A Estética do Rabisco, Momo
Psicodelia Triste
por Bernardo Mortimer
Ouvir A Estética do Rabisco, o disco do projeto Momo de Marcelo Frota, é entregar-se a dois sentimentos distintos. A tristeza e o entorpecimento. A natureza humana vai interessar ao artista pelo lado mais obscuro, com referências a comprimidos, a expectativas familiares frustradas, ao esperado que não virá, e ao pouco amor. O resultado é lindo.
Marcelo escolheu bem o processo de gravação, com muitas dobras de voz e uma preferência pelos primeiros takes. A espontaneidade é a mensagem, e o disco soa justamente muito íntimo. Até mais, com os temas virados de costas para a lucidez, ouvir o trabalho de Momo é embarcar em uma viagem por uma mente inquieta, em transe, perturbada pela aridez dos problemas das relações entre os indivíduos, hoje.
O tempo e a realização pessoais estão ali, inalcançáveis, e Marcelo mergulha à procura da simplicidade para não ficar só. A Estética... não é um disco de solidão, portanto, nem uma declaração de não-conformidade com o redor. É, antes de tudo, uma obra de quem se dá tempo para achar um caminho. Uma busca por uma esperança que insiste em se manter viva.
sexta-feira, 23 de março de 2007
Conheça a Estética Psicodélica de Momo
Embora por caminhos bem distintos, esse trabalho de Frota me fez lembrar do Saudades de Minhas Lembranças, do Nervoso. Há semelhanças nas angústias em tons menores de um e de outro. Os dois optam por melodias que se completam por acordes de craviola e casiotone ( ou de guitarra no caso de Nervoso).
O melhor exemplo, e se você não ouviu dá um pulo aqui e deixa tocar, é de Flores do Bem. Um clima folk sombrio é dedilhado nas cordas, e uma série de escolhas de vida são enfileiradas contra as expectativas comuns de uma família tradicional de classe média. Podia ser a sua. A conclusão-refrão é a frase "Benditas flores, sem vocês não sou... ninguém". No lugar das reticiências, as notas da guitarra que ecoam e apertam a cabeça. Sons de sonhos desconfortáveis, silêncios doentios, dores de crescimento, crianças insistentemente desenturmadas, as imagens se somam e não descrevem à contento os delírios de realidade de Marcelo.
O disco é corajoso, é doído, é cru. Mas é também muito bom, de dar vontade de ir decifrar, de ouvir até entender, de se perder o tempo a fim de olhar também por aquela visão. E não é um disco difícil, ou cabeçudo. Pense no tormento de Syd Barret, nas contorções de Nick Drake, na sinceridade de Nervoso, em um solo off key de sax, e em um campo de papoulas com todas as suas possibilidades. E não deixe de ouvir, pelo menos uma vez.
Fonte: SobreMúsica
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