segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Carnaval de Poesias

Epílogo
(manoel bandeira)


Eu quis um dia, como Schumann, compor
Um carnaval todo subjetivo:
Um carnaval em que o só motivo
Fosse o meu próprio ser interior...

Quando o acabei - a diferença que havia!
O de Schumann é um poema cheio de amor,
E de frescura, e de mocidade...
O meu tinha a morta mortacor
Da senilidade e da amargura...
– O meu carnaval sem nenhuma alegria!


Carnaval de Ontem e de Hoje
(cruz e souza)


Do apartamento de Dora
Ouve-se o ruído lá fora
Do carnaval que já vem.
O samba do morro desce
E a gente do morro esquece
Do gosto que a vida tem.
A Vovó fica alarmada!
Que terror esta enxurrada
De gente suja e brutal!
As mulheres, quase nuas,
Homens de saia, nas ruas,
— Meu Deus, isto é carnaval?

“No seu tempo”, felizmente,
Era tudo diferente
À neta ela explica, então:
— Gente distinta, educada,
Batalhava na calçada
Do Jockey, que animação!

O corso era uma beleza!

Que elegância, que riqueza
De confeti e serpentinas!
Sobre as capotas descidas
Moças bonitas, vestidas
Das fantasias mais finas.

Nos bailes, que brincadeira!
Nem pulos, nem bebedeira,
Todos podiam dançar.
Mas de outro modo, distinto:
Se era “família” o recinto,
Ninguém mais podia entrar.

Dançava-se o tempo todo.
Brincava-se mesmo a rodo,
Sem mal, contente e feliz.
E o lança-perfume, eu penso
Não era usado no lenço
E abusado, no nariz!

Às vezes, um mascarado
Chegava, alegre e engraçado,
Metido num dominó.
Passava, dando os seus trotes,
Depois lá ia, aos pinotes,
Brincalhão, como ele só!

E a Vovó contava à neta...
Dorinha ouvia, bem quieta
Mas, de repente diz: - Qual,
Vovó, desculpe o que eu digo
Mas que chato é o tempo antigo!
Meu Deus, isso é Carnaval?


Cachaça Mecânica
(erasmo carlos)

Vendeu seu terno, seu relógio e sua alma
E até o santo ele vendeu com muita fé

Comprou fiado pra fazer sua mortalha
Tomou um gole de cachaça e deu no pé

Mariazinha ainda viu joão no mato
Matando um gato pra vestir seu tamborim

E aquela tarde já bem tarde comentava
Lá vai um homem se acabar até o fim

João bebeu toda cachaça da cidade
Bateu com força em todo bumbo que ele via

Gastou seu bolso mas dançou desesperado
Comeu confete , serpentina e a fantasia

Tomou um tombo bem no meio da avenida
Desconfiado que outro gole não bebia

Dormiu no tombo e foi pisado pela escola
Morreu de samba , de cachaça e de folia

Tanto ele investiu na brincadeira
Pra tudo tudo se acabar na terça-feira


Desce
(arnaldo antunes)


desce do trono, rainha
desce do seu pedestal
de que te vale a riqueza sozinha,
enquanto é carnaval?

desce do sono, princesa
deixa o seu cetro rolar
de que adianta haver tanta beleza
se não se pode tocar?

hoje você vai ser minha
desce do cartão postal
não é o altar que te faz mais divina
deus também desce do céu

desce das suas alturas
desce da nuvem, meu bem
porque não deixa de tanta frescura
e vem para a rua também?


Sala de recepção
(cartola)


Habitada por gente simples e tão pobre
Que só tem o sol que a todos cobre
Como podes Mangueira cantar?

Pois então saiba que não desejamos mais nada
A noite a lua prateada, silenciosa
Ouve as nossas canções
Bem lá no alto do cruzeiro
Onde fazemos nossas orações

Temos orgulho de sermos os primeiros campeões
Eu digo e afirmo, que a felicidade aqui mora
E as outras escolas até choram
Invejando a tua posição
Minha Mangueira
És a sala de recepção
Aqui se abraça o inimigo como se fosse irmão

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