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Araken e a guerrilha esquecida de Caparaópor Brunna Rosa
O Brasil em plena ditadura militar sofreu uma tentativa de “Sierra Maestra” e poucos sabem. Em Cuba, a região montanhosa no sudoeste do país foi o palco das primeiras ações armadas do grupo rebelde liderado por Fidel Castro, em 1959. No Brasil, o alto da Serra do Caparaó, na divisa entre Espírito Santo e Minas Gerais, em agosto de 1966, um grupo formado em sua maioria por ex-militares expulsos pelo regime, se instalou para desencadear o início de uma grande reação nacional contra o novo regime.
A guerrilha patrocinada pelo presidente cubano Fidel Castro e organizada por Leonel Brizola durante o seu exílio no Uruguai não chegou a ser deflagrada. Os guerrilheiros, abatidos pelo ambiente inóspito e pela falta de estímulo diante da falta de enfrentamento armado na região, sofreram desistências e desconfiança dos camponeses da região. Em 1º de abril de 1967 os guerrilheiros que sobraram foram capturados numa emboscada organizada pela Polícia Militar mineira.
Para reprimir o movimento, que já não existia mais, o governo militar utilizou três mil homens, uma das maiores operações militares realizadas no país.
A luta destes combatentes estava praticamente esquecida. Em 1980, o jornalista Gilson Rebello escreveu o livro "Guerrilha da Caparaó”, publicado pela Editora Alfa e Ômega. Agora, 17 anos depois, duas obras rememoram-na, em meios diferentes entre si: “Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura”, resultado de quase dez anos de trabalho do jornalista José Caldas da Costa, e “Caparaó”, documentário de Flávio Frederico, vencedor do Festival É Tudo Verdade de 2006.
Durante o documentário de Frederico, o jornalista Flávio Tavares resume o erro da guerrilha: “Eles cometeram o erro, fundamental na época, que era pegar a revolução cubana como exemplo pronto e acabado. Se faz o desembarque sai do iate Granma e começa a revolução contra as tropas de [Fulgêncio] Batista. Mas, não tinha tropa de Batista em Caparaó. A opressão era invisível em Caparaó.”
Um dos guerrilheiros, Araken Vaz Galvão, de 71 anos, era sargento do Exército quando foi expulso, em 1964, logo após o golpe militar. Aliou-se a Leonel Brizola e foi preso em Porto Alegre. Anos depois, foi novamente preso quando participava da guerrilha na Serra do Caparaó. Por telefone, no Morro de São Paulo, ao sul de Salvador, ele concedeu a entrevista à Fórum. Confira.
FÓRUM- Como surgiu a idéia da guerrilha de Caparaó?
ARAKEN VAZ GALVÃO - Mais importe do que a localização, já que tem que ser sempre em local inóspito, foi a motivação psicológica e social. Éramos sargentos novos e não podíamos ficar imunes à efervescência da geração a que pertencíamos. Tentamos de alguma forma mostrar a insensatez e o absurdo que foi a derrubada do governo Jango. Mas o lugar escolhido tinha também o objetivo de ser próximo do eixo-Rio, com ligação de mineiro de ferro de Minas e com as duas estradas, BR 101 e a BR 116 que são consideradas vitais para ligar o norte ao sul. Antes de Caparaó iríamos tentar em Porto Alegre.
Fui conversar com o Brizola, nos reunimos e ele insistia muito na possibilidade de levante. Então se acertou que nós o ajudaríamos em um possível levante no Rio Grande do Sul. Enquanto isso ele nos forneceria recursos para montar uma frente guerrilheira. Começamos a fazer uniformes, comprar armas. Levei um tiro e tivemos que deixar as coisas esfriarem e começamos a organização de um novo levante. Na véspera, um dos capitães da companhia, na madrugada, tem uma disenteria nervosa, e conta ao coronel-comandante que vai participar de um levante no dia seguinte. Porto Alegre ficou em pânico, e inviabilizou o levante. Voltamos ao Uruguai para conversar com Brizola e o convencemos a viabilizar uma guerrilha rural.
FÓRUM- O que faltou para a guerrilha de Caparaó dar certo?
ARAKEN GALVÃO - A teoria do foco, que foi uma influência da revolução cubana em toda a América Latina, estava equivocada. Deu certo em Cuba, mas não em outros lugares. Hoje, já com 71 anos, chego a conclusão de que é muito difícil se transplantar experiências históricas. A um descontentamento social e que determinados homens tem a perspicácia de se inserir e insuflar as massas leais. Tem sido assim na história brasileira como a revolução praieira de Pernambuco. Havia um descontentamento e nós tínhamos mais entusiasmo do que ideologia, não podíamos ver esta realidade. Eu, por exemplo, quando fui preso, em vez de ter um manual de guerrilha, tinha um livro do Millor Fernandes. Tínhamos muito daquele espírito dos anos 60, aquele sonho utópico e a liberdade ao alcance da mão.
FÓRUM- Houve uma limpeza dentro do exército logo após o golpe?
ARAKEN GALVÃO - Houve. Só no Rio de Janeiro quase 500 sargentos foram expulsos. Tenho uma foto de uma manifestação que fizemos na avenida Rio Branco, dois mil sargentos fardados em passeata. Os homens encarregados em reprimir as passeatas estavam fazendo passeata! A cidade toda parou para olhar. Fui expulso do exército com o AI-2 [Ato Institucional número 2].
FÓRUM- O senhor foi preso?
ARAKEN GALVÃO - Eu tinha ficado preso, com a história do tiro, e fiquei quase um ano. Naquela época, não tinha o AI-5 e minha mãe conseguiu um habeas corpus, e saí da prisão, que ficava na Ilha das Pedras Brancas. De lá, fui ao Uruguai, onde me contatei com o Brizola, Neiva Moreira,Paulo Schilling, que era o grupo que estava lá. Eu estava muito ruim de saúde, me recuperei e voltei. Fui a Caparaó, e fiquei preso por quase um ano de nossa guerrilha. Fui condenado a 13 anos, depois diminuíram a pena devido a apelações. Fiquei preso três anos e meio na fortaleza de Santa Cruz [em Niterói, no Rio de Janeiro].Tinha pedido para ficar preso lá por uma fafarrona da juventude. Na fortaleza de Santa Cruz tinham sido presos as maiores figuras da República, e eu queria pisar daquele chão. Fiquei muito doente e me trouxeram à Policlínica do Rio de Janeiro. Certo dia, a caminho da Policlínica, falei que queria ir ao banheiro. Eles pararam em um bar que tinha uma porta nos fundos. Saí pelos fundos, peguei um táxi e vim para o Largo do Machado [Zona Sul do Rio de Janeiro] e tomei um chopp, o primeiro depois de longos anos. Em seguida, entrei na embaixada do Uruguai, que ficava na rua Arthur Bernardes. Como estava na embaixada, o asilo diplomático foi concedido, mas para sair do país eu precisava de um documento chamado salvo-conduto, uma prerrogativa para quem quer fugir do país de origem. O governo brasileiro falou que ia me deixar lá até cumprir a pena máxima. Fiquei um ano na embaixada do Uruguai, quando conseguiram me levar para Montevidéu. Naquele momento, estava convencido de que processo da luta armada não era o caminho correto.
FÓRUM- E quanto à história do tiro? Tanto no livro quanto no documentário, a versão é de que o senhor teria sido baleado com dois tiros por sua esposa...
ARAKEN GALVÃO -Prefiro não comentar. É uma coisa pessoal que muitos ficam comentando que fui namorar na praia... Muitos comentários cretinos. Ficam falando que sai para namorar e levei os tiros da minha mulher.
FÓRUM- E o Brizola?
ARAKEN GALVÃO –Xi, a história é longa. Tínhamos um movimento político chamado Movimentos dos Sargentos, do qual eu era um dos líderes. Fui o subcomandante do Caparaó. Então tínhamos ligação com o Brizola através do Paulo Schilling, que ainda está vivo, mas muito doente. Ele dirigia um órgão chamado Frente de Mobilização Popular, organização que fazia reunião com todos os setores da sociedade. Nessas reuniões, conheci muita gente, estava inserido na política brasileira. A impressão pessoal de conhecer o Brizola, conviver com ele, dormir na casa dele rende outra história, quem sabe uma outra hora...
FÓRUM- Atualmente o que o senhor faz?
ARAKEN GALVÃO – Sou aposentado pelo exército. Atualmente moro no interior da Bahia e, com minha esposa, decidimos criar uma fundação cultural. Compramos uma casa, já construímos a parte de baixo. Terá biblioteca, auditório, galeria para artistas da região com cerâmica popular do nordeste e videoteca.
Fonte: Revista Fórum - Outro mundo em debate
Assista ao trailer do documentário Caparaó aqui
2 comentários:
Legal! Os blog qi eu costumo encontrah, das duas ua: ô tão todo tempo defendeno esse nosso modelo di democracia; ô são di tendência, fascista, di direita e eurocêntrica e tal! Muito legal veh essa postage sobre um munvimento guerrilhêro brasilêro! Acho qi essa guerrilha é ua qi a URSS e Cuba ficáru discutino si era bom ô não realizah (Cuba apoiava). Vi um dia desse qi uns arqivo da CIA revelávu essa discussão entre as duas nação. Vô botah um linqe pr'esse blog no meu. Si possive, visíti o meu! tá todo em "brasilêro", maz c'um esforcim, dá pa entendeh. Axé.
Muito feliz de encontrar a entrevista, gosto muito do sr Galvão, meu professor de Literatura e Lingua Portuguesa nos ensinou a respeita-lo. A fundação estah pronta sim, a FUNCEA.
É um ótimo espaço...
é uma ótima entrevista
um ótimo blog
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