segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Música e Poesia de Baleiro e Hilda


A poesia sonora de Hilda Hilst no baleiro de Zeca
por Tacilda Aquino

Foi por iniciativa de Hilda Hilst (1930 -2004) que Zeca Baleiro se tornou parceiro da poeta paulista. Ao receber uma cópia do primeiro disco do compositor maranhense, Por Onde Andará Stephen Fry? (1997), enviada pelo próprio artista, Hilst ligou, propôs a parceria e mandou um disquete com sua obra poética.Foi no disquete que Baleiro descobriu o livro Júbilo Memória Noviciado da Paixão - escrito pela Hilda quando estava apaixonada platonicamente pelo Júlio de Mesquita Neto (vide as iniciais) - e decidiu musicar os versos do capítulo que dá título ao disco.

Depois de dois anos de trabalho, a gravadora de Zeca Baleiro, Saravá Disco, lançou o CD Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio - com poemas de Hilda Hilst musicados pelo artista maranhense.

O disco, segundo Zeca Baleiro, começou a ser gravado em abril de 2003 e teve aval da escritora e a colaboração do violonista Swami Jr. nos arranjos de base. Para musicar os dez poemas, Baleiro buscou uma sonoridade que se encaixasse nos poemas já em essência muito musicais de Hilst. Instrumentos como harpa, oboé e fagote ajudaram a criar o clima. Para dar mais charme ainda ao disco, Baleiro contou com a adesão de dez cantoras para interpretar as canções. Pela ordem de entrada no CD, o time é formado por Rita Ribeiro, Verônica Sabino, Maria Bethânia, Jussara Silveira, Ângela Ro Ro, Ná Ozzetti, Zélia Duncan, Olívia Byington, Mônica Salmaso e Ângela Maria.

As intérpretes estão à vontade no despudorado universo poético de Hilst. O único deslize é de Ângela Maria, que, por conta de seu estilo naturalmente empostado, ficou meio deslocada. Mas no todo, o trabalho tem bom acabamento melódico, garantido pelo repertório de tom linear que assegura a uniformidade das canções ao mesmo tempo em que conta a história do amor impossível de Ariana e Dionísio. Um dos melhores momentos do disco é a Canção V, interpretada por Angela Ro Ro.
Na época do lançamento do disco, no ano passado, conversei com Zeca Baleiro sobre o trabalho. Confira a entrevista abaixo.

Título: Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio
Artista: Vários
Gravadora: Saravá Discos
Preço médio: 30 reais


Entrevista com Zeca Baleiro

“Gosto do lugar onde estou”

Como foi a sua aproximação com Hilda Hilst?

Quando lancei meu primeiro disco, enviei um exemplar a Hilda. Semanas depois ela me ligou e me convidou a compor com ela, foi surpreendente. Claro que topei. Quando ela me ligou, ela leu um poema curto, de três versos, e pediu pra eu musicar já, ali mesmo. Depois mandou um disquete com toda a sua produção poética e disse: “faça o que você quiser”. Então eu tive o insight de fazer o disco.

Você é um compositor que transita com desenvoltura por diversos gêneros e estilos musicais. Qual foi a maior dificuldade de musicar os poemas?

O trabalho foi difícil porque os poemas não tinham uma métrica de canção, versos ritmados. São versos muito livres e muito densos, não poderia musicar como canções pop, iria ficar inadequado. Tinha que achar um caminho que fosse coerente, por isso embarquei no clima medieval dos poemas, enaltecendo o lirismo dos poemas e a interpretação das cantoras.

Você disse que recebeu um disquete com toda a obra poética de Hilda. Por que escolheu justamente Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé, do livro Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão?

Não sei se escolhi ou se fui escolhido. Quando me dei conta, já estava musicando esses poemas. É curioso, mas não foi uma escolha racional de fato.

Então ela chegou a conhecer essas canções?

Sim, ouviu, aprovou, corrigiu a métrica de uns dois versos lá. Ela gostava de cantarolar a Canção X, dizia ser a sua preferida.

Tinha alguma canção sua que ela gostava especialmente?

Ela dizia adorar Bandeira e Heavy Metal do Senhor.

Quando ela ouviu as canções pensou em alguma cantora para interpretá-las? Sugeriu algum nome?

Sugeriu Bethânia e Gal. Bethânia gravou, mas a Gal estava em Nova York nessa altura, envolvida com outros projetos, e não pôde participar.

Parece que sua decisão de fazer Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé reforça a afirmação de que você é um poeta pós-moderno, multifacetado, difícil de ser rotulado ou definido por uma das infindáveis prateleiras nas lojas de CDs. O que pensa de tudo isso?

Bom, estaria mentindo se dissesse que não fico envaidecido com isso, que considero o maior elogio que um artista possa receber – “difícil de ser rotulado”. Já disse alguém que “se você não pode esclarecer, então confunda!”.

O disco tem uma sonoridade medieval, com instrumentos como harpa, oboé e fagote ajudando a criar o clima que lembra o trabalho de grandes trovadores. Qual sua aposta na obra, falando do ponto de vista comercial?

Não tenho expectativas comerciais com o disco, falando muito francamente. Sei o lugar de cada coisa, e este trabalho não aspira a êxitos comerciais. Mas, pela recepção da crítica, e do público especialmente, ele já é um sucesso.

Um dos grandes chamarizes do disco é o fato de você contar com a adesão de grandes nomes da música nacional. Como foi o convite para essas estrelas gravarem os poemas de Hilda?

Fui chamando conforme a canção me sugeria determinado timbre ou jeito de cantar. Acho que fui feliz nas escolhas. E todas se mostraram bem contentes por participar do projeto.

Nesses anos todos de carreira, você sempre se envolveu em projetos paralelos, como a produção dos primeiros discos de Rita Ribeiro e Ceumar, além de ter lançado o primeiro CD do maranhense Antonio Vieira, aos 82 anos. E acabou lançando o selo Saravá. Como você analisa a música independente feita no Brasil?

Acho que tudo nos aponta o caminho da independência, é uma produção que só cresce e ganha adesões. É o futuro.

Depois de cinco CDs, qual avaliação que você pode fazer sobre sua carreira?

Gosto do lugar onde estou.

Como você vê o nível dos artistas que estão surgindo? Há alguém que você admire mais?

Admiro o trabalho de alguns novos artistas sim – Wado, Kléber Albuquerque e Totonho e os Cabra, entre eles.

De que maneira a perplexidade das pessoas em relação ao futuro político do Brasil pode refletir na produção cultural do País e, principalmente, na sua?

Tudo que acontece ao redor reflete na produção artística contemporânea, a não ser que o sujeito passe uma temporada em Marte. Não sei como essa perplexidade se manifestará, talvez surjam algumas canções perplexas por aí.

Ser popular sem soar popularesco parece mover muito da sua composição. Mas, ao mesmo tempo, suas canções não são muito populares no mainstream. Isso o preocupa de alguma maneira?

Nem um pouco. Não faço músicas nem para o mainstream nem para o underground, faço para o mundo, para quem queira ouvir. Para alguns sou cult, para outros sou pop. Estou no meio de um caminho que me é muito confortável. Quero ser tudo e nada. Apenas isso.

Fonte: OverMundo

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