quarta-feira, 28 de março de 2007

Saci versus Harry Potter

'Escola de Sacis' contrapõe-se à Harry Potter
Livro infantil valoriza elementos fantásticos populares da cultura brasileira em contraposição à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, cenário das aventuras do bruxo britânico Harry Potter.
por Betania Libanio Dantas de Araujo

Não é de hoje que a luta pela identidade cultural brasileira passa pela discussão da valorização de nossos mitos fantásticos populares em contraposição às figuras lendárias e aos hábitos festivos estrangeiros. O exemplo mais bem acabado desta oposição talvez seja a adoção do dia 31 de outubro como o Dia do Saci e Seus Amigos, numa clara intenção de criar o contraponto de defesa da tradição cultural brasileira no mesmo dia em que é comemorada a festa estadunidense do Halloween, o Dia das Bruxas (leia mais), macaqueada em todo país por meio das escolas de idiomas e algumas escolas particulares de ensino regular.

Assim também, algumas publicações, desde os tempos em que Monteiro Lobato ainda fazia sucesso, ocupam-se do tema e da luta. É o caso do recente Escola de Sacis, de autoria de Djota Carvalho, lançado pela editora Dentro da Caixa Publicações e que traz, já na orelha, a seguinte afirmação: “Se você acha que magia é coisa de bruxo inglês, então está na hora de voltar para a escola!”, já anunciando um esforço de valorização do mito brasileiro em contraposição ao sucesso editorial e cinematográfico que se constituem as histórias de Harry Potter, o jovem bruxo que, criado pela autora inglesa J. K. Rowling, espalhou-se pelo planeta como sucesso incondicional junto aos públicos infanto-juvenil e adulto.

Djota Carvalho desconstrói a figura lendária do Saci-pererê e, numa bela ficção, atribui novos sentidos aos personagens lendários da nossa cultura popular ao passo que reconstitui os seus primeiros sentidos de origem. Um mérito imediato da obra é o de retirar os personagens lendários de seu estado de dicionário, ampliando a sua rede de atributos.

Samanta descobre aos 13 anos que é uma saci. Teleportada para o interior de um bambu, habitação sacízica, passa a viver e estudar numa escola de sacis. Certa vez, a escola é sabotada e a menina descobre o culpado. O livro usa e abusa de bom humor, criatividade e relaciona fatos do nosso dia-a-dia com o espaço da lenda.

Parodia Harry Potter destruindo os lugares-comuns do livro estrangeiro. Temos como heroína uma menina, brasileira, adotada, no meio do nosso universo brasileiro. Quando Samanta descobre que Saci-pererê pode ficar invisível pergunta se precisa usar capa. Mas logo descobre que, no Brasil, saci fica invisível por conta própria, capa só é usada por povos inferiores em magia.

Na mente altamente fértil de Djota, a imagem do Saci-pererê negro de uma perna só é um erro. No passado, Dito Babosa encontrou-se com Monteiro Lobato e, na tentativa de ficar invisível, só conseguiu invisibilizar uma perna. Dito Babosa é negro, mas na verdade existem sacis brancos, negros, loiros, orientais... numa deliciosa celebração à diversidade étnica e cultural.

O livro ilustrado por Bira Dantas traz ainda interessantes notas de rodapé com esclarecimentos sobre questões “técnicas” que dão ao leitor mais informações sobre o fictício mundo dos sacis. Para compor as notas, DJota não só criou livros de autores fictícios (ou nem tanto...) - como o gênio do marketing e curupira Duda Mão-de-Onça - , como também se apoderou de fatos reais que dão graça e verossimilhança à história. Desta forma, entre outras coisas, o leitor fica sabendo que os sacis têm a ver com a existência de água em Marte, o famoso acidente de Rosswell e até mesmo o gol tomado por Barbosa, o goleiro da seleção brasileira de 1950. E a protagonista Samanta, uma saci em formação, descobre a certa altura que pode ter sido responsável pelos ciclones que atingiram Criciúma (SC) e Indaiatuba (SP), por exemplo.

Está prevista uma edição em braille, a ser lançada.

Escola de Sacis
Djota Carvalho
Ilustradores: Bira e Ricardo
Dentro da Caixa Publicações
144 páginas ilustradas

Na teia:

Leia entrevista com Betania Libanio Dantas de Araújo que em seu mestrado em Artes Visuais pela UNESP e em seu doutorado em Educação pela USP, elaborou estudos sobre qual contribuição a linguagem do humor no desenho traria para a escola. (leia aqui)


Fonte: AgênciaCartaMaior
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