É vermelho porque o personagem se chama Vermelho, o pai dele deu esse nome, pois gosta do vermelho: do América Futebol Clube, do PC do B, do Partido Comunista, gostava de dar rosas vermelhas para a mulher, etc.
“Escola de samba é uma coisa mais apaixonante, tem uma magia que pega qualquer um.”

Léo Arcoverde – Esse personagem ouve do pai que a vida de casado é boa, mas a de solteiro é melhor?
Ele fala muita coisa que ouviu na barbearia. Muita conversa de adulto.

Léo Arcoverde – Seria um trecho autobiográfico?
Não. Isso é chavão tradicional. Existe até uma música: “a vida de casado é boa, a de solteiro é melhor. O solteiro vai aonde quer, o casado tem que levar a mulher”.

Vinícius Souto – Mudando o rumo, quem hoje no Brasil produz um samba de qualidade?
Há uma produção muito grande no Brasil.

Natália Mendes - Qual é boa?
Dudu Nobre, Jorge Aragão, Paulinho da Viola, Maria Rita, Euclides Amaral, Luciana Melo. O samba está sempre em evidência e todos os grandes cantores acabam cantando samba. Todos!

Vinícius Souto – Ainda é viável produzir samba de qualidade num país que tem muita gente que valoriza o lixo musical, os estereótipos?
É meio difícil. A venda hoje é em função de um plano de marketing, que deve ter investimento alto. Então, as músicas que tocam todo dia na rádio, tocam porque existiu investimento, acerto, acordo. Você não ouve a maioria dos grandes intérpretes no rádio, porque não estão lançando coisa nova. As gravadoras acham que precisam massificar a produção. Fica mais simples e fácil de torná-la sucesso. Se você massifica a música bem elaborada ela chega lá, mas massificar o mais simples é mais fácil. O alcance é maior. Hoje a produção é muito grande, no passado era difícil gravar, agora se grava CD em casa. Mas ao fazer um disco, para o parente ouvir é complicado. Você se arrisca em perguntar pra ele se já ouviu? Porque ele não ouviu. Tem muito desse problema. Todo lugar que vou, recebo quatro, cinco discos. E não posso ficar ouvindo, não fico ouvindo tudo, não sou cantor que fica garimpando músicas pra ver qual é certa. Ganho discos pra chuchu, de vez em quando tiro um dia: “hoje vou ouvir umas coisas”.

Léo Arcoverde – Às vezes ganhou o disco há cinco anos atrás e vai ouvir pela primeira vez.
Verdade. Boto ali e vou jogar paciência no computador. Se pudesse ouvir música escrevendo, faria as duas coisas, mas não consigo. Por exemplo, se eu for daqui a um lugar vendo uma bela paisagem, não posso botar música, porque se botar não vejo nada. Não sei como alguém pode estudar ouvindo música.

Vinícius Souto - O que você ouve?
Ouço o que está no ar. No carro ligo o rádio, procuro uma rádio mais diversificada. Às vezes tem alguma coisa que quero, preciso ouvir. Música folclórica, por exemplo.

Vinícius Souto – O senhor disse que há muitas diferenças em relação ao passado quanto ao processo de produção e gravação de músicas. Na sua carreira, no que essas mudanças influenciaram?
No tempo em que comecei (Festival da Record em 1967) era muito difícil. Nem vou falar do antes, porque no antes era mais complicado ainda. Existiam poucas fábricas, nem todas as gravadoras tinham fábricas de discos. Havia uma ou duas que produziam o LP. Esse material era importado. Quem importava? Eram as gravadoras. Elas que tinham que querer gravar. Com o advento do CD, grava-se com muita facilidade, não precisa ter um estúdio grande. Tendo um estudiozinho basta. Você tem uma produção musical muito grande, o que dificulta. O difícil hoje é ouvir. Aí gravei um disco, você também, todo mundo, a gravadora escolhia um disco para trabalhar, os outros ficavam de fora. Mas eu podia divulgar particularmente ou ter um divulgador, eu mesmo ir à rádio. Conseguia tocar um pouco. Hoje já não dá. É tudo padronizado. A rádio tem uma tendência musical e uma lista de músicas que o comunicador, antes chamado de disc-jóquei, não pode tocar. Se ele for amigo ele não pode tocar você, porque tem uma lista compromissada.
Martinho no exército, é o primeiro da esquerda para direita.

Vinícius Souto – Como ultrapassar essa barreira?
Não dá, porque tudo é planejado. Eu mesmo sou conhecido, para a rádio é interessante que eu vá lá. Querem que faça isso e aquilo mas não posso falar que vou na rádio amanhã dar uma entrevista, porque está tudo programado. É um problema. Tenho que ligar: “quero ir aí”. Eles falam que a rádio está aberta e tal. Mas de cara não posso ir. Tudo está marcado com os comerciais.

Léo Arcoverde – Voltando um pouco a sua infância, nasceu em Duas Barras, mas foi logo para o Rio, cresceu na Vila Isabel. Conte sua história e sua relação com a escola de samba. Faz mais de 40 anos não é?
Fui pra Boca do Mato, tinha uma escola de samba lá, depois em 1965 fui para a Vila Isabel e fiquei até hoje. Fiz nove sambas-enredo que foram para a avenida e outros tantos que não foram.

Léo Arcoverde – Lá aconteceu aquele episódio que um samba seu ficou na semifinal da Vila Isabel e o senhor não passou o carnaval no Rio.
Isso já é passado. Já estamos em outro carnaval e até agora você está falando disso?

Léo Arcoverde – O senhor tocou, inclusive, na minha cidade, Natal.
Aliás, foi muito bom. Nesse ano, o enredo da Vila Isabel é “Trabalhadores do Brasil”. Vai contar a história e as lutas trabalhistas e as ansiedades do trabalhador. É um tema complicado e interessante. Fiz três sambas pra eles, pode ser que ganhe ou não. Fui para Natal não por causa da “briga”, mas porque sou profissional da música, me chamam para fazer carnaval em várias cidades. Ficar com um samba na Vila Isabel, para mim é prejuízo. Tem que ficar batalhando por aquela coisa, trabalho triplicado, brigo com todo mundo para botar tudo do meu jeito, é uma confusão danada a troco de nada. O único troco bom que pode ter é se aquilo der tudo certinho. Se alguém me chama para tocar em Recife, Fortaleza, vou lá, prestigio um carnaval de uma cidade, ganho meu cachê, me divirto, pego informação, muito melhor. Só que escola de samba é uma coisa mais apaixonante, você lá acompanhando o samba-enredo, tem uma magia que pega qualquer um.

Léo Arcoverde – O senhor esteve em Portugal. A partir dessa viagem, gostaria que falasse da carreira fora do Brasil, e traçasse um paralelo entre os dois países.
É igual. No disco “Do Brasil e do Mundo” tem Madeleine Peyroux com uma versão em inglês. Tem a outra música inglesa, que fiz uma versão em português. A parte em inglês é cantada por Eliana Pittman. Tem uma angolana, que fiz uma versão em português. Tem uma música portuguesa que é uma marcha, entendeu? É um disco informativo também.

Léo Arcoverde – E a receptividade do público?
Show é o seguinte: se nós formos ver um artista que não conhecemos e não falamos a língua dele, mas ele está bem anunciado, tem um plano de marketing, o pessoal vai ver. Se ele for um cantor de verdade, que canta bem, com uma banda de bons músicos, as músicas forem bem harmonizadas e se o que estiver fazendo passar emoção, vai contagiar. Show é uma coisa completa, não importa o país.

Martinho da Vila, Neguinho da Beija Flor e Rildo Hora.

Léo Arcoverde – Tem um país de que goste mais?
O do João Bosco, por exemplo, é o Japão.Gosto muito de Portugal. Lá é igual aqui pra mim, parece até que sou português.Gosto dos paises africanos de língua portuguesa, Cabo Verde, Angola, Moçambique. Ainda não fui na Guiné-Bissau. Às vezes vou fazer um show num cassino, tem pessoas ricas, jogadoras e muita gente vai porque me conhece. Os brasileiros quando saem daqui ficam muito nacionalistas, usam a bandeira, qualquer artista que chegar ele quer ver. É a saudade da terra. Numa platéia, se tiver 10% de brasileiros, geralmente tem, isso é o mínimo, fazem uma festa que contagia a todos. Fiz um show no Quênia, gente de tudo quanto é nação, era um fórum mundial, ninguém estava muito aí para a música, muçulmano, padre... fui fazer o show, daqui a pouquinho nego já estava dançando, procurando seu jeito e a maioria não estava entendendo. Tinha um bando de brasileiros que fez uma festa enorme. É isso.

Vinícius Souto – O senhor acompanha o governo Lula?
O Lula é um governo que vai ficar para a história, porque o brasileiro fez uma revolução pelo voto. Botou um trabalhador no governo, com tendência esquerdista. Todos achavam que seria uma confusão e não é. Falavam que era um analfabeto, o Lula tem pouca escolaridade, mas é mais culto que nós todos aqui. Dispõe de uma cultura política que não é mole não, muitos anos de campanha, de vivência. Às vezes fala de mercado internacional sem pegar papel, fala do problema do Japão, da Índia, tem muita informação. O que é cultura? Cultura é muita informação, não escolaridade. Um cara que é um médico famoso, é sumidade naquilo, no geral fica fora. Há outros fatos, o Lula priorizou nesse período a diminuição da pobreza, a classe média sofreu um pouco mais. Outra coisa, por exemplo, é a primeira vez que tivemos ministros negros, mulheres mandando: Benedita, Matilde Ribeiro, Gilberto Gil, Orlando Silva dos esportes, Marina Silva, o ministro do Supremo etc. Nunca houve na história do Brasil, é um espelho, isso é importante. Antigamente, quando se tinha um filho, falava-se “esse aqui pode ser qualquer coisa”, mas nunca podia imaginar que poderia ser presidente da República. Qualquer trabalhador pode sonhar hoje.

Vinícius Souto – O Lula deu essa esperança, essa expectativa?
Exato. O brasileiro colocando o Lula lá pode acreditar.

Léo Arcoverde – E a atuação do Gilberto Gil no Ministério da Cultura?
Não faz muito. Ele é mais um relações públicas, bastante político, vai aos lugares, faz tipo.

Vinícius Souto – Matilde Ribeiro?
A Matilde tem um problema maior que é cuidar da inclusão social. A Cultura é mais fácil, porque já não tem verba, não tem dinheiro para fazer nada.

Léo Arcoverde – Recentemente quiseram dividir a verba de 4% (Lei Rouanet - legislação federal que permite às empresas patrocinadoras de eventos culturais um abatimento de até 4% no imposto de renda) com o esporte. O senhor acompanhou isso?
São coisas separadas. O pessoal do esporte tem que se mobilizar para o esporte e o pessoal da cultura se mobilizar para a cultura. Não pode dividir entre os dois.
“O Lula é um governo que vai ficar para história, porque o brasileiro fez uma revolução pelo voto. Botou um trabalhador no governo, com tendência esquerdista
Vinícius Souto – Quanto a sua atuação frente ao movimento negro, como é combater o preconceito num país que aparenta não ter manifestações tão explicitas como na Europa?
O preconceito no Brasil já diminuiu muito. Os nossos segmentos do movimento negro trabalharam muito pra isso, até para ter hoje esses ministros aí. Quase todos os Estados têm uma Secretaria voltada para inclusão social. Tudo é resultado das diversas lutas do movimento negro. No inicio o movimento negro reclamava e reclamar era perigoso. Quem era do movimento negro era mais perigoso do que quem era do Partido Comunista. “Ele é negro, deve ser comunista”. Depois foi o tempo da contestação, depois da afirmação e o Brasil hoje reconhece que tem preconceitos raciais como tem o mundo inteiro. Hoje já avançou muito. O sonho é um dia não precisar ter Delegacia da Mulher, Movimento Negro... A gente chega lá.

Natália Mendes – As cotas ajudam na diminuição do preconceito?
As cotas foram colocadas erradamente. Porque começou na universidade, tinha que começar lá em cima. No poder, no governo do Estado. Por exemplo, o governo tem que colocar mais secretários e ministros negros. Chego num banco, não tem ninguém, nem pra atender. Tinha que ser direto, mas começou nas universidades, também tem que ter, é claro. Sou completamente favorável às cotas universitárias. Porém, o caminho é outro.

Vinícius Souto – Quem, como o senhor, está nessa batalha pela igualdade?
Agora nossa luta é pela inclusão, é por ocupar postos, é pelo emprego, é lutar contra aqueles que não empregam negros. Há hotéis, geralmente, que não tem um atendente negro. Não os preferem.

Vinícius Souto – Para encerrar, o senhor acha que o Brasil consegue virar uma grande Kizomba?
Acho que não. O Brasil é uma Kizomba, no geral, mas também uma Kizumba. Porque Kizomba é um encontro de confraternização cultural, o Brasil é o país que tem a maior base cultural popular. E é uma grande Kizumba também, uma grande confusão.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Veja o Poema O Analfabeto Político

O Analfabeto Político - Bertolt Brecht

O artista gráfico Carlos Latuff interpreta neste vídeo o poema O Analfabeto Político, de Bertolt Brecht.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Ritmos de Periferia

KUDURO - AfroHipHop de Periferia

por Spirito Santo



Aldeia de todas as tribos
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Existe uma polêmica bizantina no âmbito da musicologia acadêmica que divide, de um lado os ‘Tonalistas’ (os que afirmam que existe um sistema musical moderno e avançado, criado por sumidades burguesas européias, entre os séculos 17 e 19, supostamente, superior à uma música ‘primitiva’ praticada pelo resto do mundo) e, de outro lado, os ‘Modalistas’, aqueles que acreditam que a música, surgindo de um fenômeno físico elementar, está subordinada apenas à determinadas leis da natureza, condição a qual estão expostos todos os seres humanos, sem qualquer distinção.

Realmente, se na natureza nada se cria, tudo se transforma, enquadrando a musica neste contexto, poderíamos compreendê-la sim, como um fenômeno caracterizado pela relatividade, num âmbito onde, a rigor, não existiria qualquer possibilidade de haver modernidade, primitivismo, ou qualquer outra instância de temporalidade, nenhum certificado de superioridade para quem (ou para o que) quer que seja.

Como música é também sinônimo de ritmo, movimento (tudo que ouvimos se move e nos move), obviamente, o mesmo raciocínio poderia ser utilizado para se definir Dança.
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Música e Dança, seriam assim, fenômenos circulares, como galáxias, nas quais tudo circularia em torno de um eixo (elemento que os tonalistas odeiam de paixão) no caso, uma freqüência, uma nota (ou um gesto) agregadora de outras, como um sol agregando planetas, numa lógica sistêmica, quântica, harmônica enfim.

Toda esta conversa fiada - e, aparentemente, maniqueísta - é apenas para introduzir o tema que o blogueiro e Dj Lucio K, chamou de Ritmos de Periferia, Kuduro, Kwaito, Grime, e outras elétricas bossas afro-pops, hoje muito recorrentes e prestes a se tornar fenômenos universais.

Estamos propondo também, neste mesmo sentido, que o tema Kuduro e afins, seja discutido aqui, despido de todas as suas máscaras modernistas ou do esperto - com o perdão do trocadilho - bunda-molismo fashion daqueles argutos formadores de opinião, que ficam esperando de plantão, alguma nova onda surgir, para dela se tornarem os pais descobridores.

Em terra de cego...

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O vírus na maçã.

A chamada Cultura Pop sempre foi gerada no caldeirão fervente das periferias. Obvio ululante. Mesmo a cultura HipHop, este emaranhado de atitudes sócio culturais atribuído à juventude desvalida das grandes metrópoles norte americanas, pode ser descrita, coerentemente, como o ôvo do futuro, gerado no mais remoto e desprezado dos passados. Pura relatividade, portanto.
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Sejamos francos: Não há ‘modernidade’, ‘novidade’ possível (pelo menos em se tratando de música e dança populares) fora do contexto efervescente das periferias. Fora dos guetos e favelas nada se cria. Tudo se copia. Sempre foi assim e, talvez, sempre será. O eixo irradiador de toda esta fervura é o mesmo eixo de um centro econômico de cada época, cada ocasião, no caso, em nossos dias, Nova York, onde vicejaram o Rap, o Street Dance, o Grafitti, manifestações criadas nas periferias da grande maçã podre, a Big Apple sem Beatles, sem MacIntosh, sem nada.

Cultura popular orgânica, com potência de vírus (benigno?), estas manifestações são, em ultima análise, o antídoto humanizador para o veneno intrínseco a um sistema arcaico e carcomido (pelo menos do ponto de vista cultural), totalmente ‘out’ e ‘nada a ver’.

Se duvidam, experimentem traçar uma linha de tempo e enxerguem (em preto & branco, é claro), lá longe, nos idos dos anos 50, um grupo de negros marcando o tempo com o estalar dos dedos, criando vocais em contraponto, nas esquinas de conjuntos habitacionais infectos ou cantos de quadras de basqueteball suburbanas. Soul e Funk básicos (e ainda o velho Rock and Roll), rolando já ali naquelas manifestações atávicas, quase ancestrais.

Firmem a vista e vejam o que se dança nestas esquinas. Andem para trás, um pouco mais, e vejam o som das plaquetas metálicas do sapateado ecoando no paralelepípedos das ruas. Isto mesmo! É aquele mesmo sapateado do Gregory Heynes, do Sammy Davis Junior, antes mal assimilado pelos Fred Astaires de ocasião, usufruidores dos lucros do mainstream, este ambiente insípido, onde tudo que uns criam os outros copiam.
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Saiam da Broadway, rápido, e vejam mais longe ainda o som vibrante do bate-enxadas e do baticum ritmado das botas dos trabalhadores das estradas de ferro que cruzaram os States de leste á oeste, unificando as distancias, antes, sofridamente, percorridas à cavalo ou pelas empoeiradas diligências que conhecemos nos filmes de Far West (e bota Far nisto). Escutem o que eles cantam.

Há work songs, Gospels, Spirituals, Rhytm’n’ Blues, Soul e Funk ainda rolando por ali. Querem regredir um pouco mais? Não? Ok. Já sabemos muito bem onde isto vai dar.

Mas, vejam bem, são cruzamentos entre vias as mais diversas, os mais inusitados caminhos. Não importa muito se são negros ou brancos os criadores dos elementos básicos desta cultura urbanopop, que nos apaixona a todos. Afinal, são meros seres humanos os criadores desta força emocional que nos mantém, a todos, unidos, vivos e felizes.

Os criadores são o que são – ocorre que, no caso deste nosso estranho mundo ‘moderno’, eles têm sido negros (ou não brancos, tanto faz) desde há muito tempo – É que o universo capitalista é mesmo este insano criador de periferias, pústulas urbanas, lixo debaixo do tapete, encruzilhadas e guerras. Mundo extremista, cruel, que ainda morre disto um dia.

Mas, e o Kuduro? Brasileiros que somos, se focarmos mais ainda a nossa lente, vamos encontrar no Kuduro, a mais pura essência (os tonalistas também odeiam este conceito) de nossa tão ambígua e fugidia brasilidade. Duvidam?

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Saudades da Ala dos Malandrinhos

Em minha já quase remota adolescência, ali por volta de 1960, exposto como todo mundo de meu bairro, à arte de nossa escola de Samba, me vi, certa feita, irremediavelmente, tomado pelo prazer de assistir a um ensaio de um grupo de jovens passistas, homens e mulheres, a maioria meus amigos de rua ou de esquina.

Por sermos pobres, mesmo sendo sábado, nos vestíamos, modestamente, com roupas de domingo. Aquele ensaio era muito especial. Eles, os amigos, haviam me dito que no dia do desfile arrasariam, vestindo calças e sapatos brancos, camisetas listadas e chapéus duros, de palhinha, evocando malandros de antigamente. Me contaram tudo em detalhes porque queriam que eu também fizesse parte do novo grupo que, a exemplo do que ocorria em outras escolas de Samba da região (Portela, Império Serrano e Mocidade Independente de Padre Miguel) se transformava num grande fenômeno suburbano, atendendo pelo curioso nome de Ala dos Malandrinhos.

Não tive jamais coragem de entrar naquela dança, deste rito de passagem eu sobrei (até hoje não consigo dançar melhor do que um ganso manco). O fato é que as Alas dos Malandrinhos, eram uma coisa realmente inusitada no âmbito tradicionalista das escolas de Samba e, por isto mesmo atraíam a parcela da juventude tida como a mais ‘moderninha’ do bairro.

Nas Alas dos malandrinhos não se dançava, convencionalmente, como nosso pais e avós dançavam. Ali, podíamos inventar intrincados passos, um pouco parecidos com passos de Samba, tirados, sabe-se lá de onde, de que memória ancestral. Ali se dançava, simplesmente, em conjunto, como um grupo de bailarinos disciplinados que, vez por outra partiam para solos endiabrados, como se dizia na época: ‘Ditos no pé’.

Os mais velhos torciam o nariz enojados, chamando aquilo, depreciativamente, de ‘coreografia’, acusando-nos de reles imitadores de crioulos americanos (não sabia como eles conseguiam enxergar influência estrangeira naquele samba estilizado que meus amigos faziam).

Mas hoje vejo que era mesmo Funk e Soul, Blackdance em suma, o que vasava daquela complexa fraseologia de passos ‘marcados’, que rolava ali na quadra, que fazia as vezes de uma esquina de um Harlen desconhecido e improvável.
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Agora mesmo diria mais: Era a África possível pulsando no corpo da gente. Atavismo na medida certa para a nossa desmedida juventude.

Ontem assisti à dezenas de vídeos de jovens angolanos dançando o Kuduro. A grande coqueluche das periferias africanas, sobretudo os mussekes de Luanda, Angola, onde dizem, o Kuduro começou. A seção de vídeos me paralizou. Me chamou, particularmente a atenção, o trio de meninos que se intitulam ‘os Pupilos do Kuduro’ Incrível! Minha memória se acendeu, imediatamente, iluminando tudo.

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O Kuduro e nós. Teria mesmo algo a ver?

Ku, palavra e não palavrão, parece vir do mais puro vernáculo do Kimbundo (MataKu=nádegas, assento plural de ritaku), principal língua falada em Luanda, Angola (da qual falamos centenas de vocábulos, sem saber - inclusive Ku, certo?) O sentido figurado da palavra é, exatamente, o mesmo que usamos no Brasil: Bunda (palavra aliás, oriunda também do mesmo Kimbundo), literalmente traduzida para o portugês também como nádegas.

O sentido da expressão Kuduro poderá ser melhor explicado por um Angolano, mas, ao que tudo indica, significa o que parece: Kuduro= Bunda imóvel, sem rebolar, o que, considerando-se que um dos movimentos fundamentais da dança angolana é o sofisticado rebolado (dos homens inclusive), é muito significativo. Algo como uma dança diferente , supostamente ‘moderna’, no âmbito das danças tradicionais que, como já disse são, extremamente, rebolativas.

Contudo, dança livre que é, no Kuduro também se pode rebolar, é claro, basta querer.

Dito isto, o Kuduro, inserido no âmbito da cultura Hip Hop, é uma dança de rua (ou uma street dance, para quem gosta americanismos) Como todos os outros gêneros assemelhados, o Funk carioca e o Kwaito (da África do Sul) é a resposta africana avassaladora influência da indústria cultural de massa capitalista, cujo eixo como se sabe, localiza-se, desde o fim da segunda guerra mundial, na América do Norte.

Mas o Kuduro também é um símbolo dos mais fortes, neste momento, da enorme capacidade da resistência cultural das populações não-brancas, do outrora chamado Terceiro Mundo, diante da pressão globalizante, sinônimo evidente de aculturação.

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Kuduro Checkup
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No Kuduro angolano – e vejam vocês mesmos que coisa curiosa! - os passos do mix, da fusão com o break, são o mais puro e carioca dos Sambas. Incrível!

Acreditem, mas, os Pupilos do Kuduro, e outros kuduristas, quando em conjunto, dançam, quase exatamente, o que a nossa Ala dos Malandrinhos dançava lá naqueles bem passados anos 60. Os braços e as mãos dançam break, mas, da cintura para baixo, bundas e pernas dançam o mais desbragado dos Sambas. Pode?

Teria sido aquela minha saudosa rapaziada de Padre Miguel a inventora do Kuduro?

Alguns pesquisadores tentam explicar a estrutura da base rítmica, da batida (beat) do Kuduro por meio de teorias moderninhas ou simplificações que insistem em preconizar a importância, ao nosso ver, exagerada, das tecnologias na criação e na evolução destas danças e gêneros musicais. Os reis da parada seriam portanto os equipamentos eletrônicos (como o já velho Sampler, por exemplo).

Apenas uma opinião, mas, é preciso cuidado porque assim, por extensão, o papel do Mocinho poderia ser atribuído a sociedade neoliberal globalizada, ao Capitalismo em suma, e ao estupendo grau de desenvolvimento tecnológico que ele propicia.

Besteira. Baita injustiça, sobretudo. Não há nada de novo nesta praia deserta, neste giro do prato de velha vitrola hi fi.

O Sampler e sucedâneos são, neste contexto, apenas instrumentos musicais, meios, facilitadores de registro, meros suportes. Se disponíveis estiverem, ferramentas de cultura serão. Se não estiverem, outras ferramentas se inventarão.

Aliás, o que um Sampler faz mesmo? Não muda nada. Copia. E haja periferia e miséria para samplear.

A grande sacação (e isto vem desde que o mundo é mundo) é , portanto, a capacidade do homem de tirar leite das pedras, resistir sem esmorecer jamais, reinventando linguagens, recriando sempre a partir de dados do cotidiano, subvertendo referências e sentidos comunicativos, extraídos de seu passado mais remoto, cimentando os degraus do presente, sem ilusões de modernidades vãs ou de futuro radiante.

Vírus no sistema. O Mocinho verdadeiro desta história– o anti herói – não é a sociedade,mas sim o homem.

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Inside the Kuduro
(em português não ficaria melhor não)

Senão vejamos: Em todos os gêneros citados (entre outros), a alma do negócio é um som de caixa e contratempo. É esta a célula rítmica base, a matriz, o DNA, sobre o qual se criará os sons que bem entendermos. Poderia ser um humano baterista lá no fundo, marcando a batida, mas, fica bem mais econômico usar um som gravado.

No caso do Kuduro clássico (como ocorre com toda coqueluche pop, as distorções e deformações aparecem rapidamente), a batida copiada (sampleada) parece ser o que se chamava nos anos 70, 80 de Kabetula, um ritmo muito popular em Luanda, semelhante ao Semba, do qual talvez seja uma variação (uma outra corrente afirma, contudo, que o Kuduro é uma variação do Kuzukuta, ritmo popular do carnaval angolano).

Ficou tudo em casa, no entanto, porque ambos os ritmos (como a maior parte das danças de negro do Brasil, desde, pelo menos, o século 19), tipicamente urbanos que são, vieram, provavelmente, do Kaduke, espécie de Kuduro surgido na cidade de Ambaça (Mbaka), grande centro urbano e comercial (!) lá pelos idos de 1880 (veja Capello e Ivens), no tempo da colonização portuguesa em Angola

Este Kaduke, talvez tenha gerado, a partir do mesmo processo, no Brasil colonial, o Kalundu que, mesclado à danças européias como a Polka e a Mazurka (espécies de danças de periferia brancas, populares na Europa central), deram numa dança popularíssima na Corte brasileira (um Kuduro colonial) chamada de Lundu.

Pois não é que o Kaduke, o Kalundu e talvez até mesmo o Jongo formaram talvez, a base principal – coreográfica e musical- do que conhecemos vulgarmente hoje no Brasil como Samba?

Viram só? Kuduro e Samba: Tudo a ver.

Fenômeno recorrente, efetivamente, existem manifestações como o Kuduro em todas as periferias do mundo. Decupando a estrutura de todas elas, especialmente no que diz respeito à coreografia, encontraremos, quase que invariavelmente, a seguinte composição: Passos e gestos de Break Dance, fundidos a movimentos de uma ou mais danças tradicionais, tribais mesmo em muitos casos, existentes na cultura local.

Alguém já parou para pensar que na violenta e exuberante expressão coreográfica de uma multidão de jovens favelados do Rio, muitos deles portando fuzis automáticos como se fossem lanças, existem passos completamente estranhos ao novaiorquino repertório de movimentos de break original, de, entre outros, James Brown e Michael Jackson? Há break sim, mas, um pouquinho só. Há desconjuntamento de braços e punhos, movimentos robóticos, como imagens de luz negra intermitente, mas, o que será que significam os outros passos?

Ora, é evidente que, olhando detidamente os movimentos de dança deste Funk Carioca, iremos encontrar a mesma filosofia coreográfica do Kuduro, em nosso caso, representada por passos de umbanda e candomblé (ritmos aliás, hoje banidos de algumas favelas cariocas, dominadas pela cultura ditatorial-evangélica das milícias).

Assim como na África e no Brasil, na Índia, no Afeganistão, na Indonésia, a fórmula beat futurista somado à tradição, se repetirá. Uma lógica planetária, uma espécie de cultura global periférica se estabelecerá. Para nós brasileiros, por exemplo, o Kuduro pode vir a representar a feliz descoberta de que, embora alguns anseiem, desesperadamente, pelo nosso ingresso no clube dos brancos países desenvolvidos, fazemos parte sim – e disto muito devemos nos orgulhar- do universo paralelo da mais complexa, viva, diversificada e pujante Periferia.

Como, facilmente, se pode notar, o mundo roda enquanto a cultura das periferias gira, circula, como um bambolê. Somos do Overmundo, o pá! O Bicho, o vírus da maçã. Y love you Angola!

(Em tempo: Em terra de cego, quem tem um olho, infelizmente é... caolho.)

Texto originalmente publicado no Overmundo.

Fonte: Overmundo
Crédito Fotos:
Imagem 1: foto - Luis Miguel Martins / http://www.flickr.com/photos/luismiguelmartins/1153357952
Imagem 2: foto - Fazuma - Sista Clementina / www.radiofazuma.com
Imagem 4: foto - Fazuma - Sista Clementina / www.radiofazuma.com

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Na construção de uma mídia livre

“Sem-Mídia” reúnem-se em SP e decidem criar ONG

Assembléia do Movimento dos Sem-Mídia, realizada sábado em São Paulo, aprova estatuto de nova organização que pretende lutar pela construção de uma mídia livre, ética e plural.

por Lula Miranda - Especial para Carta Maior

SÃO PAULO - Militantes do MSM (Movimento dos Sem-Mídia) reuniram-se em assembléia, no sábado (13), e constituíram uma Organização Não-Governamental que, além de lhe conferir, daqui pra frente, um novo status, vai auferir um arcabouço legal e jurídico à sua luta por uma mídia mais democrática e pluralista. O MSM ganha, enfim, “concretude” – por assim dizer.

A Agência Carta Maior (citada e bastante aplaudida durante o evento) esteve presente cobrindo a assembléia dos “semidianos”. Estiveram por lá, também, jornalistas do site “Conversa Afiada”, do jornal “Hora do Povo” e também dois representantes do jornal “Gazeta de Cotia”. Nenhum veículo da chamada grande imprensa cobriu o evento.

Os cerca de 45 “semidianos” presentes ao ato (dos oitenta e poucos que haviam confirmado presença) cumpriram, de modo surpreendente até, o ritual burocrático e soporífero de constituição de uma ONG. Vale salientar ainda que a data caiu num sábado “espremido” por um feriado e, além do mais, era necessário cumprir todo um aborrecido rito legalista.

Muitos escutaram, atenta e pacientemente, a leitura do estatuto, alguns debateram-no e até sugeriram alterações em alguns dos seus pontos. Como, por exemplo, a polêmica alusão, constante em seu artigo terceiro, à defesa e incentivo a uma mídia “imparcial”, que tenha como única fonte a “verdade”, como sendo um dos objetivos do movimento. Questionou-se o uso das palavras “imparcial” e “verdade”. Após breve debate, ficou decidido que o termo “plural” ou “pluralismo” seria suficiente e necessário para definir o tipo de mídia que reivindicam (e defendem). Alguns integrantes do movimento manifestaram claramente a opinião de que a imparcialidade na mídia é, na verdade, um mito e aquilo que desejavam, e cobravam, era “apenas” liberdade e espaço para manifestação dos mais variados pontos de vista e ideologias.

Para além dessas polêmicas levantadas, que poderiam parecer, aos olhos e ouvidos de alguns indivíduos mais impacientes e desatentos, mera “filigrana” semântica (nunca é demais lembrar: o diabo se esconde nos detalhes), colocamos abaixo alguns trechos do estatuto do MSM que julgo importante ressaltar (o texto completo poderá ser lido no blog de Eduardo Guimarães.

“ART. 3o – O MSM tem por objetivos e finalidades:

I – Defender e incentivar uma mídia livre, ética e imparcial [palavra a ser retirada, por decisão da assembléia], que tenha como única fonte a verdade, utilizando de transparência na divulgação dos fatos, sem distorções ou manipulações de qualquer ordem, veiculando as opiniões e manifestação de todos os matizes ideológicos, políticos ou sociais, sem privilegiar quaisquer grupos sociais e políticos;

II – Atuar de forma autônoma e independente, sem vinculação ao poder público de qualquer esfera [municipal, estadual e federal], nem a partidos políticos, procurando prestar um verdadeiro serviço de interesse público;

III – Defender o ideal de uma mídia Republicana, voltada para o interesse coletivo, sempre de forma pacífica, ordeira e civilizada, não utilizando ofensas, nem qualquer violência, contra pessoas ou bens públicos (ou privados) em suas manifestações;

(...)”

Após aprovarem o seu estatuto os “sem-mídia” votaram novamente e elegeram sua diretoria executiva. A presidência ficou a cargo do paulistano Eduardo Guimarães (comerciante), a vice-presidência coube à carioca Vera Pereira (socióloga). Os demais cargos ficaram com os “semidianos” paulistanos Antonio Donizete (advogado militante), Antonio Arles (historiador), Tahis Barbour (advogada) e Ricardo Veronez (artista gráfico) e, por último, a também carioca Laura June Xavier (empresária e artista-plástica).

Como se pode notar, São Paulo e Rio de Janeiro hoje “monopolizam” os cargos de direção no MSM – militantes de outros estados mais distantes do eixo RJ-SP ou não pleitearam cargos na direção do movimento ou não puderam comparecer a assembléia. Muitas pessoas de outras cidades, espalhadas por todo o país, têm manifestado o desejo de inaugurar em seus municípios espécies de “franquias” ou, melhor dizendo, sucursais do MSM.

O próximo passo do movimento será, segundo decidiu a assembléia, apesar de reconhecerem a necessidade de um ato no RJ o quanto antes, uma manifestação, ainda na cidade de São Paulo, no dia 10 de novembro, a partir das 10h, em frente ao prédio das Organizações Globo (o primeiro ato foi, também em SP, em frente ao prédio do jornal Folha de S.Paulo). Espera-se que as manifestações do MSM transcendam os limites de São Paulo. A mídia é oligopolista também no Rio Grande do Sul, no Maranhão e na Bahia – só para citar uns poucos pontos no chamado “mapa da dominação”.

Até lá, além de um estatuto e uma diretoria eleita, já terão CNPJ e endereço fixo – saltará, portanto, do mundo virtual para o real. Acompanhemos de perto as movimentações e manifestações dos “sem-mídia”. Seus objetivos e demandas parecem nobres e justos. Oxalá cresçam, se desenvolvam e sigam agregando forças e mais militantes à sua causa. Para tanto será necessário que seus membros dialoguem e interajam com outros movimentos e organizações da sociedade que também observam e fazem a pertinente crítica da mídia. Podem, por exemplo, se candidatar a participar da Conferência Nacional de Comunicação, prevista para meados de 2008 – agora, na condição de ONG dos Sem-Mídia.


Fonte: AgênciaCartaMaior

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sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Morre Paulo Autran

Paulo Autran era um dos mais talentosos atores do país

Morre aos 85 anos Paulo Autran. O ator tinha mais de meio século de carreira, e era um dos mais talentosos atores do teatro e da televisão brasileira. Durante a terceira edição do "Prêmio Bravo! Prime de Cultura", no dia primeiro de outubro, na capital paulista, Paulo Autran anunciou que não teria mais condições de atuar. Ele foi ao evento de cadeira de rodas, acompanhado da mulher, Karin Rodrigues. Ao receber o prêmio, Paulo Autran disse que só se emocionava em público, quando o personagem exigia, e chorou. O ator deixou o palco aplaudido de pé.

Fonte: BandNewsTV

Paulo Autran morre aos 85 anos em SP

O ator e colunista da BandNews FM Paulo Autran morreu hoje aos 85 anos de idade. O velório vai ser na Assembléia Legislativa de São Paulo. Um dos maiores atores do País, ele morreu no hospital Sírio Libanês. Autran lutava contra um um câncer de pulmão e um enfisema pulmonar. Havia pelo menos um ano, era submetido a sessões de radioterapia e quimioterapia. Paulo Autran foi internado na tarde de ontem. Ele já havia deixado o Sírio Libanês na terça-feira, após mais uma internação. O ator estava sob os cuidado médicos do Drauzio Varella. Ouça aqui colunas de Autran em Quadrante.

Fonte: BandNewsFM

Acompanhe aqui matéria da BandNewsTV sobre a morte do ator Paulo Autran, com narração de Letícia Levy.


Paulo Autran - Homenagem

Ouça abaixo algumas das leituras de Paulo Autran apresentadas em Quadrante, sua coluna na rádio BandNewsFM, onde o ator interpretava textos de renomados nomes da literatura em língua portuguesa, retomando a experiência que havia feito na década de 60.

  1. Paulo Autran Interpreta Veríssimo e Drummond
  2. Paulo Autran Interpreta Fernando Pessoa e Luis Fernando Veríssimo
  3. Ouça Paulo Autran interpretando textos de Quintana e Sabino

MySpace - Espaço de difusão de novos artistas

Meu MySpace
Conheça o lo-fi apaixonado e romântico da one-woman band catarinense Verde Velma e a celebração baggy-Madchester do Celestines, banda da novíssima safra curitibana. Textos de Abonico R. Smith.


Divulgação :: Alexandra Haro/Divulgação

Gica Trierweiler e o quinteto Celestines: revelações do Sul do Brasil

Verde Velma

Pode comprovar: quem ainda insiste em usar o termo “banda de garagem” é antiquado. Está mais do que defasado e provavelmente nem tem a mínima idéia do que seja o MySpace – e sua abrangência e vital importância para o rock contemporâneo. Afinal, se um artista hoje pode estourar e tornar-se popstar através de uma espécie de site caseiro que reúne blogs, vídeos e musiquinhas postadas ao léu, há muito deixou de fazer sentido reunir a turma de amigos em uma garagem ou porão ou a sala de estar da casa dos pais de um deles. O avanço tecnológico permite que se gravem discos no próprio quarto (o Bonde do Role fez isso, você sabia?), utilizando apenas softwares de edição sonora e o mínimo possível de equipamentos.

Adeus, tralharada de caixas acústicas, plugs, pedestais, guitarristas que só pensam em solar e até mesmo aquele kit de bateria dificílimo de ser microfonado. Adeus, sofisticados estúdios de gravação. Adeus até mesmo aos estúdios de ensaio, muitas vezes. Porque você, sozinho, agora grava suas músicas- de maneira solitária, acompanhado apenas por si próprio (violão, guitarra, gaita, piano) ou mesmo se multiplicando em uma banda fictícia, em gravações brutas/toscas ou mesmo caprichadas através de um produtor. Isto se chama lo-fi e é uma tendência já consolidada no exterior e que começa a ganhar um grande volume de adeptos aqui no Brasil pós-MySpace. E se Bonde do Rolê, Devendra Banhart, Lily Allen, Horrors ou kate Nash podem, por que você também não pode tentar a sorte grande no mundo do showbiz sem passar por gravadoras, empresários e playlists radiofônicos.

Uma pessoa que pensa desta forma – e tem tudo para continuar seguindo em frente depois de descoberta pelos myspacers - é a catarinense Gica Trierweiler. O sobrenome, germânico, indica sua origem (a cidade de Blumenau, terra da famosa Oktoberfest), mas a música dela não tem nada de fria. Pelo contrário. Sua poesia trilíngüe (imersa em um universo musical RGB, ela canta em português, inglês e espanhol) é movida por paixões. Seus versos são breves comentários e histórias doces de amores que deram certo – ou não. Ela mesma diz que canta, dança, compõe letras e se apaixona sempre.

Depois de adotar o alter-ego de Verde Velma (referência à famosa garota meio nerd meio loser, de óculos e corte de cabelo chanel, dos desenhos do Scooby-Doo), ela passou a fazer gravações caseiras e shows esparsos nos quais se alterna entre seus violões azul e vermelho e se apresenta com figurinos temáticos, entre goles de água mineral. Dedica letras aos homens que passam e passaram e pela sua vida, mesmo que eles não sabiam e nem venham a saber. Reza a lenda, inclusive, que uma delas teria como muso inspirador um famoso cartunista brasileiro.

Recentemente, Gica passou a flertar também com arranjos com banda, como em uma versão da música “Chafariz”, que rola solta pela web. Também desenvolve atualmente parceria com o paranaense Giancarlo Rufatto, também, one-man band e mais conhecido pela alcunha de Lo-Fi Dreams. Juntos já se apresentaram ao vivo algumas vezes e trocam experiências e colaborações musicais através de gravações caseiras. O primeiro fruto da dupla merece ser ouvido com toda a atenção. Um simples bumbo-caixa pontua o arranjo de uma pop song singela e diferente. Romântica e açucarada sem cair no lugar-comum das baladas que conhecemos por aí, a letra, em menos de três minutos, sintetiza o supra-sumo de um momento a dois (“Respira e não me solta/ E me conta suas histórias/ Que descem bem pelo meu ouvido/ Respira e volta/ E beija e abraça e fala/ E canta e pega e dança/ Comigo/ De novo”).

www.myspace.com/verdevelma

Celestines

Celestinos foram uma ordem católica dissidente dos monges beneditinos, surgida no ano de 1244 – mas que só passou a adotar este depois da eleição de seu fundador que foi eleito papa e assumiu o codinome de Celestino V – e dissolvida pouco mais de quatro séculos depois. Suas principais características: pregar o vegetarianismo como forma de “manutenção da saúde” do organismo e a prática de rezas em forma de canto às duas horas da madrugada (início da manhã para eles).

O nome também batiza uma das interessantes bandas da novíssima safra curitibana. O EP de estréia, com apenas três faixas, está disponível no MySpace para os caçadores de novidades, enquanto o primeiro álbum sai do forno – por um selo indepedente e cultural chamado Trevo Artes – neste mês de outubro. O quinteto se autodenomina “a mais brasileira das guitar bands” – utilizando um termo que foi bastante utilizado no meio indie nacional no início dos anos 90 mas que, a priori só existiu mesmo por aqui – e lançou o termo “Coolritiba” (na cola do slogan “Curitiba agora é cool).

Uma rápida audição no EP faz a conexão com as palavras-chaves do parágrafo acima. Aqui, Madchester reina soberana. E, acima de todas as coisas, os Stone Roses. Afinal, é uma herança direta o clima “festa baggy regido por batidinha dançante e linha de baixo hipnótica somado a guitarras entupidas de efeitos obtidos através de pedais (wha-whas, inclusive) e notas prolongadas pelo e-bow. Fica impossível não querer deixar de dançar balançando as franjinhas ao som de “Dance na Chuva” e “Colidir”.

Também não por acaso, uma das faixas leva a co-autoria de Ian Brown (errr... será que ele sabe?). Este é justamente o grande destaque do EP. “Mundo Pequeno” já toca com freqüência na programação destinada aos sons locais nas rádios de Curitiba. Tem como base um dedilhado que, ao mesmo tempo em que remete aos Roses mais famosos da cidade de Manchester, brinca com os clássicos acordes dissonantes do começo de “Lucy In The Sky With Diamonds”. A letra, curta, e o refrão, mais do que direto com apenas uma frase (“Somente posso te amar”) fixam rapidamente.

www.myspace.com/celestines


Fonte: Bacana

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Ouça as Novas Musas

Considerando a matéria Novas Meninas do Samba, de Gilberto Tenório, originalmente publicada no saite O Grito (reproduzida na postagem anterior aqui no Música&Poesia), este blogue tem o prazer de apresentar algumas canções destas novas musas do samba. Começamos com Roberta Sá cantando Cicatrizes (Braseiro, 2005), clássico do MPB4, e a não menos clássica Essa Moça tá Diferente (Sambas e Bossas), de Chico Buarque. Em seguida vamos de Mariana Aydar com Minha Missão, Candomblé e Deixa o Verão, todas de seu disco de estréia Kavita 1 (2006). Pra finalizar com chave de ouro encerramos com Pra que Discutir Com Madame? e Com a perna no Mundo, ambas do primeiro álbum de Tereza Cristina, intitulado O Mundo é meu Lugar.

Cicatrizes - Roberta Sá

Cicatrizes - Roberta Sá


Essa Moça tá Diferente - Roberta Sá
Essa Moça tá Diferente - Roberta Sá



Minha Missão - Mariana Aydar


Candomblé - Mariana Aydar
Candomblé - Mariana Aydar


Deixa o Verão - Mariana Aydar

Deixa o Verão, interpretada por Mariana Aydar, é música do Los Hermanos (Ventura, 2003), composição de Rodrigo Amarante.


Pra que Discutir Com Madame? - Teresa Cristina


Com a perna no mundo - Tereza Cristina e Grupo Semente

Novas musas do samba


Lucinha Guerra: do cancioneiro popular ao samba árabe

NOVAS MENINAS DO SAMBA
Depois de um longo tempo afastado das paradas musicais, o samba retorna na voz de novos talentos femininos
por Gilberto Tenório

O samba andou deixado de lado nos últimos tempos. Devido às incoerências do mercado musical brasileiro, o gênero perdeu espaço na preferência do povo, especialmente na do público jovem. Porém, um movimento espontâneo, diga-se de passagem, composto essencialmente por mulheres, vem trazendo o ritmo de volta. E não estamos falando de nomes mais conhecidos da MPB, apesar dos lançamentos de Universo ao Meu Redor, disco que Marisa Monte gravou em 2006 e no atual Samba Meu, o mais recente trabalho de Maria Rita. Quem chega agora são novos rostos que, mesmo prestando tributo à tradição, levam o estilo musical para lugares freqüentados pela classe média, invadem as pistas de dança e buscam conquistar a audiência das rádios. E o melhor, é que essas caras estão surgindo em todas as partes do País. O nome de algumas dessas musas: Teresa Cristina, Mariana Aydar, Roberta Sá e Lucinha Guerra.

Essa nova onda sambista saltou para os olhos do País através do Rio de Janeiro. Foi em bairros do centro velho da cidade, como a Lapa, que muitas dessas meninas começaram a mostrar seu talento em shows que privilegiavam o samba como astro principal. Teresa Cristina foi uma das primeiras cariocas a participar desse universo. Hoje influenciada por grandes divas como Aracy de Almeida e Elza Soares, a artista conta que só descobriu o samba tarde. “Eu cresci ouvindo música estrangeira e só redescobri o samba depois de me apaixonar por um disco de Candeia (Antônio Candeia Filho, 1935-1978), de quem cheguei a debochar na adolescência”, confessou em recente entrevista.

A carreira começou em 1997 quando essa ex-manicure e estudante de literatura resolveu se juntar a alguns músicos e fundou o Grupo Semente, cujo nome foi retirado do bar em que ela tocava na Lapa. A turma continua unida e, este ano, lançou o ótimo disco Delicada (2007), onde, além de composições de nomes consagrados como Paulinho da Viola e Caetano Veloso, há também canções de autoria de própria Teresa.



Cruzando a ponte área encontramos Mariana Aydar. Durante a infância, essa jovem paulistana de 26 anos, circulou pelos bastidores da música ao lado dos pais – Bia Aydar, sua mãe, é produtora musical e Mario Manga, o pai, é músico. Sua trajetória teve início em 2000. Em 2004, após anos de estudo no Brasil e na Berklee School of Music, em Boston, morou em Paris por um ano. Lá conheceu Seu Jorge, que a convidou para abrir seus shows na turnê européia. De volta ao Brasil em 2005, passou a investir em seu disco de estréia, Kavita 1 (2006). “Foi o samba que me chamou de volta ao Brasil quando eu morava na França e vivia um momento de indefinição na minha carreira”, diz. Kavita 1 mostra um repertório dinâmico onde o samba ganha uma roupagem mais pop. Sua versão para “Deixa o Verão” (sucesso da banda Los Hermanos) virou hit e levou Mariana a ser indicada ao prêmio de Melhor Artista Revelação no último VMB (premiação musical da MTV). O ponto alto do trabalho, porém, fica por conta das músicas mais “de raiz”, como “Zé do Caroço” que conta com a participação de Leci Brandão – madrinha musical da garota. Mariana prova, portanto, que ao contrário do que já foi chamado, São Paulo não é o túmulo do samba.

Movimento se espalhou pelo Brasil



O boom de cantoras sambistas não está restrito apenas ao eixo Rio-São Paulo. Um dos expoentes dessa nova safra é Roberta Sá. Apesar de radicada no Rio há mais de 15 anos, este jovem talento nasceu em Natal/RN e chegou a participar de uma das edições do famigerado programa global Fama. Não levou o prêmio principal, mas lançou um ótimo disco de estréia, Braseiro (2005). As dez faixas do álbum provam que a artista tinha uma qualidade musical bem superior aos esteriotipados candidatos do concurso. Em 2007, Roberta chegou com o elogiado Que Belo Estranho Dia Pra Se Ter Alegria. Com bom humor, a potiguar canta alguns dos melhores compositores contemporâneos, muitos deles de seu círculo pessoal de relacionamentos como é o caso de Pedro Luís, Moreno Veloso, Junio Barreto e Lula Queiroga. A artista também atualiza clássicos de outras épocas a exemplo de “Cansei de Esperar Você” – canção que ficou imortalizada na voz de Dona Ivone Lara. Entre o presente e o passado, Roberta sabe transitar com maestria.

Da terra do frevo vem a multi artista Lucinha Guerra. A recifense, que teve uma formação erudita, já trabalhou como atriz na Trupe Romançal de Teatro, idealizada pelo então escritor Ariano Suassuna e dirigida pelo artista plástico Romero de Andrade Lima e em várias outras peças e filmes. Porém, a música é o lugar onde a artista se sente completa. “Consigo levar pro palco toda a experiência adquirida na minha vida. Lá sou cantora, atriz, bailarina e percussionista. Me sinto inteira.”, declara Lucinha.

O primeiro disco, Sinhá Pureza e a Moreninha que o Irerê Cantou, foi gravado em 2002 e deu à Lucinha a oportunidade de participar de diversos festivais. Em 2006, lançou seu segundo trabalho, O Samba de Mariazinha, repleto de obras do cancioneiro popular e de parcerias entre a própria Guerra com outros compositores pernambucanos. O disco mostra o talento de Lucinha em interpretar vários gêneros. Para ela não há preconceito quando se trata de música de qualidade. “Se estiver a fim de cantar música árabe, canto mesmo… Samba árabe”, brinca. A artista revela que a influência sambista vem de grandes mestres como Clara Nunes, Cartola e Ataulfo Alves. A personalidade vibrante da cantora só abre espaço para reclamações quando o assunto é o mercado musical do Recife. Segundo ela, as oportunidades de bons trabalhos são escassas. “Me chateia muito a contratação e super valorização de artistas “de fora”, enquanto Recife é uma verdadeira ebulição de gente talentosa precisando trabalhar e merecendo reconhecimento.”, ressalta.

O retorno do samba à mídia evidencia que há espaço para todos os estilos, mesmo que, em muitas vezes, as gravadores insistam em empurrar goela abaixo astros pré-fabricados. As mulheres saem na frente mais uma vez mostrando que a MPB ainda é comandada por elas.


Fonte: RevistaOGrito

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Ouça Roberta Sá cantando A Flor e o Espinho aqui