quinta-feira, 14 de junho de 2007

O Imprevisível Cinema de Beto Brant

Libelo contra o conformismo
por Ricardo Calil para o saite no mínimo


Beto Brant tornou-se não apenas um dos mais talentosos cineastas brasileiros, como também o mais imprevisível. Cada novo filme do diretor parece, ao menos à primeira vista, radicalmente diferente do que o precedeu.

Depois de três policiais com pano de fundo social adaptados de histórias de Marçal Aquino (”Os matadores”, “Ação entre amigos”, “O invasor”), ele pulou para um quase-ensaio sobre realidade e representação baseado em livro de Sérgio Sant’Anna (”Crime delicado”).

Em “Cão sem dono”, filme co-dirigido por Renato Ciasca que estréia nesta sexta-feira no Rio e São Paulo, mais uma reviravolta: Brant faz um “filme de formação” a partir de uma adaptação bastante livre do romance “Até o dia em que o cão morreu”, de Daniel Galera, colega de NoMínimo.

Não são apenas os gêneros e as fontes que mudaram, mas também a forma. Depois de transitar do cinema clássico (”Os matadores”) à influência teatral (”Crime delicado”), ele chega agora a uma estética que pode ser definida como “orgânica”.

Os planos de “Cão sem dono” são longos como os do filme anterior, mas não mais estáticos. A câmera move-se no ritmo da pulsão dos personagens, e cada cena parece um recorte seco da realidade. De uma simplicidade ilusória, a mise-en-scène revela uma notável sofisticação do olhar de Brant.

Já a narrativa é mais direta que a de “Crime delicado”, com menos camadas de significados. O filme se concentra na história da relação entre os jovens Ciro (Júlio Andrade), recém-formado em literatura que vive (mal) de traduções, e Marcela (Tainá Müller), modelo em início de carreira. Depois de uma noite de sexo casual, ela aposta em caso duradouro; ele reluta.

Em crise existencial e profissional, o cético e apático Ciro não consegue enxergar a princípio a epifania que Marcela representa em sua vida. Como de hábito, ele só passa a valorizá-la quando percebe que está prestes a perdê-la.

Na verdade, “Cão sem dono” é a história da transformação de Ciro, o obscuro, causado pela aparição de Marcela, a luminosa. Nesse sentido, é um pequeno libelo contra o ceticismo e uma homenagem ao poder feminino (que encontra em Tainá Müller uma bela tradução).

E aqui chegamos à conclusão de que “Cão sem dono” não é assim tão distante de “Crime delicado” - em que o crítico teatral interpretado por Marco Ricca libertava-se de sua amarga racionalidade ao apaixonar-se pela modelo representada por Lilian Taublib.

Brant já definiu o protagonista daquele filme como alguém que vê o mundo na terceira pessoa e, de repente, decide vivê-lo na primeira. O mesmo poderia ser dito de Ciro - ou mesmo dos protagonistas de outros filmes do cineastas.

Eles são pessoas que, em algum momento, decidiram se rebelar contra um roteiro pronto para suas vidas - recusando-se a esquecer o passado (”Ação entre amigos”), a aceitar a estratificação social (”O invasor”) ou morrer de apatia (”Cão sem dono”).

O não-conformista é uma figura essencial na obra de Brant. Mas não apenas isso. Ele é também o papel que o diretor encarna, com inegável talento, no atual cinema brasileiro.


Fonte: Coluna Olha Só do saite no mínimo

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Cão sem Dono Trailer



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