terça-feira, 3 de julho de 2007

Seminário internacional para debater diversidade cultural

Brasil lidera países americanos por políticas para as expressões artísticas

Seminário internacional reuniu países americanos para debater diversidade cultural no mundo e nas Américas, comunicação e convergência digital, economia da cultura e setores estratégicos, e globalização e cultura.

Carlos Gustavo Yoda

A Convenção pela Promoção e Proteção da Diversidade das Expressões Artísticas, adotada em outubro de 2005 na Unesco, foi ratificada em tempo recorde e já conta com a adesão de quase 60 países. Hoje, as culturas locais, excluídas da indústria cultural de massa, contam com um fortíssimo instrumento de luta e defesa dos desejos de suas vidas (“dj's de suas vidas”, como prefere o ministro Gilberto Gil). Mas, entre um documento assinado e a implantação de políticas públicas que garantam esse direito, um longo caminho de debates e práxis há de ser percorrido.

Entre os dias 27 e 29 de junho, Brasília sediou o Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural – Práticas e Perspectivas. Promovido pela Organização dos Estados Americanos com o governo brasileiro, os debates que tiveram início em fóruns públicos virtuais, foram divididos entre diversidade cultural no mundo contemporâneo, diversidade cultural nas Américas, comunicação e convergência digital, economia da cultura e setores estratégicos, e globalização e cultura.

Todos os países do continente, menos Cuba (que não integra a OEA por embargo econômico), tiveram a oportunidade de apresentar seus projetos e políticas. Com as políticas que estão sendo implantadas no Brasil, como o Programa Cultura Viva, o Ministério da Cultura coloca-se como liderança e contraponto na balança da OEA contra a política mercantil e de massa dos Estados Unidos. O país norte-americano que, com Israel, votou contra a aprovação da Convenção, apresentou suas perspectivas no seminário através de uma representante da Discovery.

Democracia Cultural
O sociólogo e editor do periódico francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, afirma que os EUA preferem fazer concessões em outras áreas, mas não arredam o pé quando a discussão é sobre bens culturais. Ele entende que “soberania política e soberania cultural estão interligadas” e o assunto central da diversidade cultural refere-se à democracia.

Ramonet, na aula inaugural do Seminário, lembrou o caso da China, para explicar como os Estados Unidos tratam as questões culturais. O congresso estadunidense ainda não ratificou um acordo bilateral com a China, pois os chineses permanecem inflexíveis em fazer concessões sobre questões de propriedade intelectual, entre outros pontos que se referem a bens simbólicos.

O pensador francês lembra também que o consenso midiático, controlado pelas indústrias da cultura e do conhecimento, considera qualquer tipo de regulação do setor uma forma de censura. Exemplo claro, diz ele, é o caso da Venezuela, onde leis de responsabilidade para os meios de comunicação de massa exigem ao menos de 50% de músicas venezuelanas nas rádios e mínimo de cinco horas diárias de conteúdo que valorize a cultura nacional.

Recentemente, a não renovação da concessão da emissora RCTV, que participou da articulação do golpe contra o governo bolivariano de Hugo Chávez em 2002, causou rebuliço da mídia e do governo dos EUA e de seus agentes externos, os grandes jornais de todo o mundo. “Os Estados Unidos têm de fazer sua lição de casa antes de falarem qualquer coisa. O modelo de liberalismo financeiro que eles têm como modelo de globalização não garante diversidade”, pontua o escritor. A população do mundo dos sonhos hollywoodianos é dividida em sua grande parte por brancos, negros e latinos. Hoje, apenas 1,9% das concessões de rádio representam os latinos, os negros ficam com 3,2% do bolo midiático e as mulheres estão representadas em 6%.

“Em Quebéc, no Canadá, país decisivo na articulação da Convenção, políticas como a que proíbem qualquer propaganda pública que não seja em francês já estão funcionando e mexendo com a vida das pessoas. Não pode nem ser bilíngue. Essas medidas devem causar grandes impactos nas culturas locais daqui a um tempo”, pontua Ramonet.

Mercantilização da Cultura
Para o pensador francês, as expressões culturais ainda são tratadas como mercadoria e administrada por grandes conglomerados que atuam mundialmente, o que inviabiliza o processo democrático e o direito de comunicação humana. “Os Estados Unidos, assim como outras indústrias de outras matrizes, vendem primeiro a sua cultura liberal e seu american way of life para depois comercializar os seus jeans e outros produtos relacionados.

“Tudo é mercadoria: a escola, a saúde, a natureza, a cultura, o conhecimento. Então, tudo deve ser submetido à lei da oferta e da demanda. A mercantilização da cultura ameaça a criatividade e a identidade de comunidades. É por isso que a questão da diversidade torna-se central, e a batalha pela diversidade cultural é capital na luta contra a globalização liberal”, conclui Ramonet..

O ministro da Cultura Gilberto Gil entende que é impossível falar em modelos políticos prontos para promover e proteger as expressões culturais: “A diversidade exige novas políticas para estancar as feridas de toda a mercantilização predatória e descontrolada dos nossos bens culturais”. Referindo-se à contradição do espaço de debates abrir espaço até mesmo para a exposição da política dos Estados Unidos, que curiosamente foi apresentada por uma representante da megacorporação Discovery Communications.

O auge da apresentação de Mary Pitelli foi a exibição de vídeos educacionais produzidos pela Discovery Atlas que serve de material básico na educação pública estadunidense sobre o mundo. As peças publicitárias destacam as opções turísticas mundializadas, da capoeira em Salvador a um estranho ator pintado de aborígene australiano.

O intelectual espanhol Jesus Matín-Barbero, que abriu a mesa onde foi exposta a proposta, lembrou que a chave da diversidade é preservar a criatividade humana, mas os sistemas educacionais de todo o mundo estão “castrando a criatividade”. “Os jovens estão anos-luz à nossa frente. Eles já nascem com o chipe do compartilhamento do conhecimento (saiba mais sobre Cultura Livre)”, considera.

Barber lembrou como no México a inclusão digital do sistema público de educação segue a cartilha da Macintosh: “Não é possível que a escola pública, que está conectada com as culturas locais e suas necessidades específicas, seja incapaz de pensar seus próprios métodos e políticas. Essas empresas não estão ajudando comunidades locais, elas estão matando aos poucos o jeito das pessoas de serem e interagirem com o mundo”.

O ministro Gilberto Gil, que integrou a mesma discussão, lembrou que outro mundo é possível, citando Revoluções do Capitalismo, do italiano Maurício Lazzaratto. Para Gil, “the culture hotspots (os pontos de cultura, do Cultura Viva) invertem a lógica liberal da cultura”. Lembrando os pensamentos de Milton Santos, o ministro afirma que há necessidade de vivermos a fase popular da História, que está em construção nas periferias globais.

“É preciso recentralizar o que está centralizado nas mãos de poucos. As matrizes da indústria cultural não deixaram nada para as periferias. Por isso, hoje, o papel do Estado brasileiro na formulação de políticas públicas é empoderar as micro manifestações, para que eles se apropriem cada vez mais dos espaços públicos e que sejam protagonistas na proteção e promoção da diversidade”, entende Gil. Além disso, Gil acredita que essas comunidades têm até mesmo a oportunidade de pular o século XX e a sua lógica mercantil e liberal, propondo novos modelos de desenvolvimento.

(*)A reportagem do 100canais acompanhou os três dias do Seminário em Brasília a convite do Ministério da Cultura e amplificará os principais desdobramentos sobre a proteção e promoção da diversidade cultural.

Fonte: CartaMaior

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