terça-feira, 27 de março de 2007

Novo Filme de João Moreira Salles

Santiago, um documentário de João Moreira Salles
Festival É Tudo Verdade exibe trabalho que ficou 13 anos à espera de edição
por Monique Oliveira


Santiago e suas fichas sobre as famílias tradicionais
SÃO PAULO - Não poderia haver melhor escolha para a série especial da 12.ª edição do Festival de Documentários É Tudo Verdade que o filme Santiago, de João Moreira Salles. Após abrir o evento no Rio na sexta, 23, foi exibido no domingo, 25, em São Paulo, com sala cheia e público amontoado no chão. A procura foi tão grande que o festival preparou um “repeteco” nesta quinta-feira às 23 horas, com distribuição de ingressos uma hora antes.
João Moreira Salles não vai aparecer. E o material apresentado é quase um "antidocumentário". Mas vale a pena: além de não ter data prevista para entrar em circuito aberto, a reflexão de Moreira Salles sobre um material bruto que ficou 13 anos no limbo foi, ao mesmo tempo, uma ode ao cinema documental e uma punhalada à pretensa verdade do gênero.
O personagem tema do documentário é o argentino Santiago, mordomo da casa dos Moreira Salles. Uma figura interessantíssima, que morreu logo após as filmagens. Cita o cineasta Ingmar Bergman, reza em latim, toca Beethoven no piano, dança usando castanholas, aprecia desde o pintor italiano renascentista Giotto (1266-1337), à apresentadora da televisão brasileira Hebe Camargo. E o mais curioso: estuda a dinastia das famílias tradicionais - desde a riqueza e influência dos Médici de Florença, cidade italiana berço do Renascimento dos séculos 15 a 17, até a burguesia emergente de Hollywood.
O que traz o "anti" ao documentário é a narrativa digressiva de Moreira Salles, que faz intervenções freqüentes durante todo o filme. Não apenas fala de sua convivência com o mordomo na infância, mas também faz uma análise metalingüística da construção da narrativa sem fim. Mesmo com o filme pronto e exibido, Salles ainda o classifica, logo no início da projeção, de "o único filme que não terminei". E abre as velhas cenas do mordomo quando ainda era vivo, narradas por um João mudado. Com reflexões recorrentes, ele utiliza silêncios e pausas. Uma tela escura interrompe o fluxo do enredo e coloca a soprano francesa Lily Pons - predileta de Santiago -, ao fundo, numa tentativa de resgate de suas memórias.
As intervenções do cineasta têm o seu auge com a cena do filme A Roda da Fortuna (Vincente Minnelli, 1953), com Fred Astaire. Nela, Salles narra como a dança comunica sutilmente, quase como uma conversa despretensiosa. Ele explica que não deu atenção a esse filme na época, também favorito de seu mordomo. O trecho aparece agora no documentário como um sonoro: "Eu entendi Santiago."
É verdade?

A edição desse material - 30 mil páginas e 9 horas de filme, segundo o cineasta - traz uma contradição: foi editado para parecer que não foi. É quase um extra de DVD. Intervenções da produção, trejeitos de Santiago, voltas e cenas repetitivas, além de filmagens aleatórias com planos-seqüência que normalmente teriam sido lixo na ilha de edição. Tudo isso para demonstrar a reviravolta que foi rever todo esse material depois de mais de uma década. "Analisando o material bruto, tudo deve ser visto hoje com certa desconfiança", diz João, ao narrar o filme e se referir a objetos nas cenas gravadas em 1992.

Inicialmente, João Moreira Salles trabalhou muito para tornar o documentário verossímil. Separou nomes de nobres colecionados por Santiago, traduziu seus pensamentos através de um jogo de contrário vida/morte e memória/esquecimento, bem como anotou as expressões que o mordomo utilizava. Não sabia, no entanto, o que pretendia e agora fez um contraponto de como o filme, apesar de tanto esforço, não foi levado adiante.

Antes de qualquer tentativa de reproduzir o real, faltou, segundo o cineasta, a relação verdadeira que tinha com o mordomo quando menino. Salles ainda cita o cineasta alemão Werner Herzog para justificar a ausência de planos fechados. Ao gravar as cenas em 1992, ele não prestou atenção na intimidade, sobrou o distanciamento e a pressa de terminar um filme que ficou inacabado.
Fonte: Estadão

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