sábado, 30 de junho de 2007

Pela Abolição do Direito Autoral

Abolir o Direito Autoral?

A abolição do direito autoral foi um dos temas debatidos no Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural, realizado pelo MiNC, nos dias 27 a 29 de junho de 2007. O polêmico tema foi posto em questão pelo cientista político holandês Joost Smiers, autor do livro Arte sob Pressão, e palestrante em diversos seminários internacionais sobre diversidade cultural e propriedade intelectual.

A fala do professor Joost foi centrada na idéia de que o Direito Autoral, como hoje colocado, não atende aos mais fundamentais preceitos democráticos, não desenvolve a produção cultural e cria, por outro lado, graves incentivos para a concentração econômica, gerando verdadeiras questões de direito concorrencial.

O autor afirma que o primeiro e mais fundamental equívoco na manutenção do sistema de propriedade intelectual é a crença de que o Direito Autoral trata de forma adequada a questão da propriedade. A propriedade, conforme tratada pelo Direito Autoral, é essencialmente monopolista ao declarar que o autor tem o direito exclusivo de determinar os rumos que sua obra pode tomar. Essa vocação monopolista do Direito Autoral cria espectadores e não usuários de uma obra autoral. Ela desestimula a colaboração.

Em segundo lugar, a duração excessiva do prazo de proteção de uma obra autoral também contribui para esse cenário de crise de valores do Direito Autoral. O alargamento do prazo de proteção experimentado ao longo do século XX criou meios de eternizar o monopólio sobre a utilização de uma obra e privou com maior intensidade o acesso de terceiros ao conteúdo das obras.

Em terceiro lugar, a necessidade de arrecadação e distribuição dos valores devidos por execução de obras e sua reconhecida ineficiência no mundo atual também seria um dos fatores que incentivariam uma revisão na forma pela qual tratamos o Direito Autoral.

E, por fim, a conscientização de que o Direito Autoral impede o acesso ao conhecimento e obstaculiza o desenvolvimento da criatividade seria um quarto argumento em prol da tese pela abolição da propriedade intelectual e, especialmente, do Direito Autoral.

O Direito Autoral é uma invenção moderna – diz o autor – e se olharmos para o curso da historia veremos que o incentivo para criar pode nascer de outras fontes que não a obtenção de uma exclusividade garantida pela lei. Muito mais do que estimular a criatividade, o Direito Autoral hoje serve para manter o estado de desenvolvimento alcançado pelos paises em sua maioria do hemisfério norte. Esses paises hoje, através do Direito Autoral, aprisionam a chave para o desenvolvimento e, justamente por não permitir, salvo através da (in)devida remuneração, o acesso a propriedades imateriais fundamentais, conseguem manter o estado de divisão entre as nações dos hemisférios norte e sul.

A questão do desenvolvimento econômico encontra-se bastante conectada com a proteção conferida pelo Direito Autoral pois, se pensarmos em questões praticas, o Direito Autoral termina por tornar a obra autoral cada vez mais cara. Com a série de ações judiciais sobre responsabilidade civil por violações ao direito autoral, cria-se a necessidade de filmes investirem cada vez mais numa proteção jurídica, e isso, somado a agressivas estratégias de marketing, tornam a produção de filmes mais onerosas. Isso gera uma questão concorrencial pois cada vez menos pessoas terão possibilidade de produzir um filme, por exemplo, sem ser simplesmente eliminado pelos altos custos envolvidos com a liberação legal do mesmo ou com os custos de uma campanha de marketing no nível de Hollywood.

Muitas alternativas são colocadas na mesa para superar a crise do Direito Autoral. Fala-se em encurtar o prazo de proteção, ampliar o fair use e etc. Todas essas alternativas são úteis e corajosas, mas são apenas soluções temporárias.

Ao lado desse debate pela flexibilização do Direito Autoral, a própria indústria cultural estabelecida criou os seus meios para manter o estado atual do mercado. Técnicas de gestão e controle do uso de obras, como os sistemas de digital right management, são um exemplo de que os dois lados da discussão tem se movimentado.

Outra alternativa é o Creative Commons. O licenciamento através do Creative Commons oferece ao artista uma maior liberdade, mas ainda não responde a algumas questões fundamentais como o estabelecimento de um plano a longo prazo para a sobrevivência do autor. Como ele será remunerado, a longo prazo, pela utilização de sua obra é uma das questões que o Creative Commons precisa enfrentar. O projeto parece trabalhar com uma coalizão da boa vontade, e traça um caminho que pode ser seguido, mas não é o final da linha no pensamento sobre a reforma da propriedade intelectual.

Pensando prospectivamente, alguns pontos podem ser levantados para a construção de um cenário cultural sem a presença do Direito Autoral. O primeiro passo a ser tomado é assumir uma postura mais ativa com relação ao acesso a obras culturais. O publico precisa sair da posição de espectador.

Em seguida, a valorização do domínio público precisa também ser repensado, criando meios para o mesmo seja alargado e torne possível o acesso cada vez mais amplo a um maior numero de obras. Isso atenderia, inclusive, ao que dispõe a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 27.

Adicionalmente, não podemos esquecer que boa parte do problema do Direito Autoral de hoje surge por conta da pouca ou nenhuma aplicação do direito concorrencial aos verdadeiros monopólios de criação cultural que existem.

Por fim, é comum ouvir o comentário no sentido de que ao se abolir o Direito Autoral, o autor ficaria sem proteção contra usos indevidos de sua obra. Essa constatação pode ser facilmente superada com a compreensão de que o mecanismo da responsabilidade civil funciona sem a necessidade de existência de uma lei sobre direitos autorais.

Esses motivos expostos, conclui o autor, fariam com que a abolição do Direito Autoral se tornasse algo mais do que um simples raciocínio acadêmico. Trata-se de uma questão grave e
que coloca em debate o futuro do conhecimento e da criatividade em nossa sociedade.

Fonte: CulturaLivre

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