sexta-feira, 13 de julho de 2007

Revisão de Políticas de Propriedade Intelectual para o Desenvolvimento Criativo da Sociedade em Debate

Movimento cultural consolida luta por revisão do direito autoral
Segundo encontro do iCommons, entidade que engloba representantes do Creative Commons, reforça necessidade de revisão das atuais políticas de propriedade intelectual para o desenvolvimento criativo da sociedade

Carlos Gustavo Yoda *

SÃO VICENTE - Em qualquer diálogo sobre diversidade cultural, logo é exposta a contradição entre a restrição do mercado na defesa da propriedade intelectual privada e o pensamento sobre políticas públicas que potencializem o desenvolvimento cultural da sociedade. Acordos conquistados nas esferas da Organização Mundial do Comércio (TRIPS - OMC) e na Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI – ONU) comprometem a atuação dos estados na defesa por soberania sobre suas políticas.

Ícones do conhecimento livre, como Yochai Benkler, autor de A Riqueza das Redes; Lawrence Lessig, fundador do Creative Commons; Jimmy Wales, fundador da Wikipedia; Cory Ondrejka, do Linden Labs (Second Life); Joi Ito , empreendedor do mundo digital; e Cory Doctorow, editor do blog Boing Boing, entre outras 300 intelectuais, artistas, advogados, tecnólogos e ativistas estiveram em Dubrovnik, na Croácia, entre os dias 15 e 17 de junho, no iCommons Summit 2007 para discutir os rumos da cultura e do conhecimento na rede.

O iCommons é a entidade internacional que conglomera os representantes do Creative Commons de todo o mundo, formando a maior rede internacional de pensadores e ativistas atuantes na área de propriedade intelectual e tecnologia da informação. O iCommons busca promover as condições para um futuro no qual todos possuam a capacidade de participar de forma ativa e crítica dos campos da cultura, da tecnologia e do conhecimento, considerados como os combustíveis universais e essenciais para a inovação e a criatividade. Por tudo isso, sua principal missão é promover ferramentas, modelos e políticas que facilitem esse acesso, participação e integração. O iCommons Summit 2006 teve o Rio de Janeiro como sede e contou com a presença da ministra da Cultura do Chile, Paulina Urrutia, e do ministro Gilberto Gil.

Quem coordena o debate sobre direito autoral no Ministério da Cultura é José Vaz de Souza Filho. Ele acompanhou os debates e relatou que a sensação sobre o iSummit é a de estar participando de um congresso igual ao de outros tantos movimentos sociais.

"Os militantes por uma cultura livre debatiam entusiasmados; a pluralidade de propostas e a diversidade de experiências relatadas demonstravam a grande vitalidade do movimento. Claro, houve também os embates de idéias, alguns bem acalorados. Mas, ao contrário da grande maioria dos demais movimentos sociais, não havia ali um clima de disputa de poder, de busca de hegemonias de uns sobre outros. Esse talvez seja o maior mérito que anima o movimento Cultura Livre: ninguém quer ser dono de nada, líder de nada: todos querem que todos tenham uma ampla liberdade de criar, compartilhar, transformar e produzir de forma colaborativa", pontua José Vaz.

No movimento ao menos é consenso que o atual sistema de proteção dos direitos autorais impõe obstáculos absurdos ao desenvolvimento das artes, ao acesso à cultura e à educação, e que a resposta a ser dada passa pela construção de uma nova hegemonia baseada no conceito dos commons. O representante do MinC reflete ainda que os commons são apenas um conceito de base essencialmente empírica. "A experimentação e a criatividade são o motor da cultura livre", afirma.

Tom Chance, do Partido Verde da Inglaterra e País de Gales, propôs um sistema de proteção de direitos autorais em novas bases, de clara vinculação do criador com sua obra, em que a presença de dispositivos de DRM (digital managements rights) poderiam até ser vistos como algo positivo para os artistas. O iSummit 2006 condenou duramente este tipo de dispositivo. Tom Chance, no entanto, alerta para o fato de que discutir limitações aos direitos e licenciamentos flexíveis sem discutir simultaneamente o acesso aos meios de produção cultural poderia levar o movimento para um beco sem saída.

Lawrence Liang, da ALF-Alternative Law Forum, também tocou no tema: "O desafio está em passar do iCommons para o weCommons". Ou seja, sem o acesso aos equipamentos digitais, não é possível sequer o acesso a produtos pirateados. "O compartilhamento da cultura e do conhecimento não pode ser um privilégio de alguns, mas uma necessidade para a sobrevivência de todos na sociedade da informação", acrescenta José Vaz.

No outro extremo do debate, David Berry (Swanmsea University) apresentou uma tese erudita, em que analisou o movimento pela cultura livre a partir de duas categorias filosóficas de Martin Heidegger: ôntico e ontológico. Ôntica seria a luta contra os sistemas de propriedade intelectual, um embate restrito e limitado; ontológico seria uma luta mais ampla, dentro de uma perspectiva de mudança social global. Assim, para realizar essa dimensão maior (ontológica), o movimento por uma cultura livre deveria articular-se com outros movimentos sociais (ambientalistas, anti-racistas, anti-capitalistas) com uma perspectiva revolucionária, de transformação social.

Arte remixada
Segundo Vaz, o relato dos artistas que participaram do Programa de Residência do iCommons foi outro ponto alto do evento. Alguns recusaram qualquer cobrança no sentido de vincular seus processos criativos a uma militância pelo commons, ainda que essa seja uma opção plena de possibilidades. Mas os processos criativos e o destino dado a cada obra podem variar e cada artista deve ter a liberdade de experimentar e difundir suas próprias criações da forma que quiser.

O relato da artista Joy Garnett, que se envolveu numa disputa de direitos autorais por ter utilizado uma fotografia que se encontra em domínio privado (Molotov, de Susan Meiselas), mostra que a propriedade intelectual, do forma como é tratada, impede o processo criativo humano. Usando diversos exemplos da História da Arte, a artista demonstrou como o sistema de direitos autorais pode ser nocivo para a evolução da arte, particularmente quando restringe a possibilidade de usos transformativos. Para Garnett, o processo de criação artística sempre foi baseado em algum tipo de "remix".

"Para quem trabalha no âmbito da formulação de políticas públicas, estamos diante de um grande desafio. Sem dúvida, revisar o marco legal é um primeiro passo para reequilibrar os direitos intelectuais (de interesse privado) com os direitos culturais (de interesse público). A balança ainda está muito mais inclinada para os primeiros, em prejuízo do conjunto da sociedade", conclui Vasquez.

(*) 100canais, com informações do Cultura Livre e do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito - Rio.

Fonte: CartaMaior

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