segunda-feira, 19 de março de 2007

Filme O Cheiro do Ralo - Deu na Carta Capital

Algo de podre entre nós
por Alessandro Gianini


A certa altura de O Cheiro do Ralo, o personagem de Selton Mello, o amoral dono de uma loja de penhores, cria coragem para dar uma investida na balconista (Paula Braun) da lanchonete onde costuma almoçar. Ele pergunta o nome dela, como se isso fosse o último estágio para vencer a barreira da intimidade que ainda os separa. Ela responde, mas ele, hipnotizado pelas curvas acentuadas da moça, divaga em pensamentos, privando a si e ao público de ouvi-la.

Essa pequena seqüência, perdida no meio do segundo longa-metragem de Heitor Dhalia, que estréia na sexta-feira 23, sumariza a essência do filme. O personagem sem nome de Mello não ouve a resposta da rotunda atendente porque está perdido em devaneios, ensimesmado com a possibilidade de conquistá-la. É mais uma presa a ser pendurada na parede de troféus de caça. Está apaixonado pela bunda dela, nada mais do que isso. O que fala ou pensa não importa muito.

Inspirado no primeiro romance do quadrinhista Lourenço Mutarelli, autor de álbuns premiados e estranhíssimos como O Dobro de Cinco, O Cheiro do Ralo fala sobre a brutalização do homem contemporâneo pela sua transformação em mercadoria. Sob a confortável desculpa de que temos de sobreviver, às vezes nos colocamos à venda por qualquer migalha. Essa mercantilização nos torna menos humanos.

É sob esse signo que vive e se orienta o personagem de Selton Mello e todas as pessoas que o procuram. Quando se apaixona, Mello fica caído pelo derrière de uma mulher – a parte, não o todo. E, mesmo com todas as reviravoltas em sua vida, não se permite humanizar pela redenção. Ao contrário, faz apenas concessões para se manter a mesma pessoa. Dhalia, que filmou com apenas 330 mil reais angariados entre cinco produtores, usa recursos dramáticos que talvez confundam o espectador, mas não o enganam a ponto de fazer com que não se reconheça na tela.

Fonte: CartaCapital

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