sábado, 30 de junho de 2007

Pela Abolição do Direito Autoral

Abolir o Direito Autoral?

A abolição do direito autoral foi um dos temas debatidos no Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural, realizado pelo MiNC, nos dias 27 a 29 de junho de 2007. O polêmico tema foi posto em questão pelo cientista político holandês Joost Smiers, autor do livro Arte sob Pressão, e palestrante em diversos seminários internacionais sobre diversidade cultural e propriedade intelectual.

A fala do professor Joost foi centrada na idéia de que o Direito Autoral, como hoje colocado, não atende aos mais fundamentais preceitos democráticos, não desenvolve a produção cultural e cria, por outro lado, graves incentivos para a concentração econômica, gerando verdadeiras questões de direito concorrencial.

O autor afirma que o primeiro e mais fundamental equívoco na manutenção do sistema de propriedade intelectual é a crença de que o Direito Autoral trata de forma adequada a questão da propriedade. A propriedade, conforme tratada pelo Direito Autoral, é essencialmente monopolista ao declarar que o autor tem o direito exclusivo de determinar os rumos que sua obra pode tomar. Essa vocação monopolista do Direito Autoral cria espectadores e não usuários de uma obra autoral. Ela desestimula a colaboração.

Em segundo lugar, a duração excessiva do prazo de proteção de uma obra autoral também contribui para esse cenário de crise de valores do Direito Autoral. O alargamento do prazo de proteção experimentado ao longo do século XX criou meios de eternizar o monopólio sobre a utilização de uma obra e privou com maior intensidade o acesso de terceiros ao conteúdo das obras.

Em terceiro lugar, a necessidade de arrecadação e distribuição dos valores devidos por execução de obras e sua reconhecida ineficiência no mundo atual também seria um dos fatores que incentivariam uma revisão na forma pela qual tratamos o Direito Autoral.

E, por fim, a conscientização de que o Direito Autoral impede o acesso ao conhecimento e obstaculiza o desenvolvimento da criatividade seria um quarto argumento em prol da tese pela abolição da propriedade intelectual e, especialmente, do Direito Autoral.

O Direito Autoral é uma invenção moderna – diz o autor – e se olharmos para o curso da historia veremos que o incentivo para criar pode nascer de outras fontes que não a obtenção de uma exclusividade garantida pela lei. Muito mais do que estimular a criatividade, o Direito Autoral hoje serve para manter o estado de desenvolvimento alcançado pelos paises em sua maioria do hemisfério norte. Esses paises hoje, através do Direito Autoral, aprisionam a chave para o desenvolvimento e, justamente por não permitir, salvo através da (in)devida remuneração, o acesso a propriedades imateriais fundamentais, conseguem manter o estado de divisão entre as nações dos hemisférios norte e sul.

A questão do desenvolvimento econômico encontra-se bastante conectada com a proteção conferida pelo Direito Autoral pois, se pensarmos em questões praticas, o Direito Autoral termina por tornar a obra autoral cada vez mais cara. Com a série de ações judiciais sobre responsabilidade civil por violações ao direito autoral, cria-se a necessidade de filmes investirem cada vez mais numa proteção jurídica, e isso, somado a agressivas estratégias de marketing, tornam a produção de filmes mais onerosas. Isso gera uma questão concorrencial pois cada vez menos pessoas terão possibilidade de produzir um filme, por exemplo, sem ser simplesmente eliminado pelos altos custos envolvidos com a liberação legal do mesmo ou com os custos de uma campanha de marketing no nível de Hollywood.

Muitas alternativas são colocadas na mesa para superar a crise do Direito Autoral. Fala-se em encurtar o prazo de proteção, ampliar o fair use e etc. Todas essas alternativas são úteis e corajosas, mas são apenas soluções temporárias.

Ao lado desse debate pela flexibilização do Direito Autoral, a própria indústria cultural estabelecida criou os seus meios para manter o estado atual do mercado. Técnicas de gestão e controle do uso de obras, como os sistemas de digital right management, são um exemplo de que os dois lados da discussão tem se movimentado.

Outra alternativa é o Creative Commons. O licenciamento através do Creative Commons oferece ao artista uma maior liberdade, mas ainda não responde a algumas questões fundamentais como o estabelecimento de um plano a longo prazo para a sobrevivência do autor. Como ele será remunerado, a longo prazo, pela utilização de sua obra é uma das questões que o Creative Commons precisa enfrentar. O projeto parece trabalhar com uma coalizão da boa vontade, e traça um caminho que pode ser seguido, mas não é o final da linha no pensamento sobre a reforma da propriedade intelectual.

Pensando prospectivamente, alguns pontos podem ser levantados para a construção de um cenário cultural sem a presença do Direito Autoral. O primeiro passo a ser tomado é assumir uma postura mais ativa com relação ao acesso a obras culturais. O publico precisa sair da posição de espectador.

Em seguida, a valorização do domínio público precisa também ser repensado, criando meios para o mesmo seja alargado e torne possível o acesso cada vez mais amplo a um maior numero de obras. Isso atenderia, inclusive, ao que dispõe a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo 27.

Adicionalmente, não podemos esquecer que boa parte do problema do Direito Autoral de hoje surge por conta da pouca ou nenhuma aplicação do direito concorrencial aos verdadeiros monopólios de criação cultural que existem.

Por fim, é comum ouvir o comentário no sentido de que ao se abolir o Direito Autoral, o autor ficaria sem proteção contra usos indevidos de sua obra. Essa constatação pode ser facilmente superada com a compreensão de que o mecanismo da responsabilidade civil funciona sem a necessidade de existência de uma lei sobre direitos autorais.

Esses motivos expostos, conclui o autor, fariam com que a abolição do Direito Autoral se tornasse algo mais do que um simples raciocínio acadêmico. Trata-se de uma questão grave e
que coloca em debate o futuro do conhecimento e da criatividade em nossa sociedade.

Fonte: CulturaLivre

O saite Cultura Livre e todo o seu conteúdo estão sob uma licença Creative Commons.

Tom Zé segue transgredindo no pós-tropicalismo

TAKA-TÁ - TOM ZÉ

Clipe da música Taka-tá (2006), do disco Danç-êh-sa.


Um Oh e Um Ah - Tom Zé

Vídeo da canção Um Oh e Um Ah, que está no disco Todos os Olhos, de 1973. O álbum Todos os Olhos é aquele da lendária capa que tem um simulacro de olho com uma bolinha de gude no meio.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

O Transgressor Tom Zé

A Gravata - Tom Zé

Tom Zé, ao vivo, nos estúdios da TV Cultura, cantando A Gravata, em 1970.

Conto Inédito de Rubem Fonseca

O GÊNIO DA LÂMPADA
Um autor principiante recebe a visita de um gênio da lâmpada, que pergunta: que tipo de escritor você quer ser? Seu desejo será uma ordem, mas é melhor calcular bem a escolha. Vencedor do Prêmio Machado de Assis 2007 na categoria Ficção, Romance, teatro e Conto, e anunciado esta semana como finalista do Jabuti pelo mesmo livro, 'Ela e outras mulheres', Rubem Fonseca trata, neste texto inédito, da virtude essencial para qualquer autor.


por Rubem Fonseca

O Gênio da Lâmpada chegou para o escritor iniciante e perguntou:

Que escritor você gostaria de ser? Aquele que recebe muitos prêmios? Aquele que é festejado pela crítica? Aquele que é um best-seller e vende muitos livros? Você só pode escolher uma dessas opções.

Vou lhe dar algumas dicas, continuou o Gênio da Lâmpada. Quem é muito premiado nem sempre vende bem; o best-seller costuma ser esnobado pela crítica; e existem autores muito festejados pela crítica que são ignorados pelo público.

Vejamos a crítica, prosseguiu o Gênio. O termo crítica, como você não sabe, provém do grego crinein, que significa separar, julgar. Ou seja, o crítico literário é alguém que se acha habilitado a julgar o mérito de um determinado livro, assim como a capacidade do seu autor. A crítica literária foi uma das primeiras críticas de arte a surgirem na imprensa, para analisar contos, romances, poemas. Há autores que gostam de exercer também crítica literária. O Machado foi um deles, assim como Victor Hugo, Émile Zola, e modernamente o Vargas-Llosa, para citar apenas alguns escritores cujas críticas eu li. É claro que a crítica, por mais isenta, é sempre subjetiva. Não existe autor, de Shakespeare a Machado de Assis (Sílvio Romero não poupava "o mulato"), que não tenha sido crucificado pela crítica. O que não impediu, todavia, que eles fossem admirados pelos leitores e espectadores de suas épocas. Isso significa que a crítica não tem importância, que não interfere na vida do autor? Creio que há casos em que a crítica, quando muito negativa, pode prejudicar o autor, principalmente quando ele não confia no próprio talento. Sendo muito elogiativa, mesmo que o encômio não se reflita nas vendas, tem sempre a vantagem de inflar o ego do autor.

E ser um best-seller?, continuou a perguntar o Gênio. Isso deve ser muito bom. Pelo menos ganha-se dinheiro e também celebridade. O diabo é que a crítica não perdoa o best-seller. Preciso citar nomes? Há quem repita o velho clichê: falem mal mas falem de mim. Quem se sente feliz nessa situação deve escolher ser um best-seller. O problema é que chega um momento em que as vendas começam a diminuir, diminuir e o autor de sucesso entra em pânico e verifica, morrendo de inveja, que há outro ou outros ocupando o seu lugar.

E ser muito premiado?, indagou mais uma vez o Gênio. Não vale o Nobel; este é, acima de tudo, um cheque de um milhão de dólares. A maioria dos prêmios tem mais valor honorífico do que fiduciário. É uma honra, sem dúvida, uma bela homenagem receber um prêmio, principalmente concedido por um centro cultural importante. Mas no fundo isso pode ser apenas uma bela ego-trip.

Anda, perguntou o Gênio da Lâmpada ao jovem iniciante, o que foi que você escolheu?

Posso propor uma quarta opção?, o novato indagou por sua vez.

Vá lá, respondeu o Gênio da Lâmpada. Qual é ela?

Eu quero manter sempre uma grande confiança em mim, como escritor e ser humano, não importam os prêmios, os elogios, as vendas, a celebridade.

O Gênio pensou um pouco e respondeu:

Boa escolha. Assim seja.

E a luz da lâmpada, onde se abrigava o Gênio, resplandeceu com um ofuscante fulgor

Fonte: Revista Idiossincrasia

Pequeno Conto de Ivana Arruda Leite

A quinta carta
por Ivana Arruda Leite

Certa vez uma cartomante me disse que eu não demoraria a encontrar o homem da minha vida. Eu o reconheceria de imediato. Nós nos casaríamos, moraríamos numa casa com gerânios na janela e teríamos um casal de filhos. O Grande Sacerdote, a quinta carta na casa sete, garantia isso. Dias depois, eu descia distraída a avenida Rebouças quando vi ao meu lado o Grande Sacerdote numa Belina branca. Sem dúvida, era aquele o homem por quem esperei a vida inteira. Podia adivinhar-lhe o corpo, o cheiro da pele, a voz. Nós nos casaríamos, moraríamos numa casa com gerânios na janela e teríamos um casal de filhos. Avancei em ziguezague no meio dos carros tentando alcançá-lo, mas o Grande Sacerdote deu seta e entrou à direita na Capote Valente. Foi assim, por uma fração de segundos, que eu perdi o homem da minha vida. O destino sempre cumpre o que promete, mas o trânsito nem sempre ajuda.

Ivana Arruda Leite é contista, romancista e socióloga. Graduou-se em Ciências Sociais na Usp e trabalha como socióloga concursada na Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de São Paulo. Publicou seu primeiro livro de contos em 1997, Histórias da Mulher do Fim do Século, seguido, cinco anos após, de Falo de mulher. Em 2003, faz uma incursão na literatura destinada ao público juvenil, com o lançamento do livro Confidencial - anotações secretas de uma adolescente. A partir de 2004, faz uma série de adaptações de clássicos universais. Este conto está presente em seu livro mais recente, Ao homem que não me quis, editora Agir. E-mail: ivanaleite@uol.com.br

Fonte: Cronópios

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Disco Completo Música Livre I

O Música&Poesia tem o orgulho de apresentar o disco Música Livre Volume I, produzido pela galera do Estúdio Livre. O álbum, gravado inteiramente com software livre, é capitaneado por ninguém mais, ninguém menos, que o nosso ministro da Cultura Gilberto Gil. Música Livre é composto por uma diversidade de ritmos que vão da MPB ao rap. Abaixo o disco completo, em mp3, pra baixar e um texto de apresentação escrito pelo pessoal do Estúdio Livre.

Baixe aqui Música Livre Volume I (arquivo zipado)

Música Livre #1
Coletânea de músicas produzidas pela equipe do estudiolivre durante o ano de 2005, entre amigos, entusiastas e colaboradores dessa empreitada pelo Conhecimento Aberto e a Música Livre.

Participaram da gravação deste CD: Gilberto Gil, TC e Juan (Casa de Cultura Tainã), Tiago Saraiva (Casamarela), Nando (Clã Nordestino), Tiely (Minas na Rima), Mauricio Pascuetti (baixo véio), Cristiano Scabello, Décio 7 e Mexicano (Estudio Livre).


Música Livre Volume 1
Autor Autoria Coletiva
Ano 2005

Ouça algumas faixas de Música Livre #1









01. Máquina de Ritmo
voz e violão: gilberto gil

02. Máquina de Jungle
versão: criscabello

03. Só para Lembrar
versão: renato argentino

04. Drumbatabla
versão: criscabello

05. O que é?
mpc: décio 7
base e guitarras: criscabello
teclado: lucas
voz1: maria

06. Zion Dub
base: criscabello
baixo mau

07. Linha de Comando

08. Trilha 1 min
guitarras e baixo: criscabello

09. Eu Quero é Mais
voz e violão: tiago saraiva

10. Monangambe
voz e violão: tc
guitarra: mexicano
carron: juan

11. Marcelos Groove
violão: marcelo
baixo: mau

12. Nyabingi
voz e violão: tc

13. Trem
violão: tc

14. Fome
voz: tl
base, baixo, guitarra e teclado: criscabello

15. 930
clã nordestino

16. De Longe
clã nordestino

Todas as músicas foram produzidas com Software Livre e tiveram os direitos de uso autorizados pelos autores de acordo com a licença Creative Commons Não-Comercial, que permite a distribuição e o remix do conteúdo publicado desde que mantidos os devidos créditos ao autor e que este seja utilizado sem fins comerciais.

Qualquer uso comercial das obras aqui publicadas deve ser feita com permissão dos autores.


Fonte: EstúdioLivre


As canções foram baixadas separadamente do saite EstúdioLivre e reagrupadas, em arquivo zipado, para facilitar o download, pelo blogue Música&PoesiaBRasileira

terça-feira, 26 de junho de 2007

Clipe do Mombojó

Merda - Mombojó

Clipe de animação independente feito para a música Merda dos pernambucanos do Mombojó. Merda é décima primeira faixa de Nada de Novo (2004), álbum que marca a estréia da banda. O videoclipe foi dirigida por Raoni Assis, que recentemente conquistou o prêmio de melhor vídeo de animação do Festival Luso-brasileiro de curtas-metragens de Sergipe, o Curta-se, com "Hotel do coração partido".

Poesia não vende

Poesia, afinal, serve pra quê?
por Tacilda Aquino

É fato. O espaço da poesia é limitadíssimo. A mídia tem seus ícones. Grande parte das livrarias acaba refém dessas escolhas e as prateleiras ostentam sempre os mesmos poetas, sem se abrir para outros autores. O desapontamento dos poetas é grande. Mas eles, em sua maioria, nunca desistem e procuram divulgar seus poemas na Internet, grande aliada de quem quer visibilidade e aplauso. Mas também não desistem de publicar seus poemas, considerando sempre que estão fazendo amigos no meio literário a partir do seu trabalho, e não o seu trabalho a partir de amigos.

O chamado descaso da mídia e das grandes editoras levou o jornalista e poeta catarinense a escrever Poesia não vende, livro que, segundo seu autor, nasceu para denunciar e questionar o descaso público que a poesia sofreu nas últimas décadas e protagonizar uma verdadeira revolução literária junto à sociedade. A idéia, segundo ele, é fazer com que a poesia volte a ser popularizada e valorizada como antigamente. Rodrigo sugere ainda a utilização do conceito de letramento como uma das soluções para que a poesia cumpra o seu papel social e ajude a gerar um Brasil mais poético e, conseqüentemente, mais culto, com pessoas mais conscientes do seu papel social.

Poesia não vende é o quarto livro de Rodrigo Capella e o primeiro de poesia do jornalista, que tem 26 anos e começou a escrever aos 12, incentivado pela avó. O primeiro livro foi publicado aos 16 anos, Enigmas e passaportes (Forever Editora, 1997). Depois vieram: Como mimar o seu cão e Transroca, o navio proibido, ambos pela Zouk Editora, em 2005”;;;. Este último vai ser levado às telas pelo diretor Ricardo Zimmer.

Mesmo com a agenda lotada por conta do lançamento de Poesia não vende em várias cidades brasileiras, Rodrigo conversou por e-mail comigo por e-mail. Confira abaixo a conversa.

Criou-se um ciclo para a afirmação “;;;poesia não vende”;;;. Vinicius de Moraes não vendeu? João Cabral de Mello Neto, Moacir Félix, Leminski, Manoel de Barros, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade não venderam e não vendem? Por que agora poesia não vende?

Só vende poesia quem tenha pelo menos quatro dessas cinco características: fama, engajamento literário, aporte de uma grande editora, relação com outra esfera artística e persistência literária (que pode ser traduzida em descoberta de novas técnicas e estilos lingüísticos). Esses autores que você citou venderam porque, de certa forma, se enquadraram nesse perfil. A poesia, por si só, não vende e nunca vendeu. Quem vende poesia é o artista-poeta e não o poeta-artista.

Você acredita realmente que haja má vontade das editoras, e muita, quanto a publicar o gênero poesia? O problema está na qualidade dos poemas? A linha que divide a poesia boa da ruim é muito tênue?

Existe, na verdade, um complô contra a poesia. As editoras simplesmente ignoram esse gênero literário como se pegassem um calhamaço de folha podre e sem conteúdo. Criou-se um ciclo vicioso: as editoras não publicam poesia, os poucos livros que chegam às livrarias ficam escondidos em estantes empoeiradas, o leitor não encontra a obra e acaba não comprando, por isso as editoras não publicam poesia.

Poesia não vende porque as pessoas, em sua maioria, estão acostumadas com histórias com começo, meio e fim, que não exigem muita reflexão, sendo que com a poesia acontece o contrário?

Há esse lado também. As editoras não são as únicas culpadas, embora contribuam bastante para a poesia não vender. A população precisa valorizar mais a poesia, precisa ler um verso e questioná-lo. Só dessa forma a poesia pode ser compreendida.

Qual a saída para quem está iniciando? Bancar a publicação do bolso? E, depois, como fica a distribuição?

Grandes poetas tiveram que arcar com a publicação de suas obras. Augusto dos Anjos teve a ajuda de seu irmão para pagar Eu e outras poesia, e Manuel Bandeira arcou com Carnaval. Os exemplos são muitos. Acho que eles fizeram a escolha certa. Atualmente, é muito mais fácil publicar livro, embora o mercado editorial esteja um pouco estranho e arredio. Eu, por exemplo, nunca tive que pagar para publicar os meus livros. E nunca farei isso, embora não condene quem faça.

A gente percebe que muitos poetas procuram refúgio na Internet para publicarem seus poemas e se tornarem conhecidos. Mas a Internet ajuda a vender poesia? De que forma?

Existem, atualmente, muitos poetas bons que utilizam os blogs para se comunicar e expressar sentimentos. A qualidade existe e só não é melhor porque faltam incentivos. Precisamos valorizar os poetas da Internet. Sem dúvida! Publicar na Internet é uma grande saída. Há muita gente boa atrás dos blogs, expressando sentimentos e mostrando seus versos. Muitos poetas conseguem sensibilizar editoras através de seus blogs. Isso tem ocorrido muito e é uma saída. Agora, os poetas precisam se mobilizar mais, precisam sair para as ruas, protestar, organizar mais saraus, fazer uma verdadeira revolução poética. Nós estamos precisando disso! O meu livro Poesia não vende, por exemplo, surgiu no meu blog Poemas e Delírios de Rodrigo Capella. Confira em http://poemasdorodrigocapella.blogspot.com/.

Outra questão que, se não é crucial, pelo menos é irônica. Se poesia não vende, por que você fez um livro de poesia?

Essa é a própria contradição do poeta. O claro e o escuro, o seco e o molhado. Mas, acima de tudo, é um desabafo social. Essa questão precisava ser levantada, nós precisamos discutir: afinal, poesia não vende? Por quê? O que ocorre? Nós não podemos ficar calados. Temos que agir, nos movimentar e brigar para que esse contexto se inverta. Espero, algum dia, nem que seja daqui a 50 anos, escrever um outro livro chamado Poesia vende sim!

Há livrarias que nem contam com prateleiras específicas para o gênero poesia. O que fazer para mudar essa situação?

Isso é complicado demais! Mas, está, aos poucos, mudando. A livraria começou a perceber que precisa vender um pouco de tudo. E está colocando mais livros de poesia, embora misturados aos demais gêneros. Vai chegar uma hora em que, para organizar melhor as coisas, eles vão precisar abrir prateleiras específicas. Isso vai acontecer em breve, pode apostar!

Qual é o poeta contemporâneo que mais vende atualmente no Brasil?

Alguém vende bem? Eu, sinceramente, não conheço. A maioria dos poetas com quem tenho convívio sempre reclama de grana. É, a situação está complicada. Precisamos nos unir, antes que a poesia brasileira vá para o fundo do poço. E ele está logo ali, mais uns passos e caímos dentro. Porém acredito na reviravolta. Estamos começando. E, como todo processo, esse também é lento e gradual.

Torná-la leitura obrigatória nas escolas seria uma forma de fazer as pessoas lerem poesia? Dificilmente se vê um livro de poemas ser recomendado por professores.

Não gosto de tornar nada obrigatório. A poesia deve ser uma leitura livre, como seus versos. Se obrigarmos alguém a ler poesia, estamos desvirtuando a coisa. Poesia é sinônimo de alegria e entusiasmo, e não de obrigação. Ela deve ser incentivada e não obrigatória!

Seu livro tem depoimentos de poetas, escritores, cineastas. Todos falam da relação da poesia com a sua (deles) arte. Como foi conseguir esses depoimentos?

Foi simples, todos foram muito atenciosos e gostaram da idéia do livro Poesia não vende. Alguns se empolgaram tanto e me perguntavam quando o livro ia ficar pronto. Achei formidável! Foi uma experiência incrível, você pode acreditar.

O que você chama de letramento

É a solução. Incentivar jovens e adolescentes a desenvolver uma atividade a partir de um verso poético é, simplesmente, plantar a semente para termos um país mais poético. Além do letramento, eu sugiro visitas freqüentes às editoras, nas quais os alunos conheceriam os procedimentos de confecção de um livro.

Como é possível introduzir esse conceito nas escolas?

Apenas introduzindo. Não há segredo. É preciso boa vontade do governo e das escolas. Sabe, algumas pessoas estão muito acomodadas. O governo está acomodado, as editoras também. Não querem fazer nada. Então, temos que plantar a semente nas escolas. E... bingo! Teremos, sem dúvida, um Brasil mais poético.

Quais os elementos que você oferece ao leitor para que ele reflita e questione a existência da poesia no contexto literário?

Todos os que existem: momento infinito, alegria, correlação artística, necessidade de mudança e, principalmente, a função da poesia dentro da própria sociedade. Mudar pequenas coisas e despertar grandes sorrisos. Essa é a grande função da poesia. Você já sorriu hoje? Leia um verso e experimente!


Fonte: OverMundo

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Luciana Mello lança novo disco

LUCIANA NA LONGA ESTRADA
por Pedro Alexandre Sanches

Tem sido de progresso lento e paulatino a trajetória musical de Luciana Mello, o que se revalida em Nêga, disco de estréia pelo selo independente S de Samba (com distribuição da nova Brazilmúsica), após passagens pela nacional Trama e pela multinacional Universal. Filha do sambista torto Jair Rodrigues, Luciana se aconchega de pouco em pouco num ninho versátil em que cabem samba, black music brasileira e um lote às vezes exagerado de baladas pop.

Em Nêga, o setor das baladas rende, por exemplo, Rosas e Mel, do irmão Jair Oliveira, que, apesar de competente, faz Luciana se aproximar perigosamente do imaginário de Marisa Monte. Mais particular e autoral ela soa no funk de afirmação de identidade Na Veia da Nêga (parceria entre ela e o irmão, com rap de Gabriel o Pensador), ou na impura e perspicaz O Samba Me Cantou, também de Jair Oliveira, que brinca que disseram que eu cantei o samba/ mas foi o samba quem me cantou.

Infelizmente, canções como essas que fazem balançar e ressaltar identidades perdem em quantidade para o romantismo pop, ou mesmo para a versão bossa nova, desfocada, do clássico Only You, que encerra o CD. A estrada é comprida.

Fonte:
CartaCapital


Ouça algumas faixas do novo disco de Luciana Mello em sua página do MySpace

sábado, 23 de junho de 2007

Documentário Sabotage

No dia 24 de janeiro de 2003 uma das mais promissoras carreiras do rap nacional chegava ao fim. O rapper Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, foi executado com quatro tiros pelas costas. Silenciava-se a voz daquele que levou a periferia as telas de cinema. Pouco tempo após lançar seu primeiro disco (Rap É Compromisso - 2001) Sabotage figurava entre os melhores rappers do Brasil.

Sua inventividade o fez quebrar diversas barreiras, não só musicais, onde foi respeitado por músicos de outros gêneros, chegando a gravar com alguns, mas, artísticas também. Sua agilidade expressiva não demorou a chamar a atenção do diretor de cinema, Beto Brant, que o chamou para o filme O Invasor, no qual, além de atuar, ajudou a reescrever parte do roteiro, a pedido de Brant, para que O Invasor ganhasse o jeito de falar da periferia. O rapper também assinou boa parte das músicas da trilha sonora do filme. Após repercutir positivamente no longa de Brant, Hector Babenco o escalou para atuar no premiado Carandiru.

Sabotage (à esq.) durante a filmagem do documentário
Sabotage esteve também em um terceiro filme. Infelizmente, desse ele não teve conhecimento, pois, foi lançado para homenageá-lo após sua morte. O Música&Poesia apresenta o documentário Sabotage, dirigido por Ivan Vale Ferreira, Tiago Bambini e Pedro Caldas. Com imagens captadas em 2002, a obra dá uma noção do turbilhão de idéias que movimentavam o artista, mostrando sua ligação com a comunidade, família e com arte como forma de contestação e mudança.
Y.H.

Assista no reprodutor de vídeo abaixo o documentário em memória de Sabotage.

Documentário - Sabotage



Sinopse
Suas palavras e sua maneira de pensar foi registrada e isso fica. Ele se foi, mas sua mensagem ainda continua muito presente.

Gênero Documentário
Diretor Ivan Vale Ferreira / Tiago Bambini / Pedro Caldas
Elenco Sabotage
Ano 2004
Duração 29 min
Cor Colorido
Bitola Vídeo
País Brasil

Na página do Google Vídeos pode-se baixar o filme completo, no entanto, para tal, deve-se baixar e instalar o programa de vídeos do Google.

Fotos: Ivan Vale Ferreira/Divulgação

Esse é só o começo do fim da nossa vida

Letras Los Hermanos

VEJA BEM MEU BEM, (Marcelo Camelo)

Veja bem meu bem,
Sinto lhe informar
Que arranjei alguém
Pra me confortar
Este alguém está quando você sai
Eu só posso crer
Pois sem ter você
Nestes braços tais
Veja bem amor
Onde está você
Somos no papel,
Mas não no viver
Viajar sem mim, me deixar assim
Tive que arranjar alguem pra passar os dias ruins

Enquanto isso navegando eu vou sem paz
Sem Ter um porto, quase morto sem um cais
E eu nunca vou te esquecer amor
Mas a solidão deixa o coração neste leva e traz

Veja bem, além
Destes fatos vis
Saiba, traições
São bem mais sutis
Se eu te troquei
Não foi por maldade
Amor, veja bem, arranjei alguém chamado saudade


DO SÉTIMO ANDAR (Rodrigo Amarante)

Fiz aquele anúncio e ninguém viu. Pus em quase todo lugar
a foto mais bonita que eu fiz,
você olhando pra mim.

Alto aqui do sétimo andar longe eu via você
e a luz desperdiçada de manhã no copo de café.

Deus sabe, o que eu quis foi te proteger
do perigo maior que é você.
E eu sei que parece o que não se diz...
o seu caso é o tempo passar.

Quem fala é o doutor.
Parece que foi ontem eu fiz aquele chá de habu
pra te curar da tosse e do chulé, pra te botar de pé.

E foi difícil ter que te levar àquele lugar...
Como é que hoje se diz? ...você não quis ficar.

Os poucos que viram você aqui
disseram que mal você não faz.
E se eu numa esquina qualquer te vir
será que você vai fugir?

Se você for eu vou correr!
Se for eu vou...!


CONVERSA DE BOTAS BATIDAS (Marcelo Camelo)

- Veja você onde é que o barco foi desaguar
- a gente só queria o amor...
- Deus às vezes parece se esquecer
- ai, não fala isso, por favor
Esse é só o começo do fim da nossa vida
Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida
que a gente vai passar

- Veja você, quando é que tudo foi desabar
A gente corre pra se esconder...
- E se amar, se amar até o fim
- sem saber que o fim já vai chegar
Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga
Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas
não ter o seu lugar

Abre a janela agora, deixa que o sol te veja
É só lembrar que o amor é tão maior
que estamos sós no céu
Abre as cortinas pra mim
que eu não me escondo de ninguém
O amor já desvendou nosso lugar
e agora esta de bem

Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga
Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas
não ter o seu lugar

Diz quem é maior que o amor?
Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora
Vem, vamos além. Vão dizer
que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela
vai cair


OS PÁSSAROS (Rodrigo Amarante)

euaflito e só,confuso e semvocê por aqui.
assim eu sonhei mas isso eu não quis que diferença?
o dia se fez assim.há um conflito,
um nóeu difuso enfim os pássaros vêmme
levar aívisitar océu e pra ver vocêlevantando
o véu pra mim.mas eles só me vêemquando eu
já não seise eu estou são, o que é um sonho ruim,
o que é um sonhobom. que diferença?a
vida é igual, assim eeu não seieunãoseieunãoseise isso é você.


POIS É (Marcelo Camelo)

pois é, não deu
deixa assim, como está, sereno
pois é de deus tudo aquilo que não se pode ver
e ao amanhã a gente não diz
e ao coração que teima em bater

avisa que é de se entregar o viver
avisa que é de se entregar o viver

pois é, até onde o destino não previu
sem mais, atrás vou até onde eu conseguir

deixa o amanhã e a gente sorri
que o coração já quer descansar
clareia a minha vida, amor, no olhar
clareia a minha vida, amor, no olhar


Canções:
"Veja Bem Meu Bem,", do disco O Bloco do Eu Sozinho (Abril Music, 2001)
"Do Sétimo Andar" e "Conversa de Botas Batidas", do disco Ventura (BMG, 2003)
"Os Pássaros" e "Pois é", do disco 4 (Sony BMG, 2005)


Ouça aqui a Rádio Oficial do Los Hermanos - toca todas as músicas gravadas pela banda

Fonte:
Los Hermanos

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Música&Poesia por André Abujamra e Rynaldo Papoy

A loucura surreal da reunião de Rynaldo Papoy, do grupo de rap P-Branes, com André Abujamra, resultou na "música poética" Big Poem. Papoy escreveu a música-poesia e colocou a voz, Abujamra fez toda a base musical e gravou. Confira abaixo a visão deles sobre estes temas tão recorrentes aqui neste blogue. Inclusive, o Big Poem poderia se tornar trilha aqui no Música&Poesia!

Ouça Big Poem
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Big Poem - P-Branes com André Abujamra
por Rynaldo Papoy



André (dir) ao lado de seu pai, ator e diretor, Antônio Abujamra

Aqui uma grande parceria entre o projeto P-Branes e o grande músico André Abujamra.

BIG POEM
letra de Rynaldo Papoy

Quando descobri que era hora de fazer outra música
Resolvi fazer esta

Música poética
Em homenagem a Aristóteles
Poesia música em homenagem a meus braços dormentes

MÚSICA
MÚSICA

Quando resolvi que era hora de fazer outro poema
Resolvi fazer um sobre o fim

E fui
Na farmácia
Comprar clonazepam
Em homenagem a meu cérebro demente

POESIA
POESIA

Quando descobri que era hora de fazer outra música
Lembrei que estava dopado
Playcenter no tutano
Em homenagem a Nicolau Copérnico

Sei lá
O que vou achar
De "Big Poem"
Quando voltar a ficar doido.

Fonte:
OverMundo

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Vem dizer adeus ao que restou de quem um dia foi feliz

Letras Los Hermanos

ADEUS VOCÊ (Marcelo Camelo)

Adeus Você
Eu hoje vou pro lado de lá
Estou levando tudo de mim
Que é pra não Ter razão pra chorar
Vê se te alimenta e não pensa que eu fui
Por não te amar

Cuida do teu
Pra que ninguém te jogue no chão
Procure dividir-se em alguém
Procure-me em qualquer confusão
Levanta e te sustenta e não pensa que eu fui

Por não te
Amar Quero ver você maior meu bem
Pra que minha vida siga adiante

Adeus você
Não venha mais me negacear
Seu choro não me faz desistir
Seu riso não me faz reclinar
Acalma esta tormenta e se aguenta
Que eu vou pro meu lugar
É bom as vezes se perder
Sem ter por que, sem Ter razão
É um dom saber envaidecer, por si
Saber mudar de

Tom,
Quero não saber de cor também
Pra que minha vida siga adiante


PRIMEIRO ANDAR (Rodrigo Amarante)

já vou...será? eu quero ver, o mundo eu sei não é esse lá.
por onde andar? eu começo por onde a estrada vai e não culpo a cidade,
o pai. vou lá andar. e o que eu vou ver? eu sei.
lá.

não faz disso esse drama, essa dor! É que a sorte é preciso tirar pra ter.
perigo é eu me esconder (em você). e quando eu vou voltar?
ah, quem vai saber...
se alguém numa curva me convidar
eu vou lá
que andar é reconhecer,
olhar.

eu preciso andar
um caminho só
vou buscar alguém
que eu nem sei quem sou.

eu escrevo e te conto o que eu vi e me mostro de lá pra você.
guarde um sonho bom pra mim.


SAPATO NOVO (Marcelo Camelo)

(...) – bem, como vai você? levo assim, calado
de lado do que sonhei um dia
como se a alegria recolhesse a mão
pra não me alcançar
poderia até pensar que foi tudo sonho
ponho meu sapato novo e vou passear
sozinho, como der, eu vou até a beira
besteira qualquer nem choro mais
só levo a saudade morena
e é tudo que vale a pena


ASSIM SERÁ (Marcelo Camelo)

Assim que quer, assim será,
Eu vou pra não voltar
Toma este anel, que é pra anular
O céu, o sol, o mar
Eu não queria ir assim
Tão triste, triste
Vem dizer adeus ao que restou de quem um dia foi feliz

Há de encontrar, um encantador
Um novo ou velho amor
Vai te levar, leve a vagar
Prum lar de fina-flor
E você vai ser mais feliz
Longe de mim. Por isso
Vou mas não me peça pra amar outra mulher que não você

Sei que seu fel, fenecerá
Em nome de nós dois
A chuva do céu, se encerrará
Pra ver nosso depois
Como vai ser ruim demais
Olhar o tempo ir sem
Ver os seus abraços, seus sorrisos ou suas rimas de amor


O VELHO E O MOÇO (Rodrigo Amarante)

Deixo tudo assim.
Não me importo em ver a idade em mim,
ouço o que convém. Eu gosto é do gasto

Sei do incômodo e ela tem razão
quando vem dizer que eu preciso sim
de todo o cuidado.

E se eu fosse o primeiro a voltar
pra mudar o que eu fiz,
quem então agora eu seria?

Tanto faz que o que não foi não é.
Eu sei que ainda vou voltar... mas eu quem será?

Deixo tudo assim, não me acanho em ver
vaidade em mim. Eu digo o que condiz.
Eu gosto é do estrago.

Sei do escândalo e eles têm razão
quando vêm dizer que eu não sei medir
nem tempo e nem medo.

E se eu for o primeiro a prever
e poder desistir do que for dar errado?

Ah, ora, se não sou eu quem mais vai decidir o que é bom pra mim?
Dispenso a previsão!

Ah, se o que eu sou é também
o que eu escolhi ser aceito a condição.

Vou levando assim
que o acaso é amigo do meu coração
quando fala comigo, quando eu sei ouvir...


ALÉM DO QUE SE VÊ (Marcelo Camelo)

Moça, olha só o que eu te escrevi
É preciso força pra sonhar e perceber
que a estrada vai além do que se vê
Sei que a tua solidão me dói
e que é difícil ser feliz
mas do que somos todos nós
você supõe o céu
Sei que o vento que entortou a flor
passou também por nosso lar
e foi você quem desviou
com golpes de pincel

Eu sei, é o amor que ninguém mais vê
Deixa eu ver a moça
Toma o teu, voa mais
que o bloco da família vai atrás

Põe mais um na mesa de jantar
por que hoje eu vou pra aí te ver
e tira o som dessa TV
pra gente conversar
Diz pro bamba usar o violão
pede pro Tico me esperar
e avisa que eu só vou chegar
no último vagão

É bom te ver sorrir
Deixa vir à moça
que eu também vou atrás
e a banda diz: assim é q se faz!


Canções:
"Adeus Você" e "Assim Será", do disco O Bloco do Eu Sozinho (Abril Music, 2001)
"O Velho e o Moço" e "Além do que se Vê", do disco Ventura (BMG, 2003)
"Primeiro Andar" e "Sapato Novo", do disco 4 (Sony BMG, 2005)


Baixe aqui todas as cifras do disco Ventura em versão para impressão

Baixe aqui todas as letras do disco 4 em versão para impressão

Fonte: Saite Oficial Los Hermanos

quarta-feira, 20 de junho de 2007

A Flor em Animação

A música "A Flor" (Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante), do Los Hermanos, ganhou animação pela Tartaruga Feliz, nome artístico de Deborah Rodrigues. O trabalho de Deborah ficou em terceiro lugar no Festival Anima Mundi de 2006. A Flor é a segunda faixa, do segundo disco (Bloco do Eu Sozinho), do extinto Los Hermanos. A versão animada da "Tartaruga" confere um final feliz a canção melancólica da banda carioca.

Confira
aqui A Flor, em excelente resolução, ou abaixo, com resolução inferior, pelo YouTube.

A Flor - Los Hermanos


Gênero Animação
Criação Deborah Rodrigues (Tartaruga Feliz)
Música A Flor (Marcelo Camelo/Rodrigo Amarante), Los Hermanos
Ano 2005
Duração 3'20''
Cor Colorido
País Brasil
Animado em flash

terça-feira, 19 de junho de 2007

A Voz dos Excluídos

O brasão da periferia
por Pedro Alexandre Sanches

Destinada a ser a marca oficial do Capão Redondo, a 1daSul quer ser uma resposta para a violência

O CD começa com a narração de um locutor, em estilo radiofônico: “Temos aqui um escritor, um escritor. Não mora nos Jardins, não mora na Barra, não mora em Boa Viagem, ele mora em Capão Redondo, sabe onde é Capão Redondo? A Polícia Militar sabe”. Assim começa a coletânea 1daSul – Us Qui São Representa, coordenada pelo escritor, rapper e agitador cultural Ferréz, de Capão Redondo, periferia sul de São Paulo.

A 1daSul é a loja-marca-grife-gravadora-ideologia criada em 1999 por Ferréz. O disco 1daSul – Us Qui São Representa se constrói como um manifesto musical que reúne vários rappers ligados ao conceito elaborado pelo “escritor popular brasileiro” no encarte: “O desafio é ser a marca oficial do bairro, tendo como ponto de vista uma resposta do Capão Redondo para toda a violência que a ele é creditada, fazendo os moradores terem orgulho de onde moram e conseqüentemente lutarem para um lugar melhor, com menos violência gratuita e mais esperança”.

Não é mera retórica, como demonstra o rap aguçado praticado pelos artistas e grupos participantes, como Tref (trio que reúne moradores de três favelas diferentes, e do qual Ferréz é um dos integrantes), Negredo, o idiossincrático Prof. Pablo (na emocionante Não Me Entrego) e outros. A meta de desestigmatizar o “gueto” é marca igualmente distintiva de faixas como as dos grupos A Família, Realidade Cruel, Outraversão e Detentos do Rap.

“O dono do poder cria símbolos, estátuas, e assim consegue nos oprimir, nós estamos nos primeiros passos de também termos nossos símbolos”, resume Ferréz no texto de auto-orgulho pelo CD e pelo nobre “brasão” da 1daSul. A julgar pelo que anda afirmando o rap, já é passado o tempo da mera lamentação resignada das periferias.

Fonte:
CartaCapital

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Poesia Moçambicana

Poetas Lusófonos - Moçambique - Rui Knopfli (1932 - 1998)

de "Memória Consentida"

Gritarás o meu nome

Gritarás o meu nome em ruas
desertas e a tua voz será
como a do vento sobre a areia:
um som inútil de encontro ao silêncio.

Não responderei ao teu apelo,
embora ardentemente o deseje.
O lugar onde moro é um obscuro
lugar de pedra e mudez:

não há palavras que o alcancem.
gelam-lhe os gritos por fora.
Serei como as areias que escutam
o vento e apenas estremecem.

Gritarás o meu nome em ruas
desertas e a tua voz ouvirá
o próprio som sem entender,
como o vento, o beijo da areia.

Teu grito encontrará somente
a angústia do grito ampliado,
vento e areia. Gritarás o meu
nome em ruas desertas.


Sem nada de meu

Dei-me inteiro. Os outros
fazem o mundo (ou crêem
que fazem). Eu sento-me
na cancela, sem nada
de meu e tenho um sorriso
triste e uma gota
de ternura branda no olhar.
Dei-me inteiro. Sobram-me
coração, vísceras e um corpo.
Com isso vou vivendo.


Mania do suicídio

Às vezes tenho desejos
de me aproximar serenamente
da linha dos eléctricos
e me estender sobre o asfalto
com a garganta pousada no carril polido.
Estamos cansados
e inquietam-nos trinta e um
problemas desencontrados.
Não tenho coragem de pedir emprestados
os duzentos escudos
e suportar o peso de todas as outras cangas.
Também não quero morrer
definitivamente.
Só queria estar morto até que isto tudo
passasse.
Morrer periodicamente.
Acabarei por pedir os duzentos escudos
e suportar todas as cangas.
De resto, na minha terra
não há eléctricos.


Pátria

Um caminho de areia solta conduzindo a parte
nenhuma. As árvores chamavam-se casuarina,
eucalipto, chanfuta. Plácidos os rios também
tinham nomes por que era costume designá-los.
Tal como as aves que sobrevoavam rente o matagal

e a floresta rumo ao azul ou ao verde mais denso
e misterioso, habitado por deuses e duendes
de uma mitologia que não vem nos tomos e tratados
que a tais coisas é costume consagrar-se. Depois,
com valados, elevações e planuras, e mais rios

entrecortando a savana, e árvores e caminhos,
aldeias, vilas e cidades com homens dentro,
a paisagem estendia-se a perder de vista
até ao capricho de uma linha imaginária. A isso
chamávamos pátria. Por vezes, de algum recesso

obscuro, erguia-se um canto bárbaro e dolente,
o cristal súbito de uma gargalhada, um soluço
indizível, a lasciva surdina de corpos enlaçados.
Ou tambores de paz simulando guerra. Esta
não se terá feito anunciar por tal forma

remota e convencional. Mas o sangue adubou
a terra, estremeceu o coração das árvores
e, meus irmãos, meus inimigos morriam. Uma
só e várias línguas eram faladas e a isso,
por estranho que pareça, também chamávamos pátria.

De quatro paredes restaram as pedras. Com as folhas
de zinco e a madeira ferida dos travejamentos
perfaziam uma casa. Partes de um corpo
desmembrado, dispersas ao acaso, vento e silêncio
as atravessam e nelas não dura a memória

que em mim, residual, subsiste. Sobre escombros deveria,
talvez, chorar pátria e infância, os mortos que
lhe precederam a morte, o primeiro e o derradeiro
amor. Quatro paredes tombadas ao acaso e isso bastou
para que, no que era só mundo, todo o mundo entrasse

e o polígono demarcado, conservando embora
a original configuração, fosse percorrido por
um arrepio estrangeiro, uma premonição de gelos
e inverno. Algo lhe alterara imperceptivelmente
o perfil, minado por secreta, pertinaz enfermidade.

Semelhante a qualquer outro, o lugar volvia meta
e ponto de partida, conceitos que, como a linha imaginária,
circunscrevem, mas de todo eludem, o essencial.
Ladeado de sombras e árvores, o caminho de areia,
que se dizia conduzir a parte alguma, abria

para o mundo. A experiência reduz, porém,
a segunda à primeira das asserções: pelo mundo
se alcança parte nenhuma; se restringe ficção
e paisagem ao exíguo mas essencial: legado
de palavras, pátria é só a língua em que me digo.



de Memória Consentida, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1982.


Biografia
Rui Knopfli nasceu em Inhambane, em 1932 e viveu em Moçambique até 1975. Foi delegado de propaganda médica, poeta, crítico literário e de cinema. Opositor do regime colonialista, colaborou activamente na imprensa independente, casos de A Tribuna e A Voz de Moçambique. Lançou, com João Pedro Grabato Dias, os cadernos de poesia Caliban (1971-72), que reuniram colaboradores como Jorge de Sena, Herberto Helder, António Ramos Rosa, Fernando Assis Pacheco, José Craveirinha e Sebastião Alba. Dirigiu o caderno Letras & Artes (1972-75), da revista Tempo. Traduziu e publicou poetas como T. S. Eliot, Blake, Sylvia Plath, Kavafis, Dylan Thomas, Yeats, Robert Lowell, Pound, René Char, Apollinaire, Octavio Paz e Reverdy. Demite-se do jornal A Tribuna , por objecções de natureza ética, e deixa Moçambique em Março de 1975. Em Julho do mesmo ano radica-se em Londres onde exerceu o cargo de conselheiro de imprensa (1975-97) junto da Embaixada de Portugal na capital britânica. Em 1984 recebeu o prémio de poesia do PEN Clube. Em Portugal tem colaboração dispersa no JL e nas revistas Colóquio-Letras e Ler. Encontra-se representado em algumas antologias, designadamente em Contemporary Portuguese Poetry (Manchester, 1978) e no The Penguin Book of Southern African Verse (Londres, 1989).. Em Bruxelas foi publicado Le Pays des Autres (1995), volume que colige os três primeiros livros. A sua obra é fortemente influenciada pelas suas vivências europeias e africanas, revelando uma forte originalidade e um tom eminentemente coloquial. Morreu em Lisboa em 1998. Em 2003, a empresa nacional casa da moeda, publicou uma antologia dos seus poemas, intitulada “Obra Poética”.

Bibliografia: O País dos Outros (1959), Reino Submarino (1962), Máquina de Areia (1964), Mangas Verdes com Sal (1969), A Ilha de Próspero (1972), O Escriba Acocorado (1978), Memória Consentida (1982), O Corpo de Atena (1984) e O monhé da cobras (1997).

sábado, 16 de junho de 2007

Curta Castanho

Como ser feliz nos tempos atuais? Os males contemporâneos e a opressão da ditadura estética criam legiões de infelizes, sobretudo no universo feminino. O mundo das passarelas, com auxílio da difusão da mídia, impõe padrões inalcançáveis para nossas mulheres. A auto-estima instantânea vem erroneamente do que achamos que os outros enxergam de nós. Descubra em Castanho, curta de Eduardo Valente, que um simples assobio pode fazer um bem inestimável a uma mulher. Trilha original por Los Hermanos.
Y.H.

Assista Castanho aqui

Sinopse
Um musical sobre o amor e tudo aquilo que fazemos por ele.

Gênero Ficção
Diretor Eduardo Valente
Elenco Ana Paula Pedro, Isabel Pacheco
Ano 2002
Duração 12 min
Cor Colorido
Bitola 35mm
País Brasil

Ficha Técnica
Fotografia Fernando Miceli Roteiro Eduardo Valente Edição André Luiz Sampaio Direção de Arte Tainá Xavier Trilha original Los Hermanos Empresa produtora Wset Filmes Som Eduardo Santos Mendes

Prêmios
Melhor Fotografia no Curta Santos 2003

Festivais
Festival do Rio BR 2003
Quinzena dos Realizadores - Festival de Cannes 2004
FAM - Florianópolis 2003
Festival de Cinema de Belém 2003
Festival de Curtas de Belo Horizonte 2003
Festival de Gramado 2003
Festival Internacional de Curtas de São Paulo 2003
Guarnicê de Cine e Vídeo 2003
Mostra Curta Cinema 2002
Panorama Brasil Coisa de Cinema 2003
Vitória Cine Vídeo 2003
Festival de Varginha 2003


Fonte: PortaCurtas


Curtas no OutroCine

http://outrocine.blogspot.com - Mostra Permanente de Cinema



sexta-feira, 15 de junho de 2007

Los Hermanos e o Último Show

Adeus Você, Eu hoje vou pro lado de lá

Os dias sete, oito e nove de junho marcaram a minitemporada de despedida da melhor banda nacional surgida nos últimos dez anos, Los Hermanos. Os três shows foram celebrados na Fundição Progresso, na Lapa, no Centro do Rio de Janeiro. Apesar do grupo não ter oficializado o fim – eles afirmam que entraram em "recesso por tempo indeterminado" – seus integrantes já vinham alçando vôo próprio. O camarada Bruno Maia, do competente blogue SOBREMÚSICA, esteve presente nessa despedida e foi testemunha do espetáculo de encerramento de um ciclo da música nacional. Acompanhe abaixo o relato postado no SOBREMÚSICA.
Y.H.

Um filme no close pro fim

por Bruno Maia

A última temporada do Los Hermanos antes de entrar no tal “recesso por tempo indeterminado” foi marcada pela alegria e complacência dos fãs, mais do que pela tristeza, revolta ou sentimento de perda. Parece que passada a ressaca que o comunicado oficial causou, os admiradores do grupo passaram a “confiar” nas reiteradas afirmações de que esse momento é apenas um “até logo” e não um “adeus” definitivo. Foram três apresentações que arrastaram cerca de 10 mil pessoas para a Fundição, se considerarmos que a capacidade do local é de 5 mil e que muita gente não se contentou em ver um dia apenas.

A mini-temporada foi uma grande celebração dos oito anos em que a banda passeou por grandes palcos. Afora o numeral desenhado na tampa do bumbo de Rodrigo Barba, não havia nenhuma citação à turnê do disco “4”. Foram shows especiais, com repertórios diferentes a cada dia, e que tiveram como cenário apenas a cortina atrás dos músicos. Camelo e Amarante comandaram a retrospectiva que recuperou momentos tão longínquos quanto a presença dos terninhos no figurino, as canções executadas sem a presença dos músicos de apoio e ainda preciosidades como “Onze dias”, “Azedume”, “Descoberta”, “Tenha dó” e “Lágrimas Sofridas”. Esta última estava tão distante no inconsciente do público que Camelo ficou algum tempo sozinho, na penumbra, conduzindo os acordes em contratempo até que a platéia se ligasse e entendesse do que se tratava. Ao mesmo tempo em que a visita ao repertório do primeiro disco incendiou os fãs, também serviu pra deixar mais claro porque a banda tinha tanta relutância em apresentá-lo recentemente. De fato, as composições e os arranjos do álbum lançado em 1999 estão muito distantes do resto. Das 55 músicas gravadas, 35 foram incluídas no set-list alternadamente. O grupo se esforçou pra manter o clima de festa e o que se viu foi uma preponderância das músicas com andamentos mais rápidos às baladas.

Foto: Bruno Maia
Isso gerou efeito direto na platéia. Nada de sentimentalismos. O máximo que se ouviu foi um grito, como os de estádios de futebol, no fim da terceira noite: “Ahhh, Los Hermanos vai voltar... Los Hermanos vai voltar...”. Estádio de futebol. Tá aí uma boa comparação para o que se tornou a Fundição (e todos os outros palcos por onde o grupo passou em mais de 500 apresentações). A torcida era uma só, empurrando o time. Amigos marcavam de se encontrar pra torcer juntos. Outros, mais solitários, iam sozinhos, mas rapidamente se abraçavam com quem estava do lado para cantar junto. O nome da banda parece sempre ter servido para definir seus fãs. A irmandade e a cumplicidade com que todos celebraram o ritual hermânico é comumente comparada à da Legião Urbana.

Tal qual muita gente – inclusive este que digita estas linhas – se ressente por não ter visto Renato Russo no palco, a saudade do que não se viu também há de se abater sobre uma nova geração que descobre, aos poucos, a obra dos Hermanos. Apesar dos fãs de sempre, era possível observar na Fundição muita gente que nunca ouviu uma fita-demo, nem tampouco tinha idade para ir a um show em 1999. A renovação do público já é visível. A consistência da obra dá a certeza de que o passar do tempo pode ser apenas um detalhe para a arte.

***********
Quando o assunto é Los Hermanos, falar em “intenção” é sempre meio caminho pra ser desmentido daqui a dois segundos. Mas o que se observou nesses shows foram que, além de se confraternizar e encerrar um ciclo junto de seu público, o grupo quis (?) mostrar que não havia brigas, nem desentendimentos graves, por trás da decisão tomada. Durante todo o tempo, Barba, Camelo e Amarante trocavam sorrisos cúmplices. Lógico que quando o assunto é sorriso, você pode excluir a sobriedade de Bruno Medina, sempre. Mas ainda assim, os quatro aparentavam estar com as pendengas internas bem solucionadas e tranqüilos sobre a decisão tomada.

E é isso. O último disco da banda já tinha avisado, a quem quisesse ouvir, qual seria o próximo momento deles. “E agora o amanhã, cadê?”, perguntava Camelo em “Dois barcos”, música cujo título era a melhor metáfora para definir o que o grupo vivia artisticamente. Amarante respondia que “se a gente já não sabe mais rir um do outro, meu bem, então o que resta é chorar. E talvez, se tem que durar, ver renascido o amor, bento de lágrimas”. É esperar pra ver. Só resta a certeza de que foi bonito pacas enquanto durou.

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O som da Fundição é aquela coisa trágica de sempre. Vá lá, a galera cantava tudo como se os decibéis alcançados fossem nos salvar, mas em teoria – pelo menos em teoria – um sistema de PA deve servir pra fazer os músicos serem ouvidos. É evidente que falar de aspectos técnicos diante da comoção e da efusão de sentimentos que podia se observar em qualquer ponto da casa, em qualquer um dos três dias, beira a implicância. Por isso, não vamos nos alongar.

quinta-feira, 14 de junho de 2007

O Imprevisível Cinema de Beto Brant

Libelo contra o conformismo
por Ricardo Calil para o saite no mínimo


Beto Brant tornou-se não apenas um dos mais talentosos cineastas brasileiros, como também o mais imprevisível. Cada novo filme do diretor parece, ao menos à primeira vista, radicalmente diferente do que o precedeu.

Depois de três policiais com pano de fundo social adaptados de histórias de Marçal Aquino (”Os matadores”, “Ação entre amigos”, “O invasor”), ele pulou para um quase-ensaio sobre realidade e representação baseado em livro de Sérgio Sant’Anna (”Crime delicado”).

Em “Cão sem dono”, filme co-dirigido por Renato Ciasca que estréia nesta sexta-feira no Rio e São Paulo, mais uma reviravolta: Brant faz um “filme de formação” a partir de uma adaptação bastante livre do romance “Até o dia em que o cão morreu”, de Daniel Galera, colega de NoMínimo.

Não são apenas os gêneros e as fontes que mudaram, mas também a forma. Depois de transitar do cinema clássico (”Os matadores”) à influência teatral (”Crime delicado”), ele chega agora a uma estética que pode ser definida como “orgânica”.

Os planos de “Cão sem dono” são longos como os do filme anterior, mas não mais estáticos. A câmera move-se no ritmo da pulsão dos personagens, e cada cena parece um recorte seco da realidade. De uma simplicidade ilusória, a mise-en-scène revela uma notável sofisticação do olhar de Brant.

Já a narrativa é mais direta que a de “Crime delicado”, com menos camadas de significados. O filme se concentra na história da relação entre os jovens Ciro (Júlio Andrade), recém-formado em literatura que vive (mal) de traduções, e Marcela (Tainá Müller), modelo em início de carreira. Depois de uma noite de sexo casual, ela aposta em caso duradouro; ele reluta.

Em crise existencial e profissional, o cético e apático Ciro não consegue enxergar a princípio a epifania que Marcela representa em sua vida. Como de hábito, ele só passa a valorizá-la quando percebe que está prestes a perdê-la.

Na verdade, “Cão sem dono” é a história da transformação de Ciro, o obscuro, causado pela aparição de Marcela, a luminosa. Nesse sentido, é um pequeno libelo contra o ceticismo e uma homenagem ao poder feminino (que encontra em Tainá Müller uma bela tradução).

E aqui chegamos à conclusão de que “Cão sem dono” não é assim tão distante de “Crime delicado” - em que o crítico teatral interpretado por Marco Ricca libertava-se de sua amarga racionalidade ao apaixonar-se pela modelo representada por Lilian Taublib.

Brant já definiu o protagonista daquele filme como alguém que vê o mundo na terceira pessoa e, de repente, decide vivê-lo na primeira. O mesmo poderia ser dito de Ciro - ou mesmo dos protagonistas de outros filmes do cineastas.

Eles são pessoas que, em algum momento, decidiram se rebelar contra um roteiro pronto para suas vidas - recusando-se a esquecer o passado (”Ação entre amigos”), a aceitar a estratificação social (”O invasor”) ou morrer de apatia (”Cão sem dono”).

O não-conformista é uma figura essencial na obra de Brant. Mas não apenas isso. Ele é também o papel que o diretor encarna, com inegável talento, no atual cinema brasileiro.


Fonte: Coluna Olha Só do saite no mínimo

Visite o saite oficial de Cão sem Dono

Cão sem Dono Trailer



Poemas de José Tolentino Mendonça

Dias atrás rolou aqui no Música&Poesia o curta português Morreste-me, produção que tem texto baseado em poesias de José Tolentino Mendonça. Pra quem não conhece o poeta, abaixo um pouco sobre ele e três dos poemas que embasaram o roteiro do filme.

José Tolentino Calaça Mendonça - Teólogo e poeta português.

Nascido em Machico, ilha da Madeira em 15-12-1965, poeta e ensaísta, deu início ao estudo de Teologia em 1982. Uma vez ordenado Padre, em 28-07-1990, deslocou-se para Roma, onde terminou o seu mestrado em Ciências Bíblicas. Certa vez confessou sobre a sua vocação religiosa afirmando que "foi uma coisa de juventude, inconseqüente, imprudente, inesperada, que eu procuro manter". Regressado a Portugal lecionou "Cristianismo e Cultura" e "Hebraico" na Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, desempenhando igualmente as funções de Capelão na mesma universidade. Doutorado em Teologia Bíblica e escritor de peças de teatro, é igualmente diretor da revista de teologia Didaskalia editada pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa. Atualmente é professor auxiliar na mesma Universidade.

Publicou vários títulos a partir de 1990 - Os dias contados, 1990, As estratégias do desejo, Ed. Cotovia, 1995, Longe não sabia, Ed. Presença, 1997. A que distância deixaste o coração (com fotografias de Vicente Moreira Rato), Ed. Assírio e Alvim, 1998. Baldios, Ed. Assírio e Alvim, 1999. De igual para igual, Ed. Assírio e Alvim, 2001. Traduziu também O cântico dos cânticos e a poeta italiana Cristina Campo. Perdoar Helena é a sua primeira incursão no teatro.


A presença mais pura

Nada do mundo mais próximo
mas aqueles a quem negamos a palavra
o amor, certas enfermidades, a presença mais pura
ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância da língua comum deixaste
o teu coração?»

A altura desesperada do azul
no teu retrato de adolescente há centenas de anos
a extinção dos lírios no jardim municipal
o mar desta baía em ruínas ou se quiseres
os sacos do supermercado que se expandem nas gavetas
as conversas ainda surpreendentemente escolares
soletradas em família
a fadiga da corrida domingueira pela mata
as senhas da lavandaria com um "não esquecer" fixado
o terror que temos
de certos encontros de acaso
porque deixamos de saber dos outros
coisas tão elementares
o próprio nome
Ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
«a que distância deixaste
o coração?»

José Tolentino Mendonça
de A Que Distância Deixaste o Coração
Anos 90 e agora
uma antologia da nova poesia portuguesa



Sobre um improviso de John Coltrane

Ainda espero o amor
como no ringue o lutador caído
espera a sala vazia

primeiro vive-se e não se pensa em nada
não me digam a mim
com o tempo apenas se consegue
chegar aos degraus da frente:
é didícil
é cada vez mais difícil entrar em casa

não discuto o que fizeram de nós estes anos
a verdade é de outra importância
mas hoje anuncio que me despeço
à procura de um país de árvores

e ainda se me deixo ficar
um pouco além do razoável
não ouvem? O amor é um cordeiro
que grita abraçado à minha canção


Se me puderes ouvir

O poder ainda puro das tuas mãos
é mesmo agora o que mais me comove
descobrem devagar um destino que passa
e não passa por aqui

à mesa do café trocamos palavras
que trazem harmonias
tantas vezes negadas:
aquilo que nem ao vento sequer
segredamos

mas se hoje me puderes ouvir
recomeça, medita numa viagem longa
ou num amor
talvez o mais belo


Fontes:
nEscritas
ArtistasUnidos
Wikipédia, a enciclopédia livre

terça-feira, 12 de junho de 2007

Curta Quero ser Jack White

Sexo, Amor e Roquenrou

O Música&Poesia homenageia o Dia dos Namorados com o curta-metragem Quero ser Jack White. Este filme, "com certeza", trará nostalgia àqueles que sentem saudade das primeiras experiências, dos vinis e do amor inocente.

Assista Quero ser Jack White aqui

Sinopse
Numa tarde de verão paulistana dois adolescentes se encontram por acaso numa loja de vinis. A partir deste encontro eles irão descobrir a sexualidade ao som de rock n´roll.

Gênero Ficção
Diretor Charly Braun
Elenco Fábio Lucindo, Iara Jamra, Renata Melo, Rita Batata
Ano 2004
Duração 18 min
Cor Colorido
Bitola vídeo
País Brasil

Ficha Técnica
Produção Charly Braun, Ana Luisa Isola Fotografia Ricardo Costa Roteiro Charly Braun, Cristine Rhorig Montagem Pedro Granato

Prêmios
Melhor Vídeo Ficção no Festival de Vídeo de Teresina 2005
Melhor Curta de Ficção no CINEPORT - Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa 2005
Melhor Filme no Cultura Inglesa Festival 2004
Melhor Curta - Júri Popular no Festival de Video de Santa Maria 2005
Melhor Curta - Jurí Oficial no Festival do Rio 2004
Prêmio Porta Curtas no Festival do Rio 2004
Menção Honrosa ABD&C no Mostra Curta Cinema 2004

Festivais
Encontro de Cinema da América Latina de Toulouse 2005
Festival de Cine e Video Latinoamericano de Buenos Aires 2004
Festival de Cinema Brasileiro de Paris 2005
Festival de Rotterdam 2005
Brasil no Ar - Festival Internacional da Nova Arte Brasileira 2005
Coisa de Cinema de Salvador 2005
Festival de Curtas de Manaus 2004
Festival de Gramado 2004
Festival Internacional de Cinema do Uruguai 2005
Festival Mix Brasil 2004
Jornada da Bahia 2004
Mostra do Filme Livre 2005
Vitória Cine Vídeo 2004


Videoclipe de Elza Soares

Mandingueira - Elza Soares

Clipe de Elza Soares com a participação especial de Seu Jorge e Fernanda Lima.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Artistas tomam posse - na CartaCapital desta semana

Chão de estrelas

por Pedro Alexandre Sanches
Impulsionados pela tecnologia, artistas “tomam posse” das ruas e avenidas para fazer shows, gravar e vender CDs
Os dois homens sobem no ônibus, sem passar pela catraca do cobrador, sob permissão silenciosa do motorista. Pedem desculpas por perturbar a viagem. Vários passageiros se mexem desconfortáveis nos bancos, à espera do início de história triste de desemprego ou discurso decorado sobre problemas de saúde.

Mas o caso será outro nessa manhã paulistana. Os dois homens começam a batucar energicamente no pandeiro. Levantam as vozes no burburinho. Em pouco tempo, o ônibus está tomado pela embolada nordestina.

Em rimas construídas com rapidez de corisco, os pernambucanos Pardal da Saudade e Ivan Embolador elaboram em poucos minutos uma crônica arguta sobre tudo que está acontecendo ao redor. Essa doutora tá olhando/ essa daqui é madame/ é a prefeita de Miami/ veio aqui só passear, Pardal provoca uma dama carrancuda, sob gargalhadas gerais.

Pardal puxa da sacola uma amostra do CD gravado pela dupla, ou melhor, por ele com outro embolador, Verde Lins da Voz, conterrâneo que a essa altura trabalha com outro parceiro, nalguma praça da zona sul paulistana. O disco foi bancado por eles, e é distribuído pela MD Music, a mesma que espalha pelo Brasil CDs e DVDs da Banda Calypso, Frank Aguiar, Calcinha Preta, Forrozão Tropykália.

A versão que está na mão de Pardal é “genérica”, ou pirata, segundo a terminologia policial. Ele mandou copiar e vende no ônibus por 5 reais. Contribuições menores também são aceitas, em troco da alegria proporcionada. Em breve, sairá o primeiro DVD, gravado ao vivo no Largo 13 de Maio, Santo Amaro, porta de saída e entrada para a periferia sul.

O repórter compra um exemplar, outros quatro ou cinco passageiros também. Após agradecer a atenção, na mais pura linguagem tradicional do canto falado nordestino, os dois descem na avenida Paulista e se dissolvem na paisagem da cidade. O ônibus prossegue mais leve, sorridente.

Passado o encontro fortuito, não é fácil localizá-los outra vez. “Esse pessoal não tem telefone, não”, diz o funcionário da MD. Pela internet, descobre-se que Verde Lins trabalhou na Orquestra de Músicos das Ruas de São Paulo, com o erudito “compositor e decompositor” Livio Tragtenberg. E que estrelou um documentário europeu em companhia do politizado grupo de hip-hop Z’África Brasil. Quem faz a ponte é o rapper Gaspar, paulistano filho de nordestinos, que sabe o número do celular de Pardal.

“Respeito os emboladores porque não esperam nada de gravadora, de indústria fonográfica. Só contam com a saúde para sustentar a família. Vendem CDs na rua, isso é o que respeito e acho bonito”, entusiasma-se Gaspar. “A mídia brasileira é a reprodução da cultura norte-americana, então a gente que é do rap ainda aparece um pouco. Mas os tiozinhos, não, só uma vez ou outra no programa da Inezita Barroso.”

Sabedor dos muitos pontos em comum que ligam o rap ao repente (o canto-fala improvisado na viola, e não no pandeiro, como a embolada), Gaspar revela familiaridade com a venda artesanal de CDs: “Também saio ‘mangueando’ para vender nossos CDs. Estou duro, vou ‘manguear’, pago meu almoço. Artista que faz CD tem de ir para a rua”.

Outra referência, para Gaspar, é o repentista Sebastião Marinho, paraibano que migrou em 1976. “Quando cheguei, São Paulo me surpreendeu, fiquei com nojo. Pensava que os prédios eram banhados a ouro, e só vi cachorro vira-lata. Mas os nordestinos daqui se emocionavam com minha cantoria, senti necessidade, fiquei.”

Marinho diz preferir o palco às ruas, mas relata as agruras da chegada. “No começo, não tinha muito campo para trabalhar, e fui ser zelador num prédio na rua das Palmeiras. Foi o único emprego que tive fora do repentismo.” Em 1º de maio de 1988, fundou a União dos Cantadores Repentistas e Apologistas do Nordeste (Ucran). “Fizemos um manifesto, 48 repentistas abraçando a praça Ramos, para que a polícia não levasse mais os cantadores para a delegacia por vadiagem.”

No contato telefônico, Pardal da Saudade logo aceita a proposta de se deixar acompanhar por CartaCapital durante uma jornada de trabalho. Repórter e fotógrafa são incorporados à crônica improvisada, que fagocita com agilidade todas as etnias e tipos sociais que passem pela frente. Se Pardal diz que a passageira oxigenada é baiana como Carla Perez, Ivan retruca que não, ela é gaúcha e se parece com a Xuxa. Os passageiros são informados da presença dos jornalistas: Tão fazendo entrevista/ pra deixar tudo completo/ levar pro (programa policial da Globo) Linha Direta/ que é pra gente se ferrar.

Provocam um viajante que vai descer: Esse aqui quer descer/ será que ele é do PT/ e quer correr pra não pagar? Ivan conta que votou em Lula. Pardal diz que também votaria, mas não transferiu o título ainda. Lula é o presidente/ ele é meu conterrâneo/ e o Brasil tá se afundando/ vai pegar fogo já, já.

Vendem CDs numa média de 20 viagens diárias de domingo a domingo. Mas não na segunda-feira 4, quando primeiro armaram uma roda matutina de embolada no Largo 13 de Maio. Em uma hora e meia, venderam todos os 40 CDs genéricos que traziam na sacola.

– Tem, não, um dinheirinho para colaborar? – pergunta Ivan a alguém.

– Não.

– Tá desempregado?

– Tô.

– Caçando emprego aqui? Não vai dar certo... – e a roda toda cai na gargalhada.

Na praça, as rimas são mais pesadas. Atravessam cruelmente preconceitos e estigmas sociais, contra mulheres, negros, nordestinos, homossexuais, deficientes, “pinguços”. Os estigmatizados ao redor se alternam entre sorrisos amarelos e gargalhadas. O que me deixa irritado/ é vocês se gargalhando/ e eu, um corno cantando,/ ainda não vi ninguém pagar.

“Na praça é mais liberal, a gente solta a franga, faz a ‘fuleragem’”, Pardal classifica. “No ônibus não pode. É como se fosse casa de família, o pepino pode ir para o motorista. Ali cantamos correto, sem dizer palavra errada.”

Pardal contabiliza 7 mil exemplares “oficiais” do CD vendidos nas ruas. Dos “genéricos”, não sabe dizer: “Piratas a gente não conta, acho que uns 7 mil também”. É mais do que anda vendendo muito pop star famosíssimo.

Ele troca de idéia quando perguntado sobre a justeza de se referir ao próprio disco como “pirata”: “Sendo meu, acho que não é pirata”.

Localizado noutro celular, Verde Lins, o ex-parceiro, se queixa da política de preços do colega: “Ele vende por 5 reais, fica difícil, queima a praça. Eu vendo a 10 reais, na loja custa 12. O meu é pirata, também estou fazendo”. Verde Lins foi quem primeiro gravou Futebol no Inferno, que depois viraria sucesso com a dupla Caju e Castanha, a mais conhecida do País, que lança discos pela Trama.

As queixas não vão longe: “A vida para mim é boa. Prefiro cantar na rua que em outros lugares para ganhar nome. A gente vive de dinheiro, não de divulgação e conversa. Tem de vir de baixo, a casa precisa do primeiro tijolo. Os apresentadores de tevê e locutores de rádio me conhecem mais do que eu conheço eles. Me chamam, se derem cachê eu vou”.

Afirma que não recebeu direitos autorais pela cantoria com os rappers no vídeo The Session, realizado em 2005 pela artista plástica sueca Annika Eriksson e exibido em circuitos europeus de arte. A história assemelha-se à de outra dupla de cantadores, Peneira e Sonhador, focalizada no documentário francês-brasileiro Saudade do Futuro, de Marie Clémence e César Paes.

“Mandaram um DVD, eu vou copiando e vendendo. Não deram direito autoral, só pagaram a gravação”, diz o pernambucano Peneira.

Peneira é um dos 15 músicos liderados por Livio Tragtenberg na Orquestra de Músicos das Ruas, formada em 2004. “O que mais estranhei foi passar da rua para o palco. Na rua a gente canta solto e livre. Na orquestra é pouco e na hora certa”, separa Peneira, que adota nome de passarinho como apelido, assim como a maioria dos cantadores, de Pardal a Patativa do Assaré.

Tragtenberg critica a camada de exotismo com que são vistos os artistas das ruas: “Me dizem ‘muito bom o trabalho que você fez com morador de rua’, mas não há nenhum morador de rua na orquestra. Não é só a crítica, o público também quer lavar a consciência pesada, passar a mão na cabeça, ‘eles são bonzinhos’, ‘você está tirando da rua’. É um modo de não reconhecer o valor artístico deles”.

Ele concentra o conceito no termo que nomeou o primeiro CD do grupo, Neuropolis, editado pelo Selo Sesc: “Neurópolis é a cidade dos nervos, que estão dentro do corpo, ninguém vê, mas são a alma de tudo. Faço uma analogia com os músicos, que circulam pela cidade meio invisíveis e a mídia não vê”.

Distribuída entre migrantes nordestinos e imigrantes estrangeiros, a orquestra reúne desde paraguaios que tocam música mexicana no restaurante El Mariachi até a japonesa Reiko Nagase, de 65 anos, e a nissei Yuko Ogura, de 76, responsáveis pelos instrumentos orientais koto e sanguen na babel musical de Tragtenberg. O piauiense Emerson Boy, por exemplo, fez teatro de rua no Brasil e na Europa, participou da banda de rap abrasileirado Tiroteio e faz shows pela Vila Madalena a bordo do “jegue elétrico”, uma Brasília antiga com um palco improvisado. “Se não tenho espaço privado para mostrar meu trabalho, vou para as ruas.”

Dona Yuko, também professora de koto, fala do ineditismo de estar ao lado de cantadores nordestinos: “Nunca convivi, só com japoneses. No começo a gente sofreu, porque não sabia como fazer”. “Fica cada um na sua, ninguém entra no estilo do outro. Convivemos bem com as japonesas, elas são muito boazinhas, estão sempre sorrindo. Os repentistas a gente não entende muito bem, porque falam muito rápido. É um sarro”, descreve Ruben Vera, mexicano criado no Paraguai.

Tragtenberg toma partido dos artistas semi-invisíveis da “neurópolis”: “É mais fácil trabalhar com essa turma que com músico tradicional. Eles não têm preconceitos, são sobreviventes. E são profissionais, não é papo de ONG music, inclusão social. É um trabalho musical. Venho intoxicado de tanto artista e babaquice do circuito cultural, onde só tem nego reclamando, para mim é oxigênio puro”.

Segundo ele, a era da internet propicia, para os músicos das ruas, uma tomada de posse do próprio trabalho. “Ali na rua o CD não ficou obsoleto. Estão dando uma lição tremenda no mercado. E o público reconhece, compra como gesto de solidariedade. Isso se perdeu totalmente na classe média, em que artista é só símbolo de status, de ir ao Credicard Hall.”

Ladrão rico vive muito porque sabe planejar/ e ladrão pobre morre logo porque não sabe roubar, cutucam Pardal e Ivan nas ruas. Na jornada da segunda 4, esgotaram o CD e arrancaram gargalhadas e trocados. Reagiram com humor à desconfiança de passageiros que, descrentes de estarem diante de artistas “de verdade”, não reconheciam Ivan na capa do CD. Entraram em ônibus amistosos e hostis, inclusive um no qual não conseguiram nenhum centavo. Obtiveram montante suficiente para garantir a féria média mensal entre 1,2 mil 2 mil reais cada um.

Esperam receber em casa os exemplares prometidos de CartaCapital, assim que a reportagem chegar às ruas. Desta vez, ninguém vai aparecer no Linha Direta.

Fonte:
CartaCapital - Matéria da edição 448 de 08/06/2007