O escritor Marcelo Mirisola mostra na publicação digital Cronópios um texto recusado pela revista Rolling Stones e que estará em seu próximo livro Proibidão - crônicas censuras, viajadas necessárias na maionese e dissipações afins.
Bundinhas Empinadas
por Marcelo Mirisola
Não, não vou passar a madrugada num salão de sinuca com o Peréio. Podia ser interessante... talvez em outra circunstância. Por exemplo, se eu não tivesse uma "encomenda" a ser entregue exatamente sobre ele. Em primeiro lugar a diversão. E, depois, eu não sou o melhor jogador de sinuca do Bola 8. Também não tenho a ambição de "construir um personagem" em cima do Peréio, logo ele. Ora, não sou ingênuo, nem sou audiência pra platéia do Juca de Oliveira. Sou escritor, e dos bons. Aproveito a oportunidade para agradecer aos céus por não ter feito faculdade de jornalismo. Nada de cartilhas, apenas xaveco.
A madrugada no bola 8 não se justificaria nem se eu fosse um Cartier-Bresson à procura do melhor ângulo para uma foto antológica. Marmanjo nenhum - aliás - vai ficar à vontade na minha frente. Tampouco o Peréio - e ainda por cima num ambiente em que ele, em tese, estaria levando vantagem.
Não queria entrevistá-lo. Acho que esse negócio de "Perfil" está mais para nome de salão de beleza do que para qualquer outra coisa. Por falar nisso, conheci Verinha no Salão Perfil, ela era manicure.
Saudades da Verinha. Isso foi na época em que morei no lugar mais brega da América do Sul, Balneário Camboriu-SC.
Minha ex-garota & massagista particular deixou Sant`ana do Livramento-RS aos quinze anos de idade. Antes de ser estuprada pelo pai, era vizinha de cerca do Peréio (que é de Alegrete). Verinha foi tentar a vida nos puteiros catarinenses. Nos conhecemos no Scorpion`s Club. Mas essa é outra história.
Quanto ao Peréio, Fausto Wollf e outros encrenqueiros do quilate deles e de Tarso de Castro, bem, eles também se mandaram daquelas plagas (com a mesma volúpia da Verinha,creio ...), e foram tentar - cada um a seu modo, e trinta anos antes - a vida no Rio de Janeiro, e alhures. Consta que se deram bem, e comeram todas.
Não iria perguntar uma bobagem dessas pro cara: "Você passou a vara em metade do Rio de Janeiro, Peréio?" Claro que sim, - ele diria: - "inclusive na senhora sua mãe".
O melhor é tentar entender porque Peréio - outra vez - está no ar. A garotada está pagando o maior pau pro cara. Que agora - além de apresentador do Canal Brasil - virou escritor, e garoto propaganda da oitava maravilha do mundo, o Borba Gato. O homem que encarnou "Russo" no filme "Vai Trabalhar, Vagabundo" agora é autor de um livro chamado "Por que se mete,Porra?" O subtítulo: "Delicadezas de Paulo César Peréio" (editora do bispo).
Gostei do título, e pensei em outras perguntas: Se fosse na época em que você estava gravando "Iracema, uma transa Amazônica", iria se meter a escritor, Peréio? Se meteu por que qualquer pangaré hoje em dia é escritor?
Já leu os livros do Amyr Klink?
Claro que não perguntei nada disso. Aproveitei - isso sim - para responder a mim mesmo com outra pergunta: Se a Maitê Proença não precisa mais ser gostosa por que, afinal de contas, o Pereio não poderia se meter a escritor?
Aí fui ao livro. E - como sempre - constatei que estava certo e que estava errado. Pag. 66: "Minha mãe morreu hoje. Ou talvez ontem, não tenho certeza. Desculpe-me, mas a culpa não é minha".
Peréio cita Camus, malandramente. Como se quisesse tropicalizá-lo - só de sacanagem - para, logo em seguida, ensejar uma rasteira no escritor franco-argelino: "Se eu tivesse sentido a morte da minha mãe não teria pedido desculpas". Esse é o espírito da coisa. São anotações de guardanapo, pequenas rasteiras inúteis na vida besta que vivemos "cada vez menos". Peréio é um homem desleixado e íntegro. Se eu fosse a Pink Wainer, a editora dele, cancelava o subtítulo. O motivo é simples. A delicadeza está implícita na entonação de Peréio, o ator. Não precisava constar em livro. O livro, penso, é uma indelicadeza cometida contra ele mesmo. Em outras palavras: é o remoer a si mesmo ou "o segredo que não interessa a ninguém" ...enfim, os defuntos irrelevantes do Peréio, revelados ao leitor, ao fã que, em última análise, nada tem a ver com isso.
Por outro lado, é curioso notar que desleixo e integridade, duas coisas que aparentemente não se ajustariam, encontram, nesse livro, um encaixe verossímil, pessoal (eis a questão) e intransferível.
Que nome que eu poderia dar aos guardanapos do Peréio? Talvez ... "a vida que todos nós jogamos no lixo"? Um blues? Bem, prefiro chamar de indelicadeza. Não havia - insisto - necessidade do livro. Os editores de Peréio - talvez com as melhores das intenções - foram importunos, e grosseiros. São fãs dele, como eu. Mas, afinal, por que se mete, Pereio?
Bem,tenho uma suspeita. Minha suspeita se refere a ressurreição do ex-cafajeste.
Um fato público e notório: Tem uma molecadinha aí de bunda empinada pro Peréio. Outras perguntas imaginárias: 1. Você não acha que essa garotada está lhe sugando a virilidade? E o pior, sugando uma virilidade que não lhe pertence mais?
Essa pergunta (ou tese) é de um amigo meu - gaúcho também - Nilo Oliveira, autor do excelente "Pornografia Pessoal de um Ilusionista Fracassado".
Antes, porém, de falar dos vampirinhos ilustrados, tenho que falar do Nilo. Logo na sua primeira semana de São Paulo, levou um chapéu de um sambista japonês no Ó do Borogodó, um bar na Vila Madalena.
A partir desse dado, vale a pena conhecer sua tese, e lamentar pelo chifre levado. Vejam só o que o Nilo Oliveira diz: "A presepada já começa pelo nome do
troço: `Ó do Borogodó`. Os poetinhas e playboyzinhos mexendo os rabinhos brancos, os olhinhos brilhando atrás dos óculos de aro vermelho cada vez que se falava em "samba de raíz". Contavam as histórias dos velhões do samba como se fossem íntimos, pauzinhos duros e buraquinhos molhados, eles invejavam a qualidade morna da testosterona, a suposta "malandragem" que faltava na ortopedia acadêmica dos seus corpinhos de lombriga. Então bebiam e davam vexame. As intelectualóidezinhas querendo apanhar na cara (isto pude comprovar `in loco`) como supostamente apanhavam dos seus proxenetas as negonas do mangue. Tudo fora do lugar: como na jugular de qualquer grande escritor ou poeta se vê grudado, invariavelmente, um cacho insaciável de psicanalistas, estes vermezinhos tentam sugar dos sambistas da antiga, a força vital que lhes falta: ignorando, obviamente, que "malandragem" é apenas um dos muitos nomes da `sobrevivência` ou da `falta de opção`.
aquele abraço, miriguela".
O Miriguela em questão sou eu mesmo. Quero dizer que concordo com a tese do Nilo. Impecável. E cabe à perfeição na boa fase que Peréio está vivendo hoje, acho que sim.
Tenho algo a acrescentar. Num mundo bundão, onde escritores fazem projetos e discutem planilhas, e jornalistas coxinhas cagam regras e os julgam como iguais (porque são mesmo), onde todos morrem de medo do famigerado "departamento jurídico", e a revista Rolling Stone paga pau pra Ivete Sangalo, nesse mundo bundão, onde campeia o politicamente correto, e os heróis que morreram de overdose são reduzidos a estereótipos de filminhos de entretenimento, onde as oposições e as periferias são cooptadas pela teia, e são tão world e bundonas quanto, bem, nem nesse mundo bundão, onde os poetinhas da Vila Madalena sugam, talvez por falta de talento mesmo (e sem pretensão?) a virilidade dos sambistas da antiga, nada mais previsível do que vampirizar a virilidade de Paulo Cesar Peréio. "O que acha disso?"
Peréio fala milhares de coisas ao mesmo tempo. Não diria que é um discurso desconexo, mas uma forma educada de mandar à merda, atender às expectativas esdrúxulas dos fãs (ele não me conhece... acho que não foi com a minha fuça), uma forma de ser egoísta e - por que não? - perpetuar a lenda. Isso é bom: ele está com o saco cheio de si mesmo. Mas continua pondo na bunda de todo mundo. Tanto faz pro Peréio se o rabinho empinado é esclarecido ou não. Peréio não é um deslumbrado.
Um capuccino pra mim. Outro capuccino pro Peréio com adoçante.
---- Sabia que esses garotos têm uma revista?
Oficialmente chama-se Piauí. Por quê Piauí ? Ah, Peréio - com a grana & simpatia que os mauricinhos líricos têm qualquer nome funcionaria. A má consciência dos herdeiros do Unibanco se resolve - e vira dinheiro - como se os juros cobrados (em última análise) fosse algo inteligente e simpático pela própria natureza. Os filmes que fazem, as revistas que editam são quase um objeto de decoração, eu diria. Quase inofensivos. Se o resultado não fosse podre no que tem de despojado, e falso no que poderia ter de original. Sabia que até o Nelson Sargento está escrevendo na revista dos mauricinhos? Não, não foi cooptado. A palavra é pesada demais.
Não é por acaso que o sambista está lá. Trata-se do zeitgeist. Um termo alemão que se refere ao espírito de uma época. Ou seja: sintoma da babaquice que vivemos hoje em dia.Toda época tem o zeitgeist que merece. O nome ideal para essa revista? Creio que "Fio Terra" seria o nome adequado.
Mas vamos mudar de assunto para falar da mesma coisa. Peréio é a bola da vez da garotada sem viço da Vila Madalena, capital do Piauí. Estão todos deslumbrados com você, "o ex-cafajeste". O que você acha de ser chamado de ex-cafajeste? Todos com a bundinha empinada pra você, querendo sugar sua ex-virilidade. Calma, cara. Sou apenas um escritor elaborando seu "Perfil".
PS. 1. Enfim, o único jeito que eu tinha de não me aproximar da Vila Madalena, era não ir ao Bola 8, e - para coroar essa entrevista - pedir esse capucinno descafeinado com adoçante, e vaselina.
PS. 2. Não fiz nenhuma dessas perguntas pro Peréio. Não encontrei o Peréio. Na verdade poderia ter sido um encontro meio besta que não serviria para melhorar meus preconceitos, nem para me ajudar a ganhar a melhor de três que não disputamos no Bola 8, salão de sinuca que, aliás, jamais existiu ... Ou que poderia ter existido num conto do João Antonio... talvez numa crônica do Marcos Rey.
PS 3. As especulações que se referem às bundinhas empinadas, ao discurso quase-desconexo, e a integridade dele, são sinceras e, sobretudo, passiveis de erro. Como o resto do texto, evidentemente. Apesar dos pesares, sou fã do cara.
Marcelo Mirisola nasceu em 1966, em São Paulo (SP). É formado em Direito e considerado o mais iconoclasta dos escritores da nova geração de prosadores. Tem os seguintes livros publicados: Fátima fez os pés para mostrar na choperia (1998); O herói devolvido (2000); O azul do filho morto (2000); Bangalô (2003); O Banquete (textos a partir de imagens de Caco Galhardo, 2003); Notas de arrebentação (2005); Joana a contragosto (2005); O homem da quitinete de marfim (2007). E-mail: marcelomirisola@yahoo.com.br
Fonte: Cronópios
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
A Iconoclastia de Marcelo Mirisola
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