terça-feira, 22 de maio de 2007

Mário Lago, um Ilustre Brasileiro

ILUSTRES BRASILEIROS
MÁRIO LAGO

ARTISTA DAS CONVERSAS
Por Danilo Ribeiro Gallucci



Desde cedo entendeu que o significado da vida não estava nos livros de escola, mas nos relacionamentos humanos. Artista múltiplo, deixou marcas por onde passou. Foi escritor do Teatro de Revista, ator de cinema e tevê, companheiro de multidões em programas de rádio. Um dos mais ecléticos artistas brasileiros.

Foi em fins de novembro de 1911 que nasceu, no Rio, o único filho de Antônio e Francisca Lago. O parto difícil poderia, talvez, ter sido tomado como um prenúncio do que seria a vida de Mário: cheia de atribulações e percalços, mas sempre enfrentados com bom humor.
A meninice é recheada de manifestações culturais. Os avós eram músicos; o pai, maestro. Antônio Lago semeava a imaginação do filho com histórias fantásticas de cafés e cabarés. Na vizinhança, o ateliê de Cândido Portinari e a casa de Manuel Bandeira davam cores ilustres ao ambiente. As aulas de piano com Lucília Villa-Lobos acrescentavam um toque erudito à formação do rapaz. No entanto, ele se apaixonava mesmo era pelo samba.
Toda essa atmosfera desenvolve em Mário duas habilidades que lhe seriam muito frutíferas: conversar e escrever. Acreditava que conversando aprenderia mais do que na escola. Seus primeiros poemas são publicados aos 15 anos. Sua primeira música, anos depois: Menina, Eu Sei de uma Coisa, parceria com Custódio Mesquita.

O TRIVIAL DA VIDA

Nos anos 1930, ingressa na faculdade de Direito. Leva três anos para se formar; e, em três meses, abandona a advocacia. As constantes idas aos cafés o lançam num ambiente onde poucas coisas importavam mais do que discussões intelectuais e atividades culturais. Em fevereiro de 1933, estréia como escritor do Teatro de Revista, na Praça Tiradentes. O veredicto do público é fabuloso: Flores à Cunha provoca gargalhadas lacrimejantes. Com o sucesso, escolhe a atividade como ganha-pão. Anos depois, justifica: “Escrevo por prazer, mas trabalho por necessidade. Como meu trabalho é escrever, escrevo por necessidade”.
Para Mário, o Teatro de Revista mostrava às pessoas os dramas reais da vida, fazendo-as rirem de si mesmas: “Tudo na vida é risível, é só prestar atenção”. O sucesso o leva para a Rádio Pan-Americana, em São Paulo, aonde suas músicas já encantavam os bairros populares. Amélia badalava o carnaval, e composições como Dá-me Tuas Mãos e Nada Além eram difundidas pelo rádio, a maravilha das comunicações. No decorrer da vida, escreveria mais de 150 canções.
Em 1947, casa com Zeli Cordeiro, sua companheira por 50 anos. Usava as intermináveis noites em cafés e conversas acaloradas para extrair percepções poetizadas do cotidiano. Daí saíam seus livros, 11 no total. Obras como Manuscritos de um Empregadinho de Bordel e Rabo da Noite são, segundo ele, “colagens existenciais” que brincam com o trivial da vida.

QUARTÉIS E PARÁGRAFOS
Mário gostava de testar a censura, ver até onde podia ir. Em 1941 tem que prestar depoimento por criar a Associação Brasileira de Compositores e Autores. Ironiza: “Já pensou tomar o poder ao som de Pixinguinha, Nonô ao piano, Passos no trombone de vara, e na bateria o Almeidinha? Seria um forrobodó!”. É demitido da Rádio Nacional por discutir com o diretor, um coronel do Exército: “Ele entende de quartel, eu de parágrafos”. Para ele, a função social dos programas era educar, estimular a leitura. Por isso incutia em suas radionovelas pitadas de crítica social.

Com o golpe de 1964, tem a casa invadida pelos militares. Permanece sentado à máquina de escrever enquanto os cômodos são revirados. Um policial se aproxima, e, em tom de confissão, diz: “Nem vou contar à patroa que vim prender o senhor. Ela é fã de suas novelas. Se souber que o senhor não vai mais escrever, e que eu ajudei a lhe prender... Eu, hein...”

Em março de 1966, vai para a Rede Globo. Com a radicalização da ditadura, vira mais ator do que autor: “Não tenho mais coronária para agüentar conversa de censor”. Na nova fase, estréia ironicamente como um coronel nazista na novela Sheik de Agadir. Busca nos interrogatórios que prestou a caracterização do personagem.

Em 35 anos, faz mais de 40 novelas. No cinema, filmes como Terra em Transe e São Bernardo refletem sua preocupação em levar ao público temas relevantes para o País. Em 2001, recebe o título de Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro por suas realizações artísticas. Chegou a dizer em entrevista: “Fiz um acordo com o tempo: nem ele me persegue e nem eu fujo dele. Um dia a gente se encontra”. Esse dia chegou em 31 de maio de 2002, quando Mário tinha 90 anos.

SAIBA MAIS
Mário Lago: boemia e política, de Mônica Velloso (Fundação Getúlio Vargas, 1998).


Fonte: AlmaqueBrasil


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Um comentário:

NILZA RODRIGUES SILVA disse...

Querido e amado ator.
Você ficara para sempre em meu coração.
SAUDADES.
P/MEMORIA DE MARIO LAGO.